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Capítulo III. A Teoria dos Campos Sociais e o Campo Cultural

2. O ‘estado da arte’ em Portugal

As práticas culturais em Portugal foram marcadas, em meados do século XVI, pela perseguição que a Inquisição perpetrou aos judeus, que sabemos portadores embrionários da ‘cultura burguesa’.

 

77 É de salientar a criação em 1959 do Ministério dos Assuntos Culturais e o consequente estabelecimento

de um plano de desenvolvimento cultural com a especificação de políticas culturais a nível municipal que fez com que as instituições públicas tenham adquirido um lugar de destaque nos mecanismos de legitimação cultural. “A certificação artística e a obtenção de ajuda pública tornaram-se inseparáveis” (Dubois, 1999: 12).

78 “Enquanto que o princípio da democratização não questionava a cultura erudita, mas apenas a

desigualdade da repartição dessa cultura, o princípio da democracia cultural contestou, em ‘nome de um relativismo igualitário, os privilégios da cultura erudita’” (Madeira, 2002: 160).

A tradição do teatro de corte em língua portuguesa, que teve origem em Gil Vicente (1465-1536), vê a sua actividade interrompida por força da Igreja e dos Jesuítas. As circunstâncias políticas e ideológicas da Contra-Reforma, que deixam o país praticamente privado de burguesia, têm consequências fatais no desenvolvimento ulterior da actividade cultural em Portugal.

D. João IV (que governou entre 1640 e 1656) consolida a tendência de consentir unicamente a música escrita para o serviço ou glória de Deus. O século XVII mostra um país fortemente centralizado, submetido ao imenso poder da Igreja, governado por um rei temente a Deus e devoto que proclama a área da música religiosa como a área por excelência de valor cultural, em detrimento por exemplo do teatro.

D. João V (1707-1750) herda um país onde um terço do território pertence à Igreja, os negociantes estrangeiros eram em número superior aos nacionais (graças à expulsão dos judeus) e o teatro é encarado institucionalmente como um divertimento suspeito.

Na tentativa de manifestar o espírito das Luzes, o rei promove o teatro e a música, ainda que essencialmente na esfera religiosa. O novo estilo importado de Itália, com instrumentistas e cantores, entre eles, os castratti, pretende engrandecer as cerimónias religiosas, escolhidas como cenário por excelência da representação pública do prestígio real.

A partir de 1733, a par do culto da pompa religiosa, surgem com maior regularidade várias formas de música dramática. No Paço acontecem serenatas e outras obras vocais-instrumentais e ópera italiana no Carnaval. No entanto, trata-se de acontecimentos privados, cuja assistência se limita ao círculo da Rainha; o que aí acontece encontra-se excluído da esfera pública de representação que caracteriza as cerimónias religiosas.

Existem, neste período, em Lisboa, três tipos de público diferentes: a corte, a nobreza e a plebe. A corte frequenta ópera italiana no próprio espaço da corte; a nobreza assiste a espectáculos de ópera italiana na Academia da Trindade (o primeiro teatro popular de ópera), e, mais tarde, também no teatro do Rossio; e a plebe assiste a espectáculos de ópera ou comédia musical em língua portuguesa no Teatro do Bairro Alto. A função institucional do teatro é a mesma desde que, em 1588, Filipe I o

proclamou como fonte de divertimento desde que as suas receitas revertam para obras de caridade.

Se a nobreza desenvolve, no seu interior, algumas formas de convivência social, o mesmo não acontece com a burguesia. “O facto de não haver passeio público e de o mais simples mercador ter capela e missa privada comprova esse défice de sociabilidade que, por debilidade económica e/ou política e ideológica, a burguesia não parece estar em condições de contrariar” (Carvalho, 1999: 149-50). De forma diferente do que acontece noutros países da Europa, não existe em Portugal um forte movimento burguês de promoção das actividades culturais.

A viragem acontece no reinado de D. José I (1750-1777) com a construção da Ópera do Tejo em 1755 (apesar de a inauguração ter sido no dia 2 de Abril e o edifício ter desaparecido a 1 de Novembro desse mesmo ano por ocasião do terramoto de Lisboa), em que a função de representação ou de prestígio se transfere da música religiosa para a ópera. O rei apresenta-se solenemente em público a um conjunto de convidados que reúne os notáveis do reino, onde estão incluídos os grandes negociantes. Os espectáculos continuam, no entanto, a apresentar castratti em vez de actrizes, bailarinos em vez de bailarinas, o que provoca entre outras coisas uma clara separação de funções entre actor e espectador e um afastamento em relação ao ideal de naturalidade que caracteriza o movimento iluminista da segunda metade do século XVIII; os elementos do sexo feminino estão completamente ausentes do palco e da sala e o público pouco interage com o actor.

Mesmo nestas circunstâncias, é no reinado de D. José I que surge o primeiro testemunho de um discurso iluminista sobre o teatro promovido pelos ‘Homens de Negócios da Praça de Lisboa’; através do Alvará real de 17 de Julho de 1771 reconhece- se aos teatros públicos uma função institucional de educação, esclarecimento e instrumento de civilização. O facto de este discurso ter tido origem na grande burguesia mostra como ela foi ganhando força, consciência de classe e consistência ideológica. A pretensão é desenvolver o teatro como espaço de sociabilidade, levar as actrizes para o palco e as mulheres para a sala como espectadoras.

A esta expansão da sociabilidade não foi alheia a constituição da ‘esfera pública literária’ que criava nos cafés, botequins, tabernas e bilhares uma opinião crítica, ainda não pública, mas que se propagou a grupos cada vez mais vastos, formando correntes a

partir do livre exercício da crítica e dos confrontos das opiniões singulares. “Além do suporte nas diversas instituições de sociabilidade intelectual, para o desenvolvimento do processo fortemente contribui a influência de publicações (periódicas ou não) portuguesas e estrangeiras divulgadoras de correntes filosóficas e científicas, das descobertas da Ciência e da Técnica e de obras literárias, bem como de conferências e cursos públicos assistidos por nobres e burgueses” (Tengarrinha, 2006: 11-2). Na segunda metade do século XVIII, encontramos, em Portugal, algumas publicações periódicas que se inserem nesta corrente crítica, como é o caso de Academia dos Humildes e Ignorantes (Lisboa, 1758-1770) e Gazeta Literária ou Notícia Exacta dos

Principais Escritos que Modernamente se vão Publicando na Europa (Porto, 1761-2)

que inauguram o periodismo literário. Além delas, eram postas a circular outro tipo de publicações, legais ou clandestinas, como os opúsculos, os panfletos, os ‘volantes’ e os pasquins.

Esta corrente de pensamento crítico contou também com o apoio de influentes suportes das sociedades científicas que foram surgindo em vários pontos do país, como é o caso, no reinado de D. Maria I (1777-1816), da Academia Real das Ciências, fundada em Lisboa, em 1779, e da Real Biblioteca Pública da Corte, actual Biblioteca Nacional, em 1796.

É igualmente no reinado de D. Maria I que se constrói, em Lisboa, o Teatro de S. Carlos (1793) e no Porto, o Real Teatro de São João (1798), actualmente Teatro Nacional São João (TNSJ).

O Teatro de S. Carlos resulta do compromisso entre a burguesia e o poder. E se para a burguesia representa a possibilidade de continuar a desenvolver a sociabilidade para restaurar velhos privilégios, o poder encara-o como fonte de receita para alargar as obras de caridade organizadas pela Polícia, através do intendente Pina Manique.

A arquitectura interna do próprio teatro denota que a sala é toda ela pensada para o rei; é um teatro de corte, adequado à função de representação e frequentado pela família real em ocasiões solenes, apesar de não pertencer à corte. “No final do século XVIII confirma-se a inexistência de uma alternativa burguesa à cultura da corte. O S. Carlos é um ‘teatro da corte para a burguesia’” (Carvalho, 1999: 156), em que a língua portuguesa estava excluída e se cristalizava o modelo de recepção herdado do antigo

       

regime79. Uma experiência iluminista no teatro das classes elevadas continua sem acontecer.

A Revolução liberal de 182080 fez com que “a fruição colectiva de uma expressão artística fosse tomada como forma de alcançar a ideia sublimada de uma nova sociedade” (Tengarrinha, 2006: 110). Vários artistas (pintores e escultores) produziram obras que enalteciam os feitos da Revolução (de muitas delas só se conhece a referência em documentos da época, por terem sido destruídas posteriormente pelos absolutistas). A música, o teatro e a poesia foram as manifestações artísticas que mais cedo afirmaram a Revolução e os seus heróis. “Mais uma vez, foi por influência do jornal Astro da

Lusitânia (nº de 27 de Novembro de 1820) que se intensificou a representação de

dramas adequados ao momento político” (Tengarrinha, 2006: 112)81. Pode-se destacar o drama de Almeida Garrett (1799-1854), o Catão, escrito contra a tirania e para comemorar o 1º aniversário da Revolução. Em 1821, os liberais decretaram a construção de um teatro-escola nacional (Decreto das Cortes de 23 de Março).

Honra seja feita a Mouzinho da Silveira (1780-1849) que em 1834, enquanto membro da Câmara dos Deputados, associa a criação de equipamentos culturais à ideia de liberdade.

 

79 Este modelo caracteriza-se por uma fraca separação das funções de actor e espectador, no sentido em

que ambos se exibem, uns no palco e outros na sala. É precisamente nestes contextos que o poder encontra as condições ideias para se ostentar. Outra das características é o facto de a retroacção da sala ser forte, o que levou inclusivamente à alteração dos finais de determinadas óperas para as transformar em exaltações aos monarcas.

80 Esta revolução deriva precisamente da importância que foram adquirindo ao longo da segunda metade

do século XVIII os locais públicos de sociabilidade. O desenvolvimento das correntes de opinião não pode ser dissociado das acesas discussões que ocorriam nos cafés a partir da leitura em voz alta por exemplo do jornal oficial Gazeta de Lisboa e dos debates sobre os acontecimentos revolucionários em França. “Esta maior abertura do espaço público, aliada aos inícios do processo de formação de uma opinião crítica política, experimenta maior impulso nos tempos conturbados das Invasões Francesas” (Tengarrinha, 2006: 13). O que leva este historiador a afirmar que a opinião pública não existe em Portugal antes de 1809, data da segunda invasão. “Segundo testemunhos da época, ‘todo o País estava transformado numa enorme assembleia’. (…) Pode assinalar-se assim em Portugal, ainda que com dimensão limitada, o começo da instauração de uma esfera pública pré-liberal aliada ao desenvolvimento de uma opinião crítica política, formada na discussão fora dos círculos do Poder e autónoma relativamente a eles” (Tengarrinha, 2006: 13-4).

A instauração do regime liberal criava as condições institucionais para a afirmação da esfera pública política, tal como é entendida por Habermas. “Com a Revolução de 1820, alicerçando-se o regime na vontade dos cidadãos, tornava-se pois necessário mobilizá-los pelo debate de ideias e a estruturação de convicções, para o que desempenhava papel central a Publicidade” (Tengarrinha, 2006: 17).

81 O jornal Astro da Lusitânia, da esquerda liberal, exerceu uma influência muito forte, nomeadamente na

       

Almeida Garrett82, convidado pelo parlamentar Passos Manuel em 1836 para pensar o teatro português em termos globais, desenvolve o projecto do Teatro Nacional (que seria inaugurado dez anos mais tarde com a designação de Teatro Nacional D. Maria II por ocasião do 27º aniversário da rainha83) e da Academia das Belas Artes, precisamente com o objectivo de introduzir o programa das Luzes na vida teatral portuguesa e transformá-la numa praxis essencialmente educativa ou de esclarecimento e não recreativa ou de simples representação (ostentação). Esta missão de formação estava orientada para a criação de novos intelectuais bem como de novos públicos, daí a aposta na formação com a criação da Escola de Música do Conservatório Nacional. Como Maria de Lourdes Lima dos Santos afirma: “Garrett não parece ter tido receio de que as classes laboriosas se tornassem classes perigosas; mais do que tudo receará um nivelamento cultural por baixo, uma democratização da cultura em nome da facilidade” (Apud, Tengarrinha, 2006: 133).

No entanto, em vez de ser o Teatro Nacional a constituir o modelo normativo de uma nova função do teatro, foi precisamente o contrário que aconteceu: o Teatro Nacional passou a reger-se pelo modelo do Teatro de S. Carlos (a reforma de Garrett estava condenada ao fracasso pela falta de um ‘iluminismo nacional’).

O desenvolvimento capitalista impulsionado pela Regeneração (1851), com o objectivo central do fomento material, tornou evidentes as contradições entre as mudanças no ‘país real’ e a aparente estagnação das classes dirigentes. Numa sociedade cada vez mais aburguesada, a burguesia defende uma perspectiva iluminista nomeadamente na legislação para justificar o fomento das artes, mas paradoxalmente adopta o paradigma aristocrático da arte como divertimento e representação.

 

82 Garrett apercebeu-se que o desenvolvimento do Liberalismo estaria assente na ‘opinião pública’ e

proclamou a ‘publicidade’ como o princípio essencial e o suporte do sistema representativo. “Assim, a importância maior de Garrett na história da Imprensa portuguesa foi a de ter sido o primeiro com a consciência de que um jornal que se propusesse ‘dirigir a opinião pública’ – como era intenção proclamada no ‘Prospecto’ de O Português (fundado em 1826) – deveria ser um órgão de grande tiragem, com poderosos meios e uma forte organização” (Tengarrinha, 2006: 126).

Acentuou a importância de um grupo, a base social em que assenta a ‘opinião pública’, que fosse capaz de defender pontos de vista junto de uma área social mais ampla e que essa área seria capaz de acolher esses pontos de vista e de lhes dar dimensão de intervenção. O conceito de ‘classe média’ é concebido como uma classe que não existe sem as extremas. “Era a visão histórica da marcha gloriosa da burguesia à conquista do mundo. Nunca, até aí, no nosso país, alguém traçara tão nitidamente o percurso e o papel histórico da burguesia no início da época contemporânea” (Tengarrinha, 2006: 128). Da consideração de uma estrutura social bipartida passa-se a uma estrutura tripartida – classes médias (os que trabalham e possuem), povo (os que trabalham mas não possuem) e povo-ralé (os que não trabalham e não possuem).

83 Data da mesma altura, mais concretamente de 1845, a inauguração do Teatro Lethes em Faro que

Em pleno século XIX, a burguesia chega ao poder sem projecto cultural (a educação, o ensino e a ilustração não eram os valores fundamentais).

O Rei D. Fernando II (1837-1853), o Rei-Artista, é a única força activa a marcar o século XIX. Vindo da Alemanha, enceta uma série de projectos criticados na altura: a criação do Museu de Arte Antiga (que foi fundado em 1884, sob a designação de Museu Nacional de Belas-Artes e Arqueologia) e a recuperação do Mosteiro dos Jerónimos.

Em 1881, é inaugurado em Aveiro o Teatro Aveirense que inicia a sua actividade com uma peça de teatro da responsabilidade da companhia do Teatro Nacional D. Maria II; em 1885 é a vez do Teatro Sá de Miranda em Viana do Castelo.

Em 1890, no reinado de D. Carlos I (1889-1908), é fundado em Lisboa o Coliseu dos Recreios por um grupo de lojistas e outros simpatizantes do movimento republicano oriundos da pequena burguesia. Como o próprio nome indica é uma sala pensada tanto para actividades lúdicas e circo como para ópera e outros espectáculos musicais, enfatizando a função recreativa destes espectáculos. “Mesmo na sua inconsequência como projecto de intervenção cultural de coloração republicano-burguesa (e é preciso não esquecer que se tratava de uma empresa comercial, destinada obviamente a dar lucros), o Coliseu antecipava em vinte anos o vasto programa de fomento e democratização da educação e cultura que seria posto em prática pela República” (Carvalho, 1999: 169-70).

Se, por um lado, o Coliseu funcionou como alternativa ao Teatro S. Carlos em termos de abertura quantitativa e qualitativa dos frequentadores, o mesmo não aconteceu em termos do conteúdo do programa músico-teatral, já que o tipo de produção e recepção da ópera em nada se distinguia da do São Carlos.

No entanto, o final do século XIX fica marcado por alguns aspectos que denotam a contestação à função exclusivamente recreativa e de representação que caracterizava o teatro: a produção e a recepção teatrais foram sofrendo alterações, as luzes passaram a permanecer apagadas durante a representação, passou a ser proibido entrar e sair depois de iniciado cada acto, os espectáculos passaram a começar à hora prevista, independentemente da presença da família real e sem interrupções protocolares. O paradigma iluminista burguês que começara 150 anos antes em alguns países da Europa chegava finalmente a Portugal.

O movimento democrático iniciado com a implantação da República a 5 de Outubro de 1910 estabelece como prioridades a alfabetização e o ensino básico, com a constituição de uma rede escolar. À produção cultural e artística resta o prolongamento da actividade que já se desenvolvia na velha monarquia, “o século XIX prolongava-se pela República dentro, popular na raiz, ‘saudosista’ nos frutos” (França, 1972: 13).

Dois momentos assinalam, no entanto, o triunfo do programa da burguesia esclarecida no âmbito da cultura: nas artes plásticas, a criação do Museu de Arte Contemporânea, em 1911, e em termos musicais, a estabilização definitiva dos concertos públicos em Lisboa e no Porto e o encerramento do Teatro de S. Carlos, em 1912.

Embora a comissão nomeada para a reestruturação do S. Carlos não apresentasse resultados, a sua reabertura em 1920, na sequência de uma decisão do Governo de Sidónio Pais, veio novamente acentuar a função recreativa e de representação daquele teatro, e omitir a sua eventual missão educativa e cultural, apesar de em termos de produção e recepção culturais dominar o paradigma iluminista, incluindo a ligação que se passou a verificar entre o repertório das temporadas e as questões fundamentais dos debates de ideias que marcam a época. O acto de criação artística passa a ser profundamente marcado pela interacção com esses debates de ideias. A própria imprensa deixa de destacar os intervenientes e centra-se nas ideias, nos conflitos e no drama que põem em cena. “A recepção da música e da ópera intersecta-se cada vez mais com os diferentes movimentos ideológico-culturais e relaciona-se mais do que nunca com a política” (Carvalho, 1999: 176).

A maior parte da vida artística mantinha-se fora do circuito social. Um clube nocturno, o Bristol, e um café de tradição intelectual e literária, A Brasileira do Chiado, foram os responsáveis por encomendar, a jovens artistas em 1925-26, obras que transformaram as salas desses espaços no ‘verdadeiro’ Museu de Arte Contemporânea “que o Governo em vão supusera criar, nas traseiras da Escola de Belas-Artes” (França, 1972: 25).

Um pouco por todo o país foram surgindo espaços dedicados às artes do espectáculo, em 1915, é inaugurado o Theatro Circo em Braga; em 1928, o Pax Julia em Beja.

O período do Estado Novo (desde a nomeação de Salazar para a chefia do Governo em Fevereiro de 1932) define as linhas da política cultural em duas direcções: através do Instituto de Alta Cultura promove-se o teatro no Teatro Nacional de Ópera (D. Maria) e no S. Carlos, como sala de visitas (em que é obrigatório o traje de gala e se enfatiza a função essencialmente de representação que voltou a ter), e a dança pela Companhia Verde Gaio; através do Secretariado de Propaganda Nacional (o SPN foi criado em 25 de Setembro de 1933 com o objectivo fundamental de veicular a ideologia do regime – nacionalismo e historicismo - e uniformizar o conhecimento da realidade nacional; como a actividade do SPN deixou de corresponder ao âmbito restrito da sua designação, em 1944 passa a designar-se Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, SNI) e da Direcção Geral da Cultura Popular e dos Espectáculos promovem-se a cultura popular e o espectáculo.

As duas áreas surgem separadas, temos uma cultura de elite e outra cultura direccionada aos cidadãos em geral, que se supõe não necessitarem mais do que entretenimento, promovido através da rede de folclore. Predominava “o conceito de música ‘nacional’ difundido maciçamente na esfera pública, o qual partia do fado (de Lisboa) e dos ranchos folclóricos e já então era imposto através de uma espécie de ‘indústria cultural’ que o ‘Estado Novo’ mantinha sob controlo” (Carvalho, 1999: 188).

A arte era essencialmente decorativa, de inspiração folclórica e de tendência nacionalista. “Praticavam-nas a ‘geração contemporânea de Salazar, a geração da Ordem’” (França, 1972: 32). Emblemática de toda esta geração é a Exposição do Mundo Português, organizada em 1940, em Lisboa, com o objectivo de comemorar o duplo centenário da independência da Nação e da sua Restauração. Mas em vez de funcionar como uma lição de história, foi a festa, a feira, o que despertou o interesse dos visitantes. A exposição sagrou-se como um auto-retrato do regime, a atemporalidade a garantir a sua conservação. O monumento das Descobertas foi a peça mais importante, “verdadeira ‘escultura de feira’ no meio de uma ‘arquitectura de feira’” (França, 1972: 37).

Entre as funções do Secretariado de Propaganda Nacional destacam-se: a recolha e tratamento da informação veiculada pelos órgãos de comunicação nacionais e estrangeiros que era depois fornecida aos altos dirigentes do Estado, servidos por uma