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ESTADO DA ARTE E POSSIBILIDADES DE INVESTIGAÇÃO

2 A CENTRALIDADE DAS AVALIAÇÕES E TESTES EXTERNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA COMO ELEMENTO REGULADOR DAS

2.5 ESTADO DA ARTE E POSSIBILIDADES DE INVESTIGAÇÃO

As mudanças no Exame, que ampliaram os usos sociais de seus resultados, manifestam-se no aumento de dissertações e teses que o elegeram como instrumento de investigação a partir de 2005.

A democratização do acesso às vagas das instituições públicas de educação superior com base nos resultados do Enem 2009, apontada como um dos argumentos para a unificação do processo de seleção, é um dos aspectos contemplados nessas investigações. Parte considerável dos pesquisadores vincula o Enem ao paradigma da competitividade como produtora de qualidade e como um instrumento adaptativo às novas demandas do capitalismo (LOPES, 2001; PEREIRA, 2004; LOCCO, 2005). As investigações de Pereira (2004) e Lima (2005)

apontam, com base na verificação do impacto provocado pelo Enem nos processos seletivos e no ingresso de alunos provenientes de escolas públicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que os ganhos foram inexpressivos, o que desmitificaria, segundo Lima (2005), o caráter democratizador do Exame. Para essa autora, que concentrou sua análise na Unicamp, os resultados permitiram também concluir que (LIMA, 2005, p. 8):

[...] a criação, a centralidade ocupada pelo exame na política de acesso ao ensino superior e sua mistificação como mecanismo de democratização constituíram uma estratégia política para estabelecer um novo pacto social, necessário à consolidação da reforma educacional em curso.

No banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), encontramos mais de setenta produções científicas dedicadas ao estudo do Enem, com as mais diversas abordagens, a maioria delas posterior a 2005. Uma parte considerável dessas investigações dedica-se ao impacto ou às características do Exame em áreas de conhecimento ou disciplinas específicas. Destacamos alguns trabalhos que procuram avaliar os possíveis impactos do Enem na reestruturação curricular, com enfoque em relatos de trabalhadores da educação e/ou entrevistas com esses profissionais. Em diferentes níveis, essas pesquisas abordam a baixa validação do Exame, seu desconhecimento e as resistências que colaboraram para seu baixo efeito consequencial (ZANCHET, 2003a; COLOMBI, 2004; LOCCO, 2005; MAGGIO, 2006).

Zanchet (2003a) discute o impacto do Enem no trabalho docente, seus pressupostos conceituais e suas características contextuais. A autora menciona: “[...] a partir dos anos 90, a relação avaliação-qualidade ganhou força no contexto de valorização da educação como pré-condição da inserção competitiva dos países no mercado internacional” (ZANCHET, 2003a, p. 251). Para Zanchet, há uma diferença entre a avaliação educacional, cujo objetivo seria fornecer informações gerais sobre a eficácia do sistema educacional, e os testes para fins de seleção e aprovação, configuração que o Enem estaria assumindo. Trata-se de uma política avaliativa que enfatiza os resultados em detrimento do processo, evidenciando que essa prática obedece a uma lógica funcional e competitiva que traduz o estabelecimento de um

ethos regulador como gerador de qualidade. Embora não se posicione contra a

avaliação, a autora questiona o seu formato, defendendo uma prática avaliativa “[...] no sentido da emancipação, onde os sujeitos envolvidos seriam cúmplices na

construção de seus conhecimentos, numa rede intersubjetiva de reciprocidades” (ZANCHET, 2003a, p. 267). Essa constatação é cara à autora, que afirma que a não participação dos docentes na construção dos processos avaliativos retira deles sua legitimidade.

Claudio Costa (2004), sem ignorar as resistências desse processo, trabalha na perspectiva dessa política pública como disseminadora e indutora das diretrizes curriculares do ensino médio. O autor entende que o Enem interfere na maneira como os alunos constroem o conhecimento e no modo como os professores o operacionalizam. Como promotor dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio o Exame estaria deslocando a ênfase da transmissão do conhecimento escolar para o desenvolvimento de competências. Nesse aspecto, Costa (2004, p. 2) observa que “[...] essas competências vinculam-se ao mundo do trabalho não numa perspectiva da práxis humana, mas no contexto econômico de uma práxis produtiva”. Assim como Zanchet (2003a), Costa (2004) aponta para as tensões provocadas pela formulação unilateral dessas reformas.

Pesquisador da Fundação Carlos Chagas, Heraldo Marelim Vianna (VIANNA, 2002) tem uma percepção positiva das avaliações externas implementadas pelas instâncias governamentais, ainda que aponte suas limitações e desafios. Entretanto, ao abordar o Enem, ele o distancia do Saeb, afirmando que a própria denominação “Exame” denota a inexistência de um processo efetivamente avaliativo como seria desejável e poderia ser (VIANNA, 2002). Vianna também levanta dúvidas a respeito da natureza técnica e da validade de constructo e conteúdo do Enem.

Partindo de outras referências e direcionando suas críticas ao Novo Enem, Shwartzman (2011) e João Batista de Araújo e Oliveira (2011) acreditam que seu formato reforça o academicismo e impede a flexibilização do ensino médio. Para Oliveira, medir competências gerais, como o que se propõe com o Enem, é missão impossível no estágio atual de conhecimentos (OLIVEIRA, 2011).

Maior do que o problema do ENEM, o Brasil precisa enfrentar com coragem uma reforma do ensino médio. Hoje temos mais alunos do 1º ano do ensino médio do que egressos do 9º ano do ensino fundamental. E desses, pouco mais da metade conclui o ensino médio – a maioria deles com notas inferiores a 4 pontos no ENEM. Ou seja: sabem pouco mais do que nada. Enquanto isso importamos centenas de técnicos de nível médio da China

para ajudar a implementar os projetos de desenvolvimento em Itaguaí, apenas para dar um exemplo.

Cabe ressaltar que Oliveira e Shwartzman participam do terceiro eixo investigativo definido neste capítulo para as representações sobre qualidade na educação e direcionam suas críticas à Matriz do Novo Enem, referida como academicista, e à sua potencialidade de gerar permanências no currículo do ensino médio. Essa crítica ao Novo Enem direciona-se, sobretudo, ao não cumprimento de um objetivo entendido por esses autores como fundamental: o de promover uma reforma no ensino médio. Essa perspectiva também participou da fundação do Exame, em 1998. Depois de treze edições, diante do malogro dessa função indutora e entendendo que o enfoque classificador do Exame o afastou desse objetivo, os autores põem em questão o que seria o principal desafio a ser enfrentado: uma reforma no ensino médio que atenda as demandas mais imediatas do mercado, possibilitando uma formação moldável aos múltiplos interesses dos setores sociais que estão chegando a esse nível de escolaridade. Sob o signo da flexibilidade, postula-se a defesa de escolha para jovens com perspectivas diferenciadas, comumente condicionadas por sua própria condição socioeconômica. Portanto, dado o não cumprimento de indutor da reforma pelo Enem, os autores trazem à tona problemas de concepção do Exame, como, por exemplo, sua impossibilidade de aferir competências gerais. Essa mesma tônica aparece em Veja em 2011 e 2012, evidenciando os agentes sociais vinculados a essas representações e seus campos de atuação.

Não obstante o enfoque diferencial dos autores elencados nesta revisão bibliográfica, que partem de diferentes referenciais de análise e temporalidade, destacamos a convergência de suas conclusões no que se refere ao baixo impacto consequencial do Enem sobre o currículo efetivado no ensino médio.

No próximo capítulo, apresentamos a metodologia de seleção e análise das fontes, a trajetória e formação dos dois colunistas que se dedicaram à educação em Veja entre 1998 e 2011 e nosso esforço de compreensão dos protocolos de escrita e representações tecidas na Revista ao longo das treze edições do Enem. Fazemos ainda uma análise das cartas de leitores que comentaram as matérias selecionadas e dos 39 artigos de Gustavo Ioschpe publicados na Revista entre 2006 e 2011.

CAPÍTULO III

3 REPRESENTAÇÃO DO ENEM E DO CONCEITO DE QUALIDADE