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A dinâmica imbricada que caracteriza a relação indivíduo/sociedade não dispensa a proposta de uma Teoria Crítica da Sociedade, tal como tem sido desenvolvida no debate sobre o pensamento social. A perspectiva que aqui se apresenta

 

13 Cf. Cap. III ‘A Teoria dos Campos Sociais e o Campo Cultural’, em que se vai perceber como esta

proposta se aproxima do conceito de ‘habitus’ proposto por Pierre Bourdieu enquanto processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade.

       

não é a recuperação da chamada Escola de Frankfurt, núcleo duro do pensamento crítico da primeira metade do século XX, apesar de uma e outra propostas permanecerem unidas por um mesmo projecto global: a construção de uma teoria da sociedade a partir da problemática central da reificação14 e uma crítica às considerações sobre a realidade social derivadas das próprias ciências sociais que teimavam em reafirmar as condições existentes, sem reconhecer as suas contradições15.

O nome de Jürgen Habermas (1929-) constitui-se como ícone de qualquer referência contemporânea a uma Nova Teoria Crítica da Sociedade.

O sentido de sociedade que propõe deriva da articulação de dois níveis sociais, a saber o Mundo da Vida e os Sistemas Funcionais. O Mundo da Vida contempla as seguintes estruturas simbólicas básicas: a cultura - paradigmas culturais aos quais os participantes na comunicação vão buscar as suas interpretações; a sociedade - ordens legítimas através das quais os participantes regulam as suas filiações em grupos sociais e salvaguardam a solidariedade; e a personalidade - estruturas de personalidade que incluem todos os motivos e competências que permitem ao indivíduo falar e agir, assegurando a sua identidade16. O conceito de Sistema17 que serve às ciências sociais só

 

14 O tema da reificação é perspectivado já não como uma categoria abstracta do pensamento metafísico

(tal como o encontramos na obra de Lukács (1923) em que devido à natureza da sociedade capitalista, as relações sociais se teriam ‘coisificado’, impedindo o surgimento da consciência de classe), mas dando conta do “conjunto de perturbações da vida social que se verificam em consequência de uma desvalorização da intercompreensão, na sequência das exigências crescentes que os sistemas funcionais da sociedade impõem e que têm como resultado uma deformação patológica generalizada das infra- estruturas comunicacionais do mundo da vida. A reificação consiste, assim, numa profunda subversão dos mecanismos normais da interacção, da socialização e da formação da identidade” (Esteves, 1998a: 41). Berger e Luckmann tratam a questão da reificação na abordagem da institucionalização, mais concretamente no modo pelo qual a ordem institucional é objectivada, em que a reificação seria a percepção dos produtos da actividade humana como diferentes de produtos humanos, como factos da natureza ou manifestações da vontade divina. A reificação implicaria que o homem fosse capaz de esquecer a autoria do mundo humano. “O mundo reificado é por definição um mundo desumanizado. É sentido pelo homem como uma factualidade estranha, uma opus alienum sobre a qual não tem controlo, em vez de ser sentido como opus proprium da sua actividade produtora” (Berger e Luckmann, 1966: 98).

15 Teoria Crítica foi o nome escolhido pelos fundadores da Escola de Frankfurt, no período entre as duas

guerras mundiais, para enformar a sua tentativa de alçancar uma unidade entre teoria e prática, incluindo, como afirma Craig Calhoun, “uma unidade da teoria com a investigação empírica e também com uma consciência histórica dos problemas sociais, políticos e culturais de uma dada época” (Apud Turner, 1996: 448).

16 Este conceito de Mundo da Vida foi Habermas recuperá-lo a Edmund Husserl que com ele procurava

dar conta do “terreno do imediatamente familiar” e do “inquestionavelmente certo”. O aproveitamento que Habermas faz vai no sentido de inserir a acção comunicacional nesse Mundo da Vida que “fornece uma cobertura protectora dos riscos sob a forma de um imenso consenso de fundo” (Habermas, 1996: 127), implícito e pré-reflectivamente presente. Daí que a maior parte das práticas comunicacionais quotidianas seja não problemática, na medida em que recorre às certezas do Mundo da Vida.

17 Talcott Parsons é o percursor da aplicação da teoria dos sistemas ao estudo das sociedades humanas;

       

pode ser desenvolvido em ligação com uma teoria da comunicação que parte da existência de indivíduos capazes de fala e de acção.

Esta articulação entre o Mundo da Vida e os Sistemas constitui-se como problema a partir do processo de maior complexificação das sociedades que modifica a relação do indivíduo com o que o rodeia. Este processo caracteriza-se, a partir do século XVII nas sociedades ocidentais, pela destruição dos fundamentos da concepção unitária do mundo e consequente autonomização e proliferação de diferentes esferas da experiência, de que são exemplo a economia e a política. Se nas sociedades tradicionais, a ordem estava assegurada dentro de um determinado quadro normativo, na modernidade, o indivíduo vê-se confrontado com a necessidade de escolher uma alternativa de acção de entre um vasto conjunto que se encontra à sua disposição, com a particularidade de essa escolha ter de ser coordenada com as escolhas dos outros, o que torna o meio social crescentemente complexo.

Habermas distingue dois mecanismos de coordenação da acção: o acordo e a influência, em que unicamente o primeiro pode ser tido como legítimo. O acordo é estabelecido através de um entendimento entre os indivíduos, com base numa atitude intercompreensiva e de dependência mútua, em que o único medium capaz de assegurar este tipo de coordenação da acção e, consequentemente, a integração social é a linguagem.

Por outro lado, a influência é um tipo de acção unilateral, regido exclusivamente pelos interesses de uma das partes e em que a apresentação de razões é perfeitamente secundária. Nela, a linguagem natural é utilizada apenas como meio de transmissão de informação. Este tipo de coordenação da acção é assegurado no caso da economia pelo medium simbolicamente generalizado dinheiro e no caso da política pelo poder. O efeito

 

através de Niklas Luhmann, apesar de para ele a perspectiva sistémica servir ainda uma lógica essencialmente teleológica. Luhmann estabeleceu de forma sistemática e rigorosa a complexidade como o elemento nuclear dos processos de desenvolvimento social.

A teoria dos sistemas sociais ao fazer depender a interacção comunicacional da dinâmica dos sistemas sociais reduz os domínios da cultura, da identidade e da socialização a uma condição menor: tornam-se uma espécie de reminiscência mítica daquilo que caracteriza o indivíduo como ser social; os contextos sociais estruturados simbolicamente e consequentemente os fenómenos patológicos da modernidade são circunscritos, em termos funcionalistas, a meros problemas de regulação (redução da complexidade dos sistemas sociais). Talvez a expressão mais radical desta teoria tenha sido atingida com a ‘expulsão’ dos indivíduos para fora dos próprios sistemas sociais: de um ponto de vista funcional, os indivíduos não são mais compreendidos como elementos constituintes dos sistemas sociais complexos, tornando-se seus meros factores ambientais (i.e., mais uma fonte de problemas/complexidade).

       

coordenador mantém-se dependente da influência, funcionando através de actividades não linguísticas.

“Nas sociedades pós-liberais estão presentes duas grandes orientações: a modernização apoiada nos processos económicos de acumulação (que deu lugar à constituição das sociedades de capitalismo organizado e às democracias políticas de massa do Estado Social) e a modernização sustentada no reforço dos processos de

racionalização estatal (segundo o modelo do socialismo burocrático de regime de

partido único). Cada uma destas orientações definiu a sua própria dinâmica social: a primeira impulsionada pelo sistema económico, a segunda pelo sistema administrativo” (Esteves, 1998a: 49). Estes dois processos de modernização, entendidos como centrais pelo funcionalismo sistémico, não podem, na perspectiva de Habermas, ser separados de um Mundo da Vida racionalizado18, com estruturas simbólicas e de coordenação da acção diferenciadas e conteúdos culturais modernizados. As perturbações da vida quotidiana têm de ser encaradas como resultantes de um processo contínuo de articulação entre os dois níveis sociais, em que os sistemas funcionais não são os únicos vectores a considerar.

No processo de consolidação da modernidade em que os sistemas invadem o Mundo da Vida, a acção comunicacional19 que o caracteriza passa a depender cada vez mais da acção estratégica e a sua lógica parece ameaçada, ou seja, a ‘acção orientada para o entendimento’ parece preterida à ‘acção orientada pelo êxito’, os interesses

 

18 “Falamos de ‘racionalização’ não só (como Freud) no sentido de uma justificação retrospectiva dos

desejos e acções mas também (como Weber) no sentido da conduta de vida das pessoas e das formas de vida dos colectivos. Estas formas de vida consistem não só em práticas mas também em toda uma rede de tradições, instituições, costumes e competências que pode ser designada por ‘racional’ na medida em que estas suas componentes conduzem à solução dos problemas que surgem” (Habermas, 1996: 214-5). Habermas trilha assim o caminho para a reconstrução racional das condições universais da própria razão. As formas de vida e as redes que aí se geram não podem exclusivamente dizer respeito a uma única esfera de valor. “Um mundo da vida racionalizado não é somente um mundo em que diferentes esferas de valor se distinguem, mas também um mundo em que as capacidades comunicacionais críticas de cada actor desempenham um papel acrescido no processo de reprodução desse mesmo mundo” (Luke/White, 1985: 28).

19 A noção de acção comunicacional é preterida à noção de acção social na medida em que, para

Habermas, o âmbito destas de modo algum coincide com o daquelas. O processo da vida social tem como suporte muitas actividades que não podem ser descritas como actos comunicacionais, ou seja, como actos coordenados através do mecanismo do entendimento. No entanto, sempre que os participantes se referem reflexivamente a estas actividades, estão a actuar no sentido do entendimento. Ao apoiar as suas decisões em interpretações, vai chegar o momento em que têm de defendê-las perante outrem e chegar a um acordo.

       

particulares depõem os interesses de ordem colectiva e o interesse de emancipação é diferido20.

“A totalidade destes distúrbios começa por ter origem na indiferenciação que se foi estabelecendo entre os processos de reprodução simbólica e de reprodução material do Mundo da Vida: o quadro de acção sistémica que rege este último foi progressivamente estendendo a sua influência a ponto de se pretender substituir aos mecanismos próprios da reprodução simbólica (a linguagem e a comunicação)” (Esteves, 1989: 71).

A intenção de Habermas vai no sentido de mostrar que a reprodução simbólica do Mundo da Vida (o processo de integração social estruturado simbolicamente) acontece de forma diferente do processo de produção e reprodução de bens e serviços, característico dos Sistemas Funcionais (o processo de integração sistémica), na medida em que a realização do processo de reprodução simbólica é assegurada pela acção intercompreensiva. “O que liga entre si os indivíduos socializados e o que assegura a integração da sociedade é um tecido de acções comunicacionais que só podem ser bem sucedidas à luz de tradições culturais e não de mecanismos sistémicos que escapem ao saber intuitivo dos membros” (Habermas, 1981aII: 211).

O sistema das acções é mantido, no caso da integração social, mediante um consenso assegurado normativamente ou alcançado comunicacionalmente21; no caso da

 

20 É importante estabelecer aqui a distinção entre acção comunicacional e acção estratégica, entendendo

pela primeira a acção que se baseia numa interacção linguisticamente orientada para alcançar a compreensão mútua e em que os interlocutores procuram cooperar entre si e estão motivados para o consenso. A acção estratégica é a acção cuja coordenação depende sempre da influência que os interlocutores têm uns sobre os outros e sobre a situação em que estão inseridos (Morgado, 2002: 1297). A acção comunicacional é marcada pelas expectativas de comportamento intersubjectivamente válidas, ou como lhes chama Parsons, pelos valores culturais. Só têm um significado concreto nas normas de acção e para os indivíduos que se encontram uns com os outros no plano da intersubjectividade. A orientação da acção por valores institucionalizados não constitui problema enquanto a distribuição normativa das oportunidades de satisfação das necessidades repouse no consenso entre os implicados. Assim que se questiona a distribuição normativa de oportunidades de satisfação, a orientação por valores reconhecidos em comum é substituída por uma orientação de acordo com interesses. Os indivíduos ou os grupos abandonam os seus papéis dialógicos e adoptam o papel de adversários em que cada um persegue os seus próprios interesses frente a e contra os demais.

A acção comunicacional (orientada para o entendimento) é destronada pela acção estratégica, que se orienta para o êxito através do desejo de exercer uma influência sobre o outro, tendo em vista alcançar os próprios fins. O mercado é um exemplo clássico de uma coordenação de acções que não se efectua através da consciência dos actores implicados, mas através de mecanismos de integração sistémica. “A «necessidade», que foi consolidada em valores culturais adquirindo assim validade intersubjectiva, quer dizer, convertendo-se em património de um grupo unido por uma tradição cultural comum, assume no «interesse» a forma reprivatizada do «desejo de ter». Neste sentido proponho a seguinte definição: a acção comunicacional orienta-se por valores culturais, a acção estratégica (monológica, sem referência a uma segunda pessoa) rege-se por interesses” (Habermas, 1982a: 390).

       

integração sistémica, é alcançado através de um controlo não normativo de decisões particulares desprovidas subjectivamente de coordenação. Os mecanismos sistémicos criam as suas próprias estruturas sociais isentas de conteúdo normativo que influenciam o Mundo da Vida, no entanto, os âmbitos de acção comunicacionalmente estruturados também exercem influência sobre os âmbitos da acção formalmente organizados.

Com o conceito de acção comunicacional, o entendimento é introduzido como mecanismo de socialização assegurado pelas expectativas de comportamento intersubjectivamente válidas e complementa a integração social através da institucionalização de normas e valores, contrariamente ao processo de integração sistémica que se efectua independentemente de uma atitude intercompreensiva22.

No momento em que os sistemas funcionais passam a liderar e a hegemonizar a dinâmica social, as esferas da vida privada e da opinião pública terão sido marginalizadas já que são perspectivadas como o meio-ambiente dos sistemas de regulação, o que as torna facilmente permeáveis às crises funcionais da sociedade, ao excesso de complexidade. A integridade comunicacional do Mundo da Vida estaria ameaçada.

“Surgem fenómenos de alienação e de desestruturação das entidades colectivas. Estes fenómenos derivam da colonização do mundo da vida e são caracterizados como reificação da prática comunicacional quotidiana” (Habermas, 1981aII: 546).

No entanto, a reificação das relações sociais e da comunicação não é um processo irreversível, ditado a priori. Pelo contrário, a reificação é um processo ‘selectivo’ de racionalização que se constitui apenas como um dos resultados possíveis do confronto entre tendências e contra tendências no interior da sociedade.

“Os descontentamentos da modernidade têm origem, não na racionalização em si, mas no fracasso para desenvolver e institucionalizar de uma forma equilibrada todas

 

21 Entre os representantes da primeira Teoria Crítica predominava uma visão profundamente pessimista

do processo de integração social: ele é perspectivado como uma forma de violência social que impõe os valores sociais aos indivíduos. Foi precisamente esta valorização da “dialéctica negativa” que afastou Habermas da primeira Teoria Crítica, na medida em que o projecto se afasta de uma perspectiva crítica que salienta as potencialidades que existem numa determinada situação histórica de fomentar processos da emancipação humana e superar o domínio e a repressão.

22 O próprio Habermas salienta, no entanto, que a acção orientada para o entendimento não representa de

       

as diferentes dimensões da razão inauguradas pela compreensão moderna do mundo” (McCarthy, 1985: 278)23.

Os conflitos sociais hoje em dia já não se situam à volta da distribuição, das esferas da reprodução material da sociedade (domínio económico da produção), “não são canalizados por partidos e sindicatos e tão pouco podem ser apaziguados por indemnizações atribuídas pelo sistema. Pelo contrário, os novos conflitos surgem nas esferas da reprodução cultural, da integração social e da socialização; revestem a forma de protestos infra-institucionais e extraparlamentares; e as deficiências subjacentes a estes conflitos reflectem uma reificação das esferas de acção estruturadas pela comunicação, à qual não se pode fazer frente através dos media dinheiro e poder. Não se trata já de indemnizações que o Estado Social possa oferecer, mas da defesa e da restituição dos modos de vida ameaçados ou então da implantação de novos modos de vida. Em suma: os novos conflitos desencadeiam-se não em torno de problemas de distribuição, mas de questões relativas à gramática das formas de vida” (Habermas, 1981aII: 555-6), em torno do domínio cultural dos processos de reprodução simbólica. Só os âmbitos de acção que cumprem funções económicas e políticas podem ser regulados pelos media de controlo dinheiro e poder; estes media fracassam nos âmbitos da reprodução cultural, da integração social e da socialização; nestas funções não podem substituir o mecanismo do acordo/entendimento como mecanismo coordenador da acção24.

 

23 Os três complexos de racionalidade – o cognitivo-instrumental, o prático-moral e o prático-estético –

com os seus sistemas de acção correspondentes têm um papel central na cura das patologias da modernidade ao tornarem possível adoptar diferentes atitudes – objectiva, justa para com a norma e expressiva – no que respeita aos elementos dos diferentes mundos – objectivo, social e subjectivo. Assim, a atitude objectivadora face aos mundos objectivo e social produz a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica; a atitude de ajustar-se à norma relativa aos mundos social e subjectivo produz a racionalidade prático-moral do tratamento sistemático da lei e da moralidade; e a atitude expressiva face aos mundos subjectivo e objectivo produz a racionalidade prático-estética das interpretações autênticas das necessidades do erotismo e da arte.

Os processos de modernização capitalista limitaram-se a utilizar selectivamente a razão cognitivo- instrumental. Como referem Timothy Luke e Stephen White, “a acumulação de conhecimento cognitivo- instrumental e a sua aplicação sistemática a segmentos da vida social representa um sobre- desenvolvimento de uma esfera de valor do mundo da vida racionalizado em detrimento das outras duas: a moral e a estética” (Luke/White, 1985: 28). A intenção de Habermas vai no sentido de fazer notar que a complexidade da razão não pode ser descuidada, na medida em que as questões da verdade têm que ser integradas com as questões da justiça e estas por sua vez com as questões do gosto, o que é realizado através da acção orientada para a intercompreensão.

24 A partir da proposta de Parsons de uma teoria dos media, Habermas propõe a distinção de duas classes

de media: os media de controlo sistémico, que não contemplam a linguagem como mecanismo de coordenação da acção e através dos quais os subsistemas se diferenciam do Mundo da Vida; e as formas generalizadas de comunicação, que se limitam a simplificar a complexidade crescente dos contextos da

       

Se a frustração das expectativas sociais relacionadas com os níveis de reprodução material tem consequências tanto ao nível dos sistemas (crises) como ao nível do universo simbólico (patologias sócio culturais), a forma mais imediata de contrariar estas desagregações é a compensação das crises de regulação através das energias simbólicas, isto é, o universo sociocultural (a racionalidade comunicacional do Mundo da Vida) passa a funcionar como uma espécie de escudo protector dos défices de reprodução material.

A par das investidas dos sistemas funcionais, a perspectiva crítica descobre, nos processos de integração social, vestígios de uma resistência enraizada no universo simbólico: resistência sociocultural ao aumento da complexidade sistemática e à formalização abstracta das práticas sociais.

Esta redefinição dos antagonismos desencadeia uma ‘nova política’ nas sociedades mais desenvolvidas: recrudesce uma espécie de ‘revolução silenciosa’ que se tem vindo a institucionalizar cimentada na crítica ao crescimento desenfreado. Este processo implica um novo tipo de relação do indivíduo com a envolvente, através da redefinição de direitos e obrigações: a ‘nova política’ tem de ser regida pela ideia de que ‘não há direitos sem responsabilidades’; este princípio ético que encoraja a procura do bem-estar é complementado por um segundo que funciona como garantia da universalidade dos benefícios estatais: ‘não há autoridade sem democracia’ (Giddens, 1999b), e depende da parceria entre Estado e sociedade civil.

A ‘era da terceira via’ pretende a reconstrução do Estado, através da expansão da esfera pública. O ‘Estado sem inimigos’ deve elevar a sua capacidade administrativa para recuperar a sua legitimidade. Promover uma sociedade civil activa é fundador e fundamental à política da terceira via.