• Nenhum resultado encontrado

Linguagem, sujeito, interpelação e algumas disputas dentro da torcida

O torcedor de futebol é, muitas vezes, reificado em uma figura mítica na qual masculinidade, pertencimento e emoções são utilizados como marcadores fixos e naturalizados. Duvidamos disso. Para a perspectiva teórica em que este trabalho se ancora, pertencimento, emoções e, especialmente, as masculinidades são construções culturais que podem sofrer alterações ao longo do tempo e do espaço. A questão que iniciou a trajetória dessa investigação era de que maneira o currículo de masculinidade do torcedor de futebol de estádio seria atravessado por sua nova arquitetura e,

especialmente, no caso dos torcedores do Grêmio, como esse currículo foi afetado pelo ‘caso Aranha’ e pelo ressurgimento da Coligay? Como as representações do torcer e das masculinidades podem ser pensadas nesse contexto? A afirmação de que o futebol é importante para as identidades de gênero não apresenta grande novidade, o desafio agora é perguntar “cómo, de qué manera, desde cuándo, en qué lugar y con qué inflexiones” (ALABARCES, 2013, p. 21).

Meu objetivo nesta investigação, a partir dos estudos de Gênero Pós- Estruturalistas e dos Estudos Culturais, foi problematizar como as discursividades produzidas a partir da Copa do Mundo da FIFA de futebol masculino, realizada no Brasil em 2014, as novas arenas construídas ou reformadas para o evento (bem como aquelas que utilizaram os mesmos conceitos arquitetônicos), a interdição de diferentes manifestações dos torcedores e as memórias narradas sobre a Coligay impactaram no currículo de masculinidade dos torcedores de futebol de estádio (ou de arena). Mais precisamente, neste recorte específico, como se pode pensar no currículo de masculinidades dos torcedores do Grêmio a partir dessa série de acontecimentos. A ideia foi observar as diferentes representações de masculinidades presentes na Arena e como algumas demandas que passaram a problematizar ditos, até então, naturalizados no contexto dos estádios de futebol, puderam dialogar com as representações dos torcedores que foram, em alguma medida, inseridos em currículos de masculinidade e do torcer no antigo estádio Olímpico.

Para atingir esta proposição, fiz uso de alguns questionamentos que me permitiram uma aproximação com algumas de minhas curiosidades e inquietações. Quais representações de masculinidades apareceram nas novas arenas? Como se configuram as participações dos torcedores neste novo espaço? Como a elitização atravessa a masculinidade e o comportamento dos sujeitos nessas praças esportivas? Como essas práticas implicam em novas narrativas esportivas e futebolísticas? Como os sujeitos significam a apropriação dessa nova casa? Que lugar ocuparão nessas novas arenas, as masculinidades dos velhos estádios? As masculinidades encontradas em minha dissertação de mestrado serão significadas de que maneira nesse novo contexto? Seria possível pensar em uma série histórica das masculinidades nos estádios de futebol?

Na perspectiva Pós-Estruturalista, a ênfase é colocada na linguagem. É na linguagem que se diferenciam e se hierarquizam as práticas sociais e os diferentes grupos envolvidos nessas práticas:

(...) é na linguagem que se produzem e se colocam em ação os mecanismos e as estratégias de identificação e de diferenciação que estão na base das hierarquizações e desigualdades sociais. É, então, na linguagem que se constroem os “lugares” nos quais indivíduos e grupos se posicionam ou são posicionados por outros, é nela que operam os sistemas simbólicos que nos permitem entender nossas experiências e definir aquilo que nós somos ou pensamos ser (MEYER; SOARES, 2005, p. 40).

A produção do conhecimento (ou dos conhecimentos) ocorre através da linguagem. É na linguagem que as ‘coisas do mundo’ podem ser significadas. Conhecer não é descobrir ‘a realidade’, mas, descrever, nomear, relatar, desde uma posição que é inequivocamente temporal, espacial e imersa em relações de poder. O que nos permitimos nomear de ‘realidade’ ou ‘realidades’ é, assim, construída e produzida na e pela linguagem. Isso não quer dizer que não existe um mundo fora da linguagem, mas sim, que o acesso a esse mundo se dá pela significação mediada pela linguagem (COSTA, 2002). Nessa perspectiva, “não se trata de dizer, simplesmente, que a linguagem que usamos reflete nosso modo de conhecer, e, sim, de admitir que ela faz muito mais do que isso, que institui um jeito de conhecer” (LOURO, 2007, p. 236).

A linguagem não é de domínio de um sujeito soberano que a utiliza da maneira como deseja. Stuart Hall destaca, a partir do que ele chama de “modernos filósofos da linguagem”, dentre os quais estaria Jacques Derrida, sob influência de Saussure e pela virada linguística que estes defendem que

(...) apesar de seus melhores esforços, o/a falante individual não pode, nunca, fixar o significado de sua identidade. As palavras são “multimoduladas”. Elas sempre carregam ecos de outros significados que elas colocam em movimento, apesar de nossos melhores esforços para cerrar o significado (2006, p. 41).

Os atos de fala nunca estão dominados por seus falantes. Um ato de fala não ocorre no momento exclusivo de sua enunciação, mas condensa os significados passados, presentes e, mesmo, significados futuros e imprevisíveis. Nenhuma palavra pode ser “saturável” (SALIH, 2012). Seria um equívoco acreditar que o enunciador de uma fala seja seu produtor isolado. Porém, a falta dessa soberania sobre o ato da fala não retira do sujeito certa responsabilidade pelo que é dito. Guacira Louro aponta uma interessante reflexão sobre a diferença entre responsabilidade e soberania no trabalho de Judith Butler. A autora recorda que

(...) a linguagem se constitui em uma cadeia de significantes para trás e para além de quem enuncia. Sendo assim, esses falantes são responsáveis, sim, em alguma medida, pelo que dizem (nesse caso pelos insultos que proferem), mas não são soberanos de suas falas, quer dizer, não têm a autoridade suprema e exclusiva sobre suas falas. Responsabilidade e soberania não são sinônimos. (...). Quem fala não tem o controle absoluto e completo sobre o que diz (LOURO, 2016, p. 272-273).

É verdadeiro afirmar que os significados das palavras não são fixos e que podem sofrer uma série de (re)significações, dependendo do contexto em que estiverem sendo utilizadas. No contexto dos estádios de futebol, os torcedores se permitem argumentar que esse ambiente se trata de um local não sério e que termos ofensivos em outros contextos não seriam entendidos ali da mesma maneira. Entretanto, também é relevante lembrar que “mesmo que os significados dos signos, dos nomes não seja fixo, definido ou definitivo, que eles se modifiquem ou deslizem, será muito improvável (talvez quase impossível) se livrar dos seus usos anteriores” (LOURO, 2015, p. 273).

Ao contrário de minha investigação no mestrado, acabei optando por realizar curtas entrevistas, mais bem entendidas como pequenos diálogos, com diferentes torcedores, para verificar como eles produziam narrativas a partir de suas inserções e distintas apropriações nesse novo espaço, assim como eram interpelados pelo currículo de torcedor de futebol e de masculinidade atravessados pelos conteúdos que acabavam por mobilizar as condutas dos torcedores do Grêmio.

Uma interpelação é, pois, um chamamento, um enunciado que convoca o sujeito o qual pode ou não assumir a convocação. Seria como se alguém dissesse “ô baixinho” e o cara se virasse e respondesse: “Quem? Eu?”, reconhecendo-se de algum modo naquela interpelação e assumindo-se como tal (LOURO, 2016, p. 271).

Os sujeitos que participaram dessas conversas não foram entendidos como a origem dos discursos.

Ao analisar um discurso – mesmo que o documento considerado seja a reprodução de um simples ato de fala individual –, não estamos diante da manifestação de um sujeito, mas sim nos defrontamos com um lugar de sua dispersão e de sua descontinuidade, já que o sujeito da linguagem não é um sujeito em si, idealizado, essencial, origem inarredável do sentido: ele é ao mesmo tempo falante e falado, porque através dele outros ditos se dizem (FISCHER, 2001, p. 207).

A aposta por esses diálogos se deu a partir do entendimento que as narrativas produzidas pelos sujeitos permitiram acessar diferentes tentativas de dar inteligibilidade às práticas desenvolvidas por esses atores. Pablo Alabarces faz um importante alerta ao pensarmos nessa escuta/diálogo com os sujeitos. “No podremos comprender aquello que estamos intentando describir sin escuchar la interpretación de los propios sujetos sobre sus acciones. Esto no implica tomar sus testimonios como verdades reveladas” (2012, p. 65). A fala do outro nos provoca e nos desafia ao nos colocar em risco de ouvir o que não queríamos escutar, ver em nosso objeto e, mesmo, na forma como pensamos nossas limitações e a necessidade de sair do lugar que nos trouxe até aqui.

Ao narrar, produzimos certo sentido de quem somos, tanto para os sujeitos investigados como para o pesquisador (ANDRADE, 2012). Os antigos estádios de futebol e as novas arenas permitem que sujeitos com trajetórias de vida distintas frequentem os mesmos espaços. Interrogar diferentes sujeitos individualmente, ou em seus pequenos grupos de sociabilidade, possibilitou ampliar o número de narrativas e verificar como os currículos de masculinidade e de torcedores de futebol significaram para distintos sujeitos com que efeitos, reforços, dispersões, contradições... Procurei observar de que forma certas memórias apareceram de modo mais significativo para os sujeitos que responderam afirmativamente essa interpelação enquanto sujeitos masculinos e torcedores de futebol. Cabe fazer uma pequena observação sobre o entendimento de memória:

(...) a memória, que implica reconhecer informações como sendo informações sobre o passado, precisa ser assumida como processo ativo de construção que se faz no presente e para atender a interesses do presente. Não se copia, nem se resgata, nem se descobre, nem se desvenda o passado, mas se constrói o passado. Assim, nossa relação com o passado é sempre de ruptura, é sempre lacunar, pois construímos determinadas memórias, inventamos determinadas tradições, lembramos de determinados episódios e de determinados heróis, e não de outros. É para o presente e no presente que se constrói a memória (SEFFNER, 2002, p. 370).

Nesses encontros mais imediatos com os torcedores que auxiliaram na produção do material empírico, não pude esquecer que a relação entre esses parceiros/colaboradores e o pesquisador não foi uma situação de liberdade total em que os sujeitos disseram o que ‘realmente’ pensam sobre as práticas torcedoras do estádio de futebol.

É impossível fazer um relato de si mesmo fora da estrutura de interpelação, mesmo que o interpelado continue implícito e sem nome, anônimo, indefinido. A interpelação é que define o relato que se faz de si mesmo, e este só se completa quando é efetivamente extraído e expropriado do domínio daquilo que é meu. É somente na despossessão que posso fazer e faço qualquer relato de mim mesma (BUTLER, 2015, p. 51-52).

O olhar do pesquisador e as perguntas que colocamos para o diálogo podem ser inseridos dentro de “dispositivos pedagógicos que constroem e medeiam a relação do sujeito consigo mesmo” (LARROSA, 1994, p. 36). Ao incitar alguém a falar ou a produzir textos acabamos participando, também, da produção do lugar de fala de nossos interlocutores. Seria ingênuo acreditar na existência de um “deixar falar” que me traria uma determinada verdade ‘interna’ ao sujeito ou indivíduo que produziu aquelas palavras e não outras, “toda auto-apresentação (até nas formas privadas da auto- biografia ou do diário) está orientada intersubjetivamente” (ORTEGA, 1999, p. 131). O pesquisador nunca esteve fora desse jogo, pois, a “pessoa não se vê sem ao mesmo

tempo ser vista, não se diz sem ser ao mesmo tempo dita, não se julga sem ser ao mesmo tempo julgada” (LARROSA, 1994, p. 82) e, aqui, temos uma implicação ética importante para pensar que olhares, que dizeres e que julgamentos mais ou menos rígidos tramamos com esses que se olham, se dizem e se julgam.

Uma vez que esse encontro não foi gratuito, alguns esforços precisaram ser feitos para que os sujeitos se sentissem autorizados a dizer alguma verdade, mesmo que esta estivesse entre aquilo que eles pretendiam dizer e o que inferiam que eu quisesse escutar. A estratégia da camiseta do Grêmio, que vesti ao realizar as abordagens, pretendeu diminuir essa diferença de posições, mas sempre reconhecendo seus limites, mais facilmente marcados a partir da proposição da pauta para os diálogos. A aposta em conversas com pequenos grupos também acabou permitindo que as falas não acabassem restringidas apenas por minha presença. A presença de um amigo, irmão, pai ou filho também autorizava determinadas participações e, pelo contexto de sociabilidade em que foram realizadas, também me permitiu participar do local de socialização dos torcedores e não fazer com que eles participassem de uma ‘cena de pesquisa’ mais formalmente apresentada. Mesmo com todo esse cuidado, me chamou atenção a quantidade de manifestações divergentes do ‘politicamente correto’ que, conforme acreditava, ocupariam certa posição normativa nesse diálogo com alguém na posição de pesquisador. Em alguma medida, acreditava que minha presença e a apresentação da pauta antes de iniciar o registro com os temas envolvendo a Coligay e o ‘caso Aranha’ acabassem por colocar esse local ao menos como desejado. Talvez, o clubismo que me unia aos entrevistados os autorizou a fugir desse lugar e, inclusive, a apresentarem manifestações bastante aproximadas a discursos de ódio, modalidade bastante presente nas redes sociais.

Acabei conversando com os chamados ‘torcedores comuns’. Essa alcunha é recorrente entre os mediadores especializados para diferenciar os indivíduos que comparecem aos estádios de forma distinta das torcidas organizadas, e, especialmente, no caso dos torcedores do Grêmio, aqueles que não frequentam o setor da Geral. Mesmo que alguns deles participassem do espaço ocupado pela Geral do Grêmio, eles se identificavam como ‘indo’ à Geral e não ‘sendo’ da Geral. Além disso, a escolha por esses pequenos grupos me permitia escutar mais os torcedores como individualidade do que dentro do sujeito coletivo torcida. A opção por conversar com os ‘torcedores comuns’, em detrimento dos organizados, aconteceu em função do protagonismo dos

organizados nas principais representações sobre torcedores de futebol de estádio nos meios de comunicação e acadêmico.

Algumas narrativas sobre ‘a torcida’ poderiam aproximar alguns entendimentos de outras manifestações de coletividade. Pensando o carnaval na Idade Média, Bakhtin aponta importantes transições dos indivíduos para a coletividade.

A linguagem é profunda e comprovadamente concreta e sensível pelo ajuntamento de gentes, o contato físico dos corpos, os quais são providos de sentidos. O sentimento individual é de fazer parte da coletividade, ser membro do grande corpo popular. A unidade coletiva constitui-se pela dissolução das identidades individuais. O corpo individual deixa, até certo ponto, de ser ele mesmo e se une aos demais ao travestir-se por meio de fantasia e máscara – exigência a todos os corpos individuais para formar um único corpo (SOERENSEN, 2011, p. 319).

Os próprios torcedores dão bastante protagonismo para os eventos que ocorrem na Geral quando incitados a pensarem sobre o comportamento da torcida. Em um dos diálogos, mesmo reconhecendo diferenças em relação ao estádio Olímpico, Kléber reforçou que “pensando a partir da Geral, que eu mais me inspiro, ela continua a

mesma. Teve a dificuldade de não poder entrar com a banda, mas em todos os jogos que eu presenciei a Geral em nenhum momento calou a boca, isso é um diferencial”

(DC 7). Hernán, amigo de Kléber concordou, “a Geral não mudou, ela que é a principal

torcida que representa o Grêmio dentro do estádio, sem desmerecer os outros torcedores, mas a Geral é um diferencial, não tem como negar” (DC 7). Para esses

torcedores, mais do que o Olímpico, a Geral acabou se constituindo como o modelo de torcer no Grêmio, dando protagonismo às ações desta torcida e avaliando as demais participações tomando a Geral como parâmetro. O lugar de protagonismo que a Geral ocupa no Grêmio, assim como as torcidas organizadas de outros clubes também ocupam, na representação pelo torcer, também a coloca como alvo preferencial de críticas de suas condutas por alguns ‘torcedores comuns’. Alan, torcedor de mais de sessenta anos, acreditava que a Geral seria o “calcanhar de Aquiles” da torcida do Grêmio. Ele entendia que “deram muita canja para eles e agora esses caras fazem o

que querem” (DC 13). Alan criticou a postura de enfrentamento ao clube em momentos

de crise: “se o Grêmio entra em um campeonato e é rebaixado não adianta nada nós

virmos aqui quebrar a Arena, o que vai resolver? Vamos dar mais prejuízo. Ou nós somos torcedores e apoiamos ou não” (DC 13). Alan ignorava a Geral como

protagonista na festa do estádio e a responsabiliza por eventuais episódios violentos, tal qual acontece em diferentes contextos em que as torcidas organizadas acabam marcadas como as únicas responsáveis pela violência no futebol. Disse ele: “a Geral faz o quê? A

Geral faz baderna que é uma coisa que não deve ser feita porque o futebol é para vir o pai, o filho, o neto, a esposa e aqui criou um troço” (DC 13).

A escolha por esses rápidos diálogos acabou me impossibilitando o acesso a um número maior de informações sobre os indivíduos. Outra investigação, que acompanhasse os mesmos sujeitos torcedores por um período maior de tempo, poderia trazer outras informações, assim como um survey, que pudesse abrir mão do contato face a face e com um número maior de entrevistados, poderia produzir, ainda, mais um conjunto de informações. Não estou negando as virtudes de minhas opções metodológicas, apenas apontando alguns de seus limites. Esses contatos rápidos, com falas curtas, algumas impressões e respostas um tanto mais imediatas, apresentam uma produtividade específica. Esse diálogo, nesse espaço específico, foi pensado para provocar que os indivíduos se pensassem dentro de um sentimento de pertencimento ao coletivo de torcedores. Mesmo que as falas fossem individuais, elas não podem ser descontextualizadas dessa pertença:

(...) não existe nenhum “eu” que possa se separar totalmente das condições sociais de seu surgimento, nenhum “eu” que não esteja implicado em um conjunto de normas morais condicionadoras, que, por serem normas, têm um caráter social que excede um significado puramente pessoal ou idiossincrático (BUTLER, 2015, p. 18).

O protagonismo das torcidas organizadas nas representações sobre o torcer pode gerar certa impressão de homogeneidade nas manifestações torcedoras nos estádios de futebol. Entretanto, muitas disputas por legitimidades acontecem, especialmente nos setores dos ‘torcedores comuns’. Talvez, a principal disputa se dê entre as ‘turmas’ do ‘apoio incondicional’, que entende que é necessário apoiar o time, independentemente de sua performance, e a dos ‘corneteiros’, que seriam aqueles que reclamariam mais da equipe e guardariam seu apoio para os momentos em que a performance futebolística fizesse jus a esse apoio. Nesse quesito, muitas cenas foram visualizadas nesse ano de campo. Por mais que a torcida seja narrada como uma totalidade: “as arquibancadas são um lugar privilegiado para a massificação dos torcedores. Lá, as hierarquias não possuem função alguma, estão todos na mesma altura. A única altura que importa é aquela que proporciona uma melhor visão panorâmica do jogo” (HOLZMEISTER, 2005, p. 92), dentro dela é possível visualizar uma série de diferenças, com algumas disputas bastante marcadas.

Durante a partida contra o Sport, pelo Campeonato Brasileiro de 2015, após ser substituído, o jogador Douglas foi alvo de protestos de um torcedor posicionado no setor Oeste do quarto andar. Como já havia observado inúmeras vezes (dentro dessa

lógica de apoio incondicional), inclusive faço constar em minha dissertação um caso envolvendo o jogador Nunes (BANDEIRA, 2009), os demais torcedores reprovaram a atitude deste que ofendia o jogador gremista. As palavras utilizadas em direção ao reclamante foram: “secador”, “corneteiro” e “colorado”. Um, mais exaltado, foi intimá- lo a brigar. Diante da recusa, o ‘brigão’ seguiu disferindo impropérios até que, depois de um bom tempo, o torcedor aceitasse o desafio. Antes que um enfrentamento físico chegasse às vias de fato, outros torcedores contiveram o sujeito mais exaltado (DC 1). Em investigação anterior, observei como aos atletas, representantes dos clubes durante as partidas, parecia impossível recusar o desafio para um confronto físico (BANDEIRA, 2009). Dentro da torcida, entretanto, ao menos nos locais dos ‘torcedores comuns’ parece existir certa preocupação para que os enfrentamentos físicos não aconteçam. Apesar desse esforço, algumas situações chegam bastante próximas do enfrentamento. Após a eliminação para o Esporte Clube Juventude89, no Campeonato Gaúcho de 2016, uma discussão quase terminou em briga entre dois torcedores. Um estava reclamando do time e foi xingado de ‘secador’ pelo outro. Na descida das escadas, o que estava reclamando continuava xingando o atacante Bobô e outro torcedor gritou para ele que o jogo já havia terminado, o que também lembra essa disputa significativa entre momento do/de jogo e do/de não jogo, bastante utilizado nas explicações sobre os xingamentos