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A recuperação das características arquitetônicas do contestado ‘padrão FIFA’ estava presente, em boa parte, nas demandas da Federação para a construção ou reforma das atuais arenas. A listagem das exigências da entidade para que um estádio tivesse condições de receber um evento promovido por ela (no caso brasileiro, a Copa do Mundo de 2014 e a Copa das Confederações de 2013) ficou conhecida no país como Caderno de Encargos. O documento oficial era nomeado como Requisitos e Recomendações Técnicas. Eram 248 páginas de instruções aos organizadores sobre como proceder para atender às exigências da Federação. Esses requisitos e recomendações acabam pautando os projetos de modificações das praças esportivas. Bernardo Borges Buarque de Hollanda sustenta que as exigências do ‘padrão FIFA’, assim como as prescrições do Ministério do Esporte, desde a criação do Estatuto de

Defesa do Torcedor, de 2003,

(...) são corolários do fenômeno mais geral de gentrificação, isto é, da tendência contemporânea à elitização do espaço público esportivo. Trata-se de uma decorrência da mudança mais ampla na conformação das receitas de futebol, em sintonia com a nova ordem econômica internacional. Constata-se nas últimas décadas que a aquisição de lucro não depende mais do número de espectadores presentes em uma praça esportiva, mas da capacidade e versatilidade de cada um desses, de maneira individual, consumir produtos esportivos durante o espetáculo de futebol (2014, p. 323-324).

O Caderno de Encargos listava dez requisitos considerados básicos – embora, como o próprio nome oficial do documento indicava, eram recomendações. Seria possível que uma avaliação subjetiva fosse realizada pela FIFA caso algum item não estivesse plenamente atendido. O primeiro requisito versava sobre as decisões pré-

construção. A FIFA solicitava um estudo de viabilidade e impacto na região onde seria

erguida a nova arena. Seria necessária a existência de um mínimo de trinta mil assentos para jogos internacionais, cinquenta mil para um jogo de final de Copa das Confederações e sessenta mil para a final de uma Copa do Mundo. Sobre a localização, se recomendava a existência de estacionamentos próximos, bem como opções de transporte público – metrô, ônibus e, inclusive, um aeroporto não muito distante. Centros comerciais e hotéis também eram sugeridos.

O segundo requisito versava sobre a segurança. As indicações de entradas, saídas, escadarias, portas e rotas de fuga deveriam estar sinalizadas corretamente, de acordo com o código internacional. Era destacado, ainda, que os portões deveriam possuir abertura do interior para o exterior e que os mesmos precisariam permanecer

destrancados enquanto houvesse público dentro do estádio. Também era pedido que houvesse um sistema de controle e monitoramento panorâmico das áreas internas e externas. Outra exigência era uma sala para atendimento médico. É interessante perceber que, ao menos inicialmente, a preocupação com a segurança se dava mais em relação à arquitetura do estádio do que especificamente ao comportamento de seus frequentadores.

O terceiro item se referia à orientação do campo e estacionamento. Seguindo novamente a lógica das regras internacionais de sinalização, as direções para que se chegasse ao estádio deveriam estar indicadas no ingresso e nas dependências próximas ao local do evento. A localização dos assentos também deveria estar indicada na parte interna do estádio. Sugeria-se que uma cerca fosse colocada no perímetro externo para que houvesse vistoria e triagem das pessoas que circulariam pelo local. Uma nova vistoria/triagem deveria ser feita nos portões de entrada. Sobre o estacionamento, o estádio precisaria oferecer 17,5% de vagas para automóveis particulares em relação à capacidade total de lugares. Em um estádio com sessenta mil assentos, seriam necessárias dez mil e quinhentas vagas de estacionamento para automóveis particulares. O documento sublinhava que um espaço deveria ser destinado ao hospitality parking para “convidados VIP” – em outro item, os integrantes deste espaço foram descritos como “convidados especiais e parceiros comerciais”. As delegações com as equipes deveriam possuir ao menos duas vagas de ônibus e oito de automóveis particulares, dentro do estádio, próximas aos vestiários e sem contato com o público. Integrantes de veículos de mídia deveriam ter uma entrada exclusiva reservada, com sala de imprensa de 30 m². Para a final da Copa do Mundo, os caminhões de transmissão da televisão deveriam ter entre 3 e 5 mil m² de área disponível, em local adjacente com segurança reforçada e sistema independente de geração de energia. Para os veículos de transmissão via satélite se mantinham os mesmos conceitos, apenas sem a delimitação de espaço. Veículos de emergência e segurança deveriam estacionar em área adjacente ou no interior do estádio, em posição que permitisse um rápido escoamento do público. Um heliporto próximo também era sugerido.

O quarto requisito dispunha sobre as regras da área de jogo. Conforme as regras oficiais do esporte, os campos deveriam possuir 105 m de comprimento por 68 m de largura. Não havia determinação sobre o tipo de gramado, mas se exigia que uma inspeção prévia, antes da inauguração, fosse realizada. A separação do campo de jogo para as arquibancadas não deveria ser feita por barreiras, mas por seguranças privados e

por policiais, para que impedissem invasões. Alternativas para essa separação eram a elevação das arquibancadas em relação ao gramado ou a construção de um fosso. Os bancos de suplentes deveriam ser dois, com capacidade para vinte e duas pessoas cada, dispostas em paralelo. Placas de anúncios publicitários deveriam estar entre 4 e 5 m da linha lateral, 5 m atrás do gol e 3 m da bandeira de escanteio possuindo entre 0,9 m e 1 m de altura.

Os vestiários eram o quinto item do Caderno e deveriam ter uma área de entrada exclusiva e possuírem itens idênticos para as duas equipes, anfitriões e visitantes. A área mínima reservada aos jogadores era de 150 m² e de 24 m² para os treinadores. As mesmas dimensões deveriam ser obedecidas para os árbitros. O acesso ao campo deveria ser feito por um túnel com, no mínimo 4 m de largura e 2,2 m de altura. Para partidas internacionais, recomendava-se que a largura fosse de 6 m. Os árbitros e os jogadores de ambas as equipes deveriam possuir acessos individuais ao campo. Seriam necessárias, também, duas áreas para aquecimento, de 100 m² cada, próximo aos vestiários.

Elementos relacionados ao conforto dos espectadores estavam listados no sexto requisito do Caderno. A cobertura era desejável em locais com alta incidência de sol e de climas frio ou úmido. O estádio deveria ter assentos individuais e afixados à estrutura das arquibancadas, com largura mínima de 0,47 m e encosto de pelo menos 0,3 m de altura. A distância mínima entre as poltronas era de 0,85 m. Assentos para o público VIP possuíam distinções, como ter localização central e separada das cadeiras do público geral. Não eram permitidos “pontos-cegos”. Era necessário que fosse possível visualizar o campo de todos os lugares a serem comercializados no estádio. Contabilizavam-se cinco pontos de venda para cada mil espectadores projetados de maneira a não obstruírem a circulação no estádio. Todos os setores deveriam ter rampas para portadores de deficiência, sanitários adaptados e serviços de apoio, assim como portão de entrada exclusivo para esse público.

O sétimo item, hospitalidade, retomava outros elementos, como a diferenciação do setor VIP das áreas comuns, além de acrescentar especificações para camarotes e suítes para até 20 pessoas. Um setor denominado “VVIP” era reservado aos dirigentes da Federação e do Comitê Organizador Local (COL). Outras condições especiais eram detalhadas para que parceiros comerciais e patrocinadores tivessem preferências em dias de jogos.

A oitava recomendação, mídia, recebia atenção especial em função da divulgação da marca do evento. As cabines de imprensa deveriam ter localização central no estádio, com múltiplas conexões de energia, telefone e internet. Para as finais da competição, era exigido um mínimo de 50 cabines de rádio e televisão para três pessoas ou mais cada, além de ao menos três estúdios de 25 m². As entrevistas coletivas deveriam ocorrer em espaços exclusivos de, no mínimo, 100 m². As entrevistas no gramado deveriam ocorrer nas zonas mistas com espaço individual de 2,5 m². Uma das últimas integrantes do manual eram as flash interview positions, que são uma espécie de placa com fundo transparente, entre os vestiários e o campo para entrevistas na saída dos jogos.

O nono item referia-se à iluminação e suprimentos de energia, com as instruções para o fornecimento de energia elétrica durante o evento. Além da recomendação de uso de um gerador próprio, sugeria-se um sistema alternativo com capacidade de reserva para no mínimo três horas. Havia diferença em relação à exigência de quantidade de luz para jogos nacionais ou internacionais.

O último requisito, comunicação, incluía as áreas adicionais e fazia exigências em relação aos recursos oferecidos internamente: tipo de conexão de internet, elétricas, eletrônicas, linhas telefônicas... Departamentos diversos, incluindo almoxarifado, escritórios e salas de reuniões também eram explicitados neste item.