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3.8 ESTABILIZAÇÃO: REMOÇÃO DA MATÉRIA ORGÂNICA

3.8.1 Estabilização química

3.8.1.1 Estabilização alcalina

De acordo com Rocha (2009), a estabilização alcalina tem a propriedade de elevar o pH produzindo NH3, que penetra na membrana dos ovos de helmintos e no seu interior, desnaturando as enzimas responsáveis pelo metabolismo do organismo, ocasionando a sua morte. Segundo Andreoli (2003), a atividade inibidora dos álcalis atua nos seguintes sítios vulneráveis da célula:

a) na síntese da parede celular; b) na função da membrana;

c) na síntese proteica;

d) no metabolismo dos ácidos nucleicos; e) nas reações enzimáticas.

Segundo Pecson et al. (2007), para se atingir a inativação dos ovos de helmintos em taxas superiores a 90%, o tempo mínimo de estocagem varia de 2 horas a 180 dias. Os fatores que contribuem para essa variação são a temperatura, a dosagem e o pH durante a estocagem. O grau de inativação obtido depois da estocagem do lodo tratado depende, então, do valor inicial do pH e do tempo de estocagem.

Estudos sobre a eficiência da calagem, realizados pela Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR), demonstraram a eficiência do tratamento na eliminação de patógenos observados em análises de lodo caleado a 50%, coletadas no vigésimo dia, apresentando redução de 100% de coliformes fecais, salmonelas, estreptococos, cistos de protozoários e larvas de helmintos, sendo 99,5% para coliformes totais e 77,3% para ovos de helmintos (TSUTIYA, 2002).

O efeito da calagem na eliminação dos patógenos do lodo foi pesquisado e citado por Costa e Andreoli (2006). Os resultados demonstraram a eficiência na remoção de coliformes até concentrações abaixo do nível de detecção (200 NMP.100g-1 MS), inferior ao limite de restrição da resolução CONAMA n° 375 (CONAMA, 2006).

Sabe-se que a adição de produtos alcalinos tem efeito estabilizante no lodo de esgoto. A cal é um dos produtos alcalinos mais utilizados no saneamento, sendo usada para elevar o pH nos digestores, remover o fósforo nos tratamentos avançados de efluentes, condicionar o lodo para o desaguamento mecânico e estabilizar quimicamente o lodo. Segundo SANEPAR, o termo cal é utilizado na literatura brasileira e nas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para designar o produto composto predominantemente por óxido de cálcio (CaO) ou por óxido de cálcio e óxido de magnésio (CaO e MgO), resultantes da calcinação de calcários magnesianos e dolomitos.

Pode ser utilizada a cal virgem (CaO) ou a cal hidratada, Ca(OH)2. A cal virgem é mais utilizada a granel e para grandes quantidades, enquanto hidratada é vendida em embalagens de até 20 kg e manipulada com maior facilidade. A cal virgem também libera calor em contato com a água, porém, ao ser misturada ao lodo, esta elevação de temperatura não é suficiente para eliminar os patógenos. É a amônia que elimina os patogênicos através da penetração nas suas membranas. A tabela 3.13 representa uma das composições químicas da cal virgem produzida na empresa ITAÚ Calcário:

Tabela 3.13 – Composição química da cal virgem (CaO). Componentes Concentração (%) MgO 0,4 Al2O3 0,3 SiO2 1,4 CaO total 94,1 Fe2O3 0,2 CaO disponível 87,3 CO2 1,5 S 0,07 MgO 0,4

Fonte: ITAÚ Calcário, 2013.

O óxido de cálcio reage com a água do lodo, gerando temperaturas entre 55 e 70 ºC, devido à reação exotérmica do óxido de cálcio com a água disponível no lodo por mais de 24h, dependendo do isolamento do recipiente utilizado no armazenamento do lodo. Estas condições são similares às do processo de pasteurização, em que, em cerca de 30 minutos, os organismos patogênicos são inativados (STRAUCH, 1989).

O óxido de cálcio combinado com a água do lodo gera calor e se transforma em Ca(OH)2. Um grande aumento de conteúdo de matéria seca é obtido, pois 1 kg de cal virgem resulta em 1,32 kg de cal hidratada (IDE, 1994): 1 kg CaO + 0,32 kg H2O → 1,32 kg Ca(OH)2 + 1164 Kj

A cal hidratada em concentrações suficientes, mas sem a emissão de calor, pode conseguir a destruição de patógenos somente pelo alto valor de pH (IDE, 1994).

Durante a estocagem, tanto a cal virgem quanto a hidratada, podem reagir com o CO2 atmosférico para formar uma camada superficial de carbonato de cálcio, tornando a cal menos reativa e, portanto, menos efetiva na elevação do pH. Além disso, a cal virgem reage prontamente com a umidade do ar, causando empedramento.

Rocha (2009) avaliando a eficiência da higienização alcalina do lodo de esgoto sanitário, produzido no reator UASB, da ETE Lages em Aparecida de Goiânia/GO, com cal virgem e cal hidratada nas concentrações de 12,6%, 21% e 29,4%, para cada experimento, analisou as amostras do lodo higienizado de cada tratamento após 60 dias de incubação e obteve os seguintes resultados em NMP.g.MS-1:

 Com cal hidratada- testemunha, 1,10.105; com 12,6% de cal, 3,98; com 21,0% de cal, 2,73.102 e com 29,6% de cal, 3,03x 10-1.

 Com cal virgem-testemunha, 1,58x 104; com 12,6% de cal, 3,14; com 21,0% de cal, 2,47.10-1 e com 29,6% de cal 2,60.10-1

Atualmente, novas tecnologias de tratamento alcalino foram colocadas no mercado, como a estabilização alcalina avançada, conhecida comercialmente como processo “N-viro”. O processo consiste em adicionar a cal ao lodo até atingir pH 12 ou superior, almejando a destruição de micro-organismos patogênicos, a diminuição do odor gerado pelo lodo e a fixação de metais pesados.

No lodo adequadamente estabilizado, pouca ou nenhuma decomposição ocorre e, consequentemente, os odores não são produzidos. O ajuste do pH pode causar liberação de gás; num pH alto, o gás amônia é emitido, e num pH baixo é provável que haja a liberação de sulfeto de hidrogênio (WPCF, 1986).

A inativação de bactérias e protozoários ocorre de forma rápida, ocasionada por fatores ambientais, como a temperatura e o pH, tornando-os pouco significativos como indicadores de proteção à saúde pública. Os ovos de helmintos, pela sua maior capacidade de sobrevivência, tornaram-se o indicador mais importante para a avaliação das condições sanitárias do lodo de esgoto. Vírus, helmintos e protozoários não se reproduzem fora de seu organismo hospedeiro específico (ROCHA, 2009). Uma vez inativados não são capazes de crescer novamente (PINTO, 2001). A tabela 3.14 sintetiza algumas pesquisas realizadas sobre a inativação de ovos de helmintos por via de tratamento alcalino.

Tabela 3.14 – Pesquisas realizadas sobre a inativação de ovos de helmintos por via de tratamento alcalino.

Referência Material Tmed

(oC) Agente alcalino Dose pH máx pH méd Duração

Inativação de

ovos de helmintos

Mendez et al., 2005 Lodo 20 NH4OH 50% w/w 10,7 NR 2h 94%

Lodo 20 NH4OH 50% w/w 10,7 NR 2h 94%

Lodo NR Ca(OH)2 26% w/w 11,9 NR < 1d Conc. > limite

Gantzer et al., 2001 Lodo NR Ca(OH)2 65% w/w 11,5 NR <1d Idem

Lodo NR CaO 25% w/w 12,4 NR < 1d Idem

Polprasert e Valência,

1981 Excreções NR CaO 19 g/l 12 <1unit 48h 26,5%

Kato et al., 1999 Lodo digerido 37

NaOH+

NR 13 NR 48h >99%

1%(w/v) (NH4)2SO4 Plachy et al., 1996 Lodo

primário 21-25 Ca(OH)2 10 g/l 12 <1unit 7d 3,60%

Reimers et al., 1986 Lodo digerido NaOH + 50mg/gTS de (NH4)2SO4 3.200 mg/gST NR NR 10d 62% NR

Chiglietti et al., 1997 Lodo 22 NH4OH 4% v/v 10,5 NR 21d >99%

Brewster et al., 2003 Lodo digerido >20 CaO 10% w/w NR NR 40d >99%

Eriksen et al., 1996 Lodo Amb-45 CaO 10% w/w >12 >12 70d >99%

Schuh et al., 1984 Lodo digerido NR Ca(OH)2 NR 12,5 8,7-12,5 98d 98,5%

Algumas características físicas e químicas do lodo são alteradas pela adição da cal, o que também se verifica na higienização do lodo com as cinzas de biomassa vegetal. Fisicamente, o lodo pode formar uma capa mais dura e branca ao ser exposto ao ar livre. Quimicamente, além da fixação dos metais pesados, pode haver insolubilização do fósforo e perdas de nitrogênio por volatilização da amônia (ANDREOLI, 2001).