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2. Respondendo o autonomista radical

2.5 Essencialismo x Pluralismo

Como colocamos em nossa introdução, há implicitamente na posição do autonomista uma defesa de um essencialismo22 a respeito do valor da arte de forma geral. É de nosso interesse esclarecer porque Carroll destitui esta perspectiva indiretamente, e se filia a um pluralismo23.

Segundo Robert Stecker, o essencialismo, em sua versão mais robusta, afirma que valor artístico é: (1) um tipo unitário de valor. É aquilo que valoramos quando valoramos algo “como arte”. (2) É um valor único da arte. Nada mais fornece esse valor. (3) É compartilhado por todas obras de arte consideradas valiosas enquanto arte, em todas formas de arte. (4) É intrinsecamente valoroso e torna a arte intrinsicamente valiosa. (STECKER, 2010, p.222)

Ainda, segundo Stecker, a afirmação mais difícil de ser derrubada é a de que todas obras de arte possuem valor estético. Contudo, como já vimos a partir

22 Se parece confusa a maneira com as perspectivas aqui criticadas se relacionam (pois Carroll

parece pecar em não fazer esta distinção ou afirmar implicitamente que, aquele que defende uma não influência entre os valores moral e artístico, necessariamente se compromete com uma visão essencialista do valor da arte) esta impressão é corroborada pela crítica de Alessandro Giovannelli (2007). Contudo, como nosso trabalho se direciona principalmente à explicação do problema da relação da arte e da moral dada por Noël Carroll, seguiremos o desenvolvimento por ele apresentado. A crítica de Giovanelli à taxonomia do autor será apresentada no último capítulo. O que ele coloca acerca da caracterização do autonomismo radical feita por Carroll é que ela “… é problemática de diversas maneiras, incluindo o fato de que, extrema como é, ninguém parece sustenta-la, [...][P]ara afirmar a irrelevância, de alguma forma, do valor ético para o valor artístico, um autonomista não precisa afirmar que obras de arte não podem ser julgadas eticamente.” (GIOVANNELLI, 2007, p.118, tradução nossa).

Embora alguns comprometimentos que Carroll vê nos autores colocados como autonomistas pareçam realmente forçosas, pois como Giovannelli coloca, é difícil encontrar uma declaração clara de Wilde ou de Bell que os comprometa indubitavelmente com esta posição, a caracterização desta posição dentro do debate é importante na argumentação e diferenciação de outras posições, uma vez que é necessário justificar porque estamos nos concentrando no problema da relação da arte com a moral. Nos parece razoável a preocupação de Carroll de abrir caminho para a discussão, antes de embrenhar-se nela. Aproveitamos o contexto para apresentar a perspectiva de valor pluralista adotada por Carroll.

Em suma, embora concluiremos que a nova taxonomia auxilia na abordagem do problema da interação quando esta encontra-se isolada de quaisquer outras discussões, ela não exime o defensor do criticismo moral de justificar de que maneira efetivamente há uma esfera ética nas obras de arte.

23 Stecker (2010) diz identificar Carroll como um pluralista sobre o valor da arte. Em verdade,

qualquer autor que proponha a crítica ética das obras de arte sem reduzir o valor artístico ao valor ético se compromete com a visão de que a arte possui pelo menos dois tipos de valores (quais sejam, o ético e o “artístico”). Como e se esses valores interagem é outra questão. Mas admitir uma visão nãoessencialista é um primeiro passo para nossos objetivos.

46 de Dickie e Carroll, o emprego do termo “estético” pelos autores essencialistas não possui definição consensual, e aparenta ser utilizado como um termo “guarda-chuva” para o que se quer incluir dentre as possíveis respostas que obras de arte provoquem.

Já a resistência à interação do valor ético-artístico se dá em duas bases 1) o valor artístico deve ser identificado com o valor estético; 2) o valor estético de uma obra é distinto do ético. Segundo o autor, acabamos aceitando a primeira premissa porque é fácil confundir valor artístico com valor estético (talvez porque seja uma distinção muito pouco evidenciada nas teorias artísticas até então e que, como dissemos na introdução, cause confusão até nos tempos atuais). Contudo, nossa resposta ao argumento do denominador comum mostrou que, mesmo que fosse o caso que o valor estético estivesse presente em todas obras de arte, não se segue disso que somente a crítica estética seja cabível (ou seja, não se segue disso que haja somente valor estético nas obras).

Já o pluralismo de Stecker defenderia que algumas propriedades artisticamente valiosas são encontradas somente em algumas formas de arte mas não em outras, que nenhum desses valores são únicos à arte, que a arte é sempre extrinsecamente ou instrumentalmente valiosa, e que não há um tipo de valor que todas obras possuam enquanto arte (STECKER, 2010, p.222).

Esta concepção não se dá a partir da análise conceitual do que seja a arte, mas sim de análises empíricas a posteriori. Stecker defende que somente saberemos os valores que fazem parte da arte ao observarmos no mundo aquilo que o artista busca colocar em sua arte, e aquilo que o público busca ao acessá- la (STECKER, 2010, p.222-223). Portanto, sobre o valor moral das obras, se é um fato percebido que o público procura muitas obras de arte afim de encontrar valor moral nestas, e que aparentemente faz parte dos objetivos do artista fornecer tal coisa em sua obra, o valor ético facilmente passa a ser parte dos valores artísticos.

Outra estratégia ardilosa do teórico autonomista é a de, mesmo em um momento após aceitar a diferenciação entre valor estético e artístico, caracterizar o moralismo como uma tendência à censura, como o faz o moralismo de base platônica afim de manter as pessoas moralmente incorruptas. É importante lembrar que a avaliação ética (seja positiva ou negativa), como defendida pelo

47 adequação da perspectiva retratada na obra. Há até mesmo autores como Matthew Kieran (2003, 2006) que, além de defenderem a liberdade artística nas mesmas bases da liberdade de expressão, argumentam que mesmo obras imorais podem nos oferecer algo de valioso.

Por este motivo, o capítulo seguinte se debruçará justamente sobre o problema da diferenciação da crítica moral das obras de arte proposta por Carroll de uma tendência “moralista” à censura, bem como sobre a argumentação de Kieran em defesa da livre expressão artística, inclusive de obras consideradas “imorais”.