• Nenhum resultado encontrado

74 2. Produção manufatureira: deste tipo de produção nasceu o projeto como “linguagem intermediária entre trabalho criativo e trabalho reprodutivo” (BOMFIM, 1998). A qualidade estética das peças resulta da relação – e da perícia – entre o responsável pela criação as pessoas em cargo da reprodução. O conceito de manufatura38 aqui adotado é o que entende a manufatura como uma produção artesanal, com ou sem o uso de ferra- mentas, com uma quantidade considerável de trabalhadores e que cum- pram jornada de trabalho com vínculo empregatício.

3. Produção industrial: este tipo de produção revolucionou a capacidade reprodutiva e a variedade dos bens de consumo. Aqui a força física e a habilidade manual foram substituídas pela força mecânica e o acaba- mento técnico (BOMFIM, 1998). O seu desenvolvimento formal vivem em constante modificação, pois se beneficia dos avanços tecnológicos dos inúmeros processos produtivos e da engenharia de materiais.

Ono (2012) ao considerar que o design influencia a construção de valores, práticas e hábitos das pessoas através dos produtos que desenvolve, atribui a ele uma responsabilidade não só pela quantidade do que produz, mas pela qualidade, e assim, seria fundamental o entendimento das funções dos objetos que abastecem a sociedade.

4.3 FUNÇÃO DOS PRODUTOS

Ao longo do desenvolvimento da atividade do design, proporcionada pelos estudos acerca de sua teoria e da metodologia, surgiram algumas definições da função de um produto. Inicialmente a questão da função estava ligada ao funcionamento técnico, e por muito foi venerada pela má interpretação de uma frase do arquiteto americano Louis Sullivan, a máxima “a forma segue a função”. Cardoso (2012) ressalta que durante um longo período a “forma” e a “função”, relacionadas ao funcionamento técnico e à configuração estético-formal – ou estilo, de acordo com alguns autores – foram o cerne das preocupações do designer.

A pesquisa utiliza as funções do produto definidas por Bernd Löbach (2011), onde o produto teria três funções: práticas, estéticas e simbólicas. Os

38

Manufatura: 1. Trabalho manual 2. Obra feita à mão 3. Estabelecimento em que artigos são produzidos em quantidade grande, com trabalho manual de muitas pessoas e/ou uso de máquinas; fábrica 4. Produto de manufatura em: Mini Aurélio Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Positivo, 2006.

75 produtos carregam múltiplas dessas funções e elas podem se relacionar entre si, mas em todos os casos uma função vai prevalecer sobre a outra em matéria de importância. O autor coloca que tais funções são aspectos essenciais da relação do indivíduo com o produto e que elas são identificadas durante o processo de percepção/interação/uso, possibilitando a satisfação de algumas de suas necessidades. Na concepção de Löbach, o designer deve conhecer essas diversas necessidades e aspirações do usuário ou grupos de usuários, assim, pode determinar ao produto as funções apropriadas para cada uma delas.

Bomfim (1998, p. 19) coloca que existem pelo menos quatro níveis39 distintos de relacionamento entre as tais necessidades do indivíduo com as funções do produto:

1. Nível objetivo, quando o projeto evidencia as funções práticas, primando pelo desempenho técnico de um produto sem direcioná-lo a um usuário ou grupo de usuários específicos. A forma aqui é relevante apenas para a execução da função prática.

2. Nível biofisiológico , quando além das funções práticas, o processo de utilização é levado em conta, e em mesmo grau de relevância. A forma aqui é pensada para atender de modo eficiente as necessidades relati- vas às características biofisiológicas de um usuário ou grupo de usuá- rios.

39

Löbach (2013), ao descrever suas funções, as associa aos níveis descritos por Bomfim (1998), por isso faz-se necessária a compreensão prévia dos níveis antes da caracterização das funções.

Figura 56: espremedor de alho Fonte: http://www.nedo.com.br

Figura 57: tesoura ergonômica para canhotos, Maped. Fonte: www.staples.com.br

76 3. Nível psicológico, quando as funções práticas e estéticas são considera-

das visando atender às necessidades de caráter psicológico do usuário ou grupo de usuários. Aqui a forma e o conteúdo possuem o mesmo grau de relevância.

4. Nível sociológico, quando o projeto leva em consideração aspectos espi- rituais, psíquicos e sociais do usuário ou grupos de usuários (Löbach, 2001, p.64). Aqui, a forma funciona como intermediária do conteúdo, possui valor estético e pode ser compreendida como signo.

4.3.1 Função Prática

A função prática está associada ao funcionamento técnico do produto e engloba os níveis objetivo e biofisiológico. Ou seja, a sua configuração pode ser destinada para a execução da função prática (nível objetivo) ou, além disso, considerar os aspectos da utilização do objeto (nível biofisiológico) para a realização da função prática, aspectos esses que correspondem a uma adequação às necessidades biofisiológicas do usuário ou grupos de usuário. No produto as funções práticas podem ser traduzidas com uma preocupação quanto à facilidade do uso, prevenção do cansaço, proporcionar conforto,

Figura 58: triciclo Pelicano Chicco Fonte: www.chicco.es

Figura 59: Anel de noivado Tiffany & Co. Fonte: http://www.tiffany.com.br

77 segurança e eficácia na utilização do objeto.

A função prática estabelece relações com as bases conceituais de uso do produto, com a ergonomia, com os aspectos operacionais, informacionais e na materialização física do produto. Associa-se também à técnica (que engloba os aspectos relacionados à tecnologia, aos materiais e os sistemas construtivos e de fabricação), à normalização e à criatividade. (FILHO, 2006, p. 43).

4.3.2 Função estética

A função estética, segundo Löbach (2001), é um aspecto psicológico da percepção multissensorial durante seu uso. Ao ampliar a definição, João Gomes Filho coloca que ela teria como principal característica a “fruição da beleza, do prazer e do bem-estar contemplativo em relação a um dado objeto por parte de um usuário” (FILHO, 2006, p. 43).

Löbach (2001, p. 62) coloca que as experiências prévias do usuário com características estéticas e por consequência, a percepção consciente das mesmas, são fatores essenciais para o uso sensorial dos produtos. A função estética está vinculada à configuração do produto de design, e tendo em vista que sua aparência atua de forma negativa ou positiva – também atua de maneira neutra – no usuário/observador, pode-se afirmar que ela provoca um sentimento de rejeição ou aceitação/identificação com os produtos.

Baxter (2001) coloca que quando se fala em produtos atrativos raramente a referência leva em conta seu cheiro, som ou paladar. A percepção humana é amplamente dominada pela visão, e ao tratar de estética ou estilo de um produto, a referência é quanto ao seu estilo visual. É muito difícil que o designer conceba um produto cuja aparência estética seja aceita por muitos usuários distintos, que os apreciem e que se identifiquem com ele. Isto porque, como destaca Löbach (2001), cada pessoa percebe seu entorno de maneira distinta.

De acordo com Arnheim (2007), a configuração perceptiva resulta de uma interação entre o objeto físico, a luz agindo como veículo transmissor de informação e as condições existentes no sistema nervoso do observador. “A

78 imagem é determinada pela totalidade de experiências visuais que tivemos com aquele objeto durante toda nossa vida”.

4.3.3 Função simbólica

A função simbólica de um objeto, de acordo com Löbach (2001, p. 64), se dá quando “a espiritualidade do homem é estimulada pela percepção deste objeto, ao estabelecer ligações com suas experiências e sensações anteriores”. Assim, ela é determinada pelos fatores espirituais, psíquicos e

sociais de uso.

Deste modo, a função simbólica está associada aos aspectos estéticos dos produtos, uma vez que a percepção e identificação (através de experiências prévias do seu repertório individual) ocorrem através dos atributos de configuração do objeto. O usuário/observador identifica o símbolo e o associa a determinados aspectos. O símbolo “é um sinal, um signo40

que existe para algo” (ibid., p. 64).

A imagem simbólica do produto reflete os contextos sociais, econômicos e culturais do design. São atrelados à configuração aspectos relacionados ao

40

O signo, de acordo com Peirce, é “algo que, para alguém, equivale a alguma coisa, sob algum aspecto ou capacidade [...] é qualquer coisa que determine que outra coisa (seu interpretante) se refira a um objeto ao qual ele mesmo se refere do mesmo modo, o interpretante se tornando um signo, e assim por diante, ad infinitum”. (PEIRCE, C. Semiótica, 1977. In: PINTO, J. 1, 2, 3 da semiótica. Belo Horizonte: Editora UEMG, 1995).

Esquema 2: o processo de percepção.

Documentos relacionados