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3 A chegada do arcebispo em tempo de crise: o anúncio de uma missão

3.3. O linchamento: o atentado comunista e a multidão católica

Após dois dias da chegada do arcebispo, ainda num clima de saudação e de festa, uma multidão católica acompanhou a procissão arquiepiscopal, no ritual da entrada do Arcebispo na Concatedral da Madre de Deus. Enquanto a encenação do sagrado se realizava, ouviram-se alguns tiros seguidos de gritos, vindos da Rua do Imperador.

O deputado Cordeiro Filho, do PSD – Partido Social Democrata, em frente do Café Lafaiete, tirou seu revólver do bolso e disparou toda a carga contra o juiz Alfredo de Pessoa Lima, seu desafeto. Ao som de vozes histéricas e do movimento apavorado de uma multidão católica, o magistrado foi levado urgentemente ao Pronto Socorro, e o parlamentar, provavelmente descontrolado, foi conduzido por seus amigos que o acompanhavam no momento do incidente, para a Secretária de Segurança. Chegando lá, depois de poucos minutos foi liberado para ir para casa (JC, 20.03.52, p.07).

No tempo em que o pálio arquiepiscopal desfilava nas ruas ao som das balas da Rua do Imperador,

houve muita correria, muito encontrão, gente desgarrada, colegiais chorando, famílias desencontradas, etc. Uma senhoria, em terríveis ataques de nervos, foi acometida de um ataque de histerismo e levada, também ao Hospital do Pronto de Socorro. O sargento Severino de Holanda Cavalcanti, no 3° Batalhão, recebeu um ferimento a tiro no calcanhar esquerdo (JC, 20.03.52, p.07).

Após o tumulto, comentou-se que o magistrado, poucos dias antes, tinha sofrido uma agressão física por parte de nove capangas do deputado Cordeiro Filho, com quem tinha tido uma indisposição pública. Algum tempo depois do acontecido, o juiz Alfredo de Pessoa Lima veio ao Recife escoltado por policiais, pois tinha ouvido falar que o Deputado queria matá-lo (JC, 20.03.52, p.07).

Segundo uma matéria do Jornal do Commercio, o juiz estava na “Nova Colômbia” quando, de longe, viu o deputado Cordeiro Filho. O juiz se aproximou e perguntou: “Você ainda manda dar surra em homem?” (JC, 20.03.52, p.07). O Deputado não respondeu a pergunta do juiz, tirou sua arma do bolso e efetuou os disparos (JC, 20.03.52, p.07).

Já o Sr. Severino Mário53, que acompanhava o deputado na hora dos disparos, afirmou que Cordeirinho, como era chamado pelos amigos, estava bastante debilitado por algum tempo. E sob recomendações médicas foi até um consultório tirar uma radiografia. Depois, relatou o Sr. Severino Mário, eles decidiram ir até a Rua Rangel para ver alguns móveis em que Cordeirinho estava interessado. Concluiu:

No “Lafaiete”, a passagem do cortejo arquiepiscopal impediu de atravessarmos a rua. Ficamos ali conversando... quando este (o juiz) surgiu junto ao grupo, mão no bolso direito do paletó. Em posição de que estava com a arma no bolso. Nessa posição, o doutor Alfredo de Lima interpelou o Cordeirinho, disparando contra ele (JC, 20.03.52, p.07).

Ao passo que se especulava o verdadeiro responsável dos primeiros disparos, o Jornal do Commercio publicou as notícias da Assembleia Legislativa sobre o incidente da Rua do Imperador. Era visível a indignação, pois, “exatamente quando havia em trânsito na casa uma proposição no sentido de homenagear o novo arcebispo”, um deputado se envolvia no escândalo (JC, 21.03.52, p.03).

No dia 23 de março, na Assembleia, vários deputados se pronunciaram sobre o incidente. O deputado Paulo Cavalcanti do PCB foi o primeiro orador do dia e, enfaticamente, condenou a polícia, afirmando que esta teria sido negligente, quando não prendeu o deputado Cordeiro em flagrante. Aproveitou o momento para afirmar “que a polícia só existia para perseguir operários e cometer violência contra o povo, mas numa hora que se precisa [...]” (JC 21.03.52 p. 03). O deputado Paulo Cavalcanti continuou seu discurso, “demorando-se na tribuna mais de uma hora, sendo aparteado, insistentemente, pelos senhores Edson Moury Fernandes, Clelio Lemos, Fábio Correia, Severino Mário, Nilo Pereira [...]” (JC, 21.03.52, p.03).

O deputado Cordeiro Filho, numa entrevista ao jornal do Commercio, declarou que tinha sido agredido pelo juiz e, para se defender, apontou sua arma em direção a Alfredo Pessoa. O entrevistador lembrou ao deputado que ele quase fora vítima de um linchamento na frente do Lafaiete. O deputado, sobre a tentativa, declarou:

53 Roberto Aguiar Oliveira em Recife: da Frente ao golpe quando discutiu a composição social da Assembléia

Pernambucana de 1947, cita Severino Mário de Oliveira como proprietário de terra e deputado do PSD, em 1947 ( AGUIAR, 1993: 65).

Sei que tentaram me linchar. Contudo esse linchamento nada tinha a ver com o meu caso com o juiz Alfredo Pessoa. Passava na ocasião o cortejo arquiepiscopal. Pensou-se que os disparos resultavam de uma agressão comunista, no sentido de eliminar o arcebispo. Daí a tentativa de linchamento, que ficou apenas nas palavras, não chegou sequer a esboçar-se. (JC, 21.03.52, p.05).

Os disparos na Rua do Imperador, no dia da procissão arquiepiscopal, nos apresentam uma rede de eventos que se tocam, de fragmentos que se misturam, mostrando o fazer artesanal da História. Assim nasce a História, com as redes dos eventos colocadas em sintonia, formando narrativas. No dia dos tiros, protagonistas singulares se cruzaram – o arcebispo Dom Antônio, o deputado Cordeiro Filho, o juiz Pessoa Alfredo Lima, a multidão curiosa, a procissão católica – transversalmente em histórias alheias.

Qual a intersecção dos disparos da Rua do Imperador e a procissão arquiepiscopal? Optamos por eleger a tentativa de linchamento. “Pensou-se que os disparos resultavam de uma agressão comunista, no sentido de eliminar o arcebispo (JC, 21.03.52, p.05). Um comunista foi apontado por parte da multidão como o responsável pelos disparos da Rua do Imperador. A tentativa de linchamento sinaliza a possível sensação de medo que parte das pessoas sentia do comunismo e também aponta rastros de um clima de conspiração comunista que rondava a cidade do Recife.

Depois de alguns dias depois dos tiros da Rua do Imperador, o arcebispo foi recebido na Câmara Municipal do Recife. O vereador Wandenkolk Wanderley do PDC – Partido Democrata Cristão falou do contentamento e da honra que a Câmara Municipal tinha em receber o arcebispo. Depois de muitos elogios ao arcebispo, o vereador discursou sobre “as condições de vida do mundo moderno e a luta entre as forças materiais e espirituais” (JC, 26.03.52, p.03).

A leitura da recepção entusiasmada do líder do diretório estadual do PDC ao arcebispo não pode deixar de considerar que o vereador Wanderley era uma alta e importante voz anticomunista na cidade do Recife. Em diversas matérias do Diário de Pernambuco, na década de 50, na seção sobre o cotidiano da Câmara Municipal, o vereador encena como personagem principal na luta contra as práticas comunistas.

Anos mais tarde da chegada do arcebispo, o vereador tentou impugnar a candidatura de Pelópidas Silveira, alegando um suposto compromisso político entre candidato e o PCB. Para assegurar sua acusação, o vereador apresentou, junto ao processo de impugnação, uma certidão cedida pela Secretária de Segurança Pública que afirmava o que o engenheiro Pelópidas Silveira era pronturiado naquela repartição, por exercer atividades contrárias ao regime democrático (cf. PONTUAL, 2001, p.128).

Este acolhimento de um anticomunista a Dom Antônio nos permite lançar a asserção de que não foram raros os encontros de Dom Antônio de Almeida, durante o seu governo na Arquidiocese de Olinda e Recife, com personalidades no Recife, que partilhavam da ideia de que os comunistas representavam uma grande ameaça para Pernambuco. Portanto, em Recife, asseveramos que havia grupos anticomunistas que se comunicavam, se articulavam e, quando possível, solicitavam publicamente a bênção e a presença do arcebispo Dom Antônio de Almeida.

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