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METODOLOGIA DE ANÁLISE DAS PUBLICAÇÕES E SELEÇÃO DAS FONTES

3 REPRESENTAÇÃO DO ENEM E DO CONCEITO DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO EM VEJA

3.2 METODOLOGIA DE ANÁLISE DAS PUBLICAÇÕES E SELEÇÃO DAS FONTES

Esta pesquisa foi feita mediante consultas ao acervo digital de Veja, que disponibiliza todas as suas edições digitalizadas, reproduzindo a Revista por meio de um recurso que simula a experiência de manuseio da versão impressa. Fizemos a

primeira busca das referências ao Enem em Veja através do recurso “busca avançada”, que oferece os seguintes campos a serem preenchidos: com a expressão exata, com qualquer uma das palavras, com todas as palavras, sem as palavras e período. Inicialmente digitamos as seguintes variações dos termos no campo “com a expressão exata”: Exame Nacional do Ensino Médio, Enem e ENEM. Posteriormente repetimos a busca mediante a utilização do campo “com todas as palavras”, empregando o termo “ensino médio”. No campo denominado “período”, a busca foi feita tomando-se como marco inicial janeiro de 1996 e como marco final dezembro de 2009, que é o período limite de pesquisa por meio desse recurso.

Para a busca das referências ao Exame nos anos de 2010 e 2011, a pesquisa realizou-se em duas etapas: inicialmente utilizamos as mesmas variações de termos no recurso “busca no acervo” e posteriormente recorremos ao índice de cada uma das edições desses anos, de janeiro de 2010 a dezembro de 2011, analisando as reportagens que abordavam temáticas referentes à educação.

Após a catalogação e impressão de todas as referências ao Enem encontradas nas publicações de 1999 a 2011, partimos para uma primeira leitura. Nesse momento,

eliminamos da análise alguns textos que estavam descontextualizados, ou não eram representativos para o propósito desta investigação. Foram retiradas sete edições. Trata-se de referências muito curtas, como, por exemplo, um teste de memória, com cem perguntas sobre 2010 disponibilizadas no site Veja.com, uma das quais é: “Que erro no exame provocou uma grande confusão no Enem?” (Edição n. 2.197, 29 dez. 2010, p. 8); ou a matéria “Da TV para a realidade” (Edição n. 2.179, 25 ago. 2010, p. 75) que, ao abordar o horário eleitoral nas campanhas presidenciais de 2010, cita o Enem em um quadro referente à canditada Dilma Russef, o qual contrapõe promessa e realidade na seguinte frase: “Apenas com a comida para as criaças, portanto, a promessa de Dilma custaria 117 milhões de reais anuais. Não é muito. Equivale ao que o Governo gasta, por exemplo, para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)”.

Seis referências foram incluídas na análise, apesar de não conterem o termo Enem. São quatro matérias e duas capas que faziam parte de edições que continham

referências ao Exame na Carta ao Leitor ou em uma das matérias publicadas, geralmente em edição especial sobre educação. Incluímos esse material por julgarmos importante fazer uma análise integral dos temas e referências relativos à educação de uma mesma edição.

Das 78 publicações selecionadas, temos 23 notícias, que podem ou não incluir reportagens; 21 artigos de opinião (onze de Claudio de Moura Castro, quatro de Gustavo Ioschpe, dois de J. R. Guzzo, dois de Lya Luft, um de Reinaldo Azevedo e um de Roberto Pompeu de Toledo); dois Guia Veja; uma seção destinada a dar informações rápidas e esquematizadas sobre determinado assunto; duas seções Brasil; quatro Cartas ao Leitor, que é o editorial da revista; duas entrevistas, as famosas páginas amarelas; dois informes publicitários; três capas e dezenove pequenas referências em seções, como, por exemplo, Panorama, Radar e

Veja.com, que vamos chamar aqui de notas para efeito de simplificação.

A revista Veja, no período analisado, dividia seu conteúdo em sete grandes seções: a primeira reunia o Editorial, Entrevistas (páginas amarelas), Cartas (leitor), colunas (Ponto de Vista) e uma série de subseções caracterizadas pela presença de pequenas notas informativas sobre assuntos diversos (Radar, Holoforte, Hipertexto,

Veja Essa, onde eram postadas frases de personalidades famosas. Essa primeira

parte da publicação apareceu sem denominação específica até a edição n. 1.625 (24 nov. 1999), quando passou a ser chamada de Seções. A partir da edição n. 2.071 (30 jul. 2008), quando a Revista sofreu uma reformulação gráfica, essa parte inicial foi subdividida, passando os pequenos textos informativos, Conversa e Veja Essa, a integrar a seção Panorama. A segunda grande parte da publicação denominou-se

Brasil e geralmente tratava de temas políticos e econômicos. Esta parte foi

subdividida a partir da reformulação da edição n. 2.071, surgindo uma nova seção específica para os assuntos econômicos denominada Economia, versão da anterior

Economia & Negócios, que vinha após a seção Geral. As seções Internacional, Geral, Guia e Artes & Espetáculos foram mantidas de 1998 a 2011 e apareceram

nessa sequência.

As notícias e reportagens sobre educação localizavam-se na seção Geral, uma parte da revista que se dedicava a variedades, contemplando temas referentes a saúde, comportamento, medicina, cidades, gente, tecnologia, entre outros. Como referido no Capítulo I, foi notável o aumento dos temas da seção Geral de Veja na década de 1990, assim como seu aparecimento como materias de capa. Acreditamos que essa mudança esteja intimamente relacionada com a mudança do perfil do público leitor e com o seu redirecionamento para se tornar uma revista da família, mais moderna, palatável, voltada para a formação de uma nova geração de assinantes.

Essa reconfiguração teve como marco simbólico a mudança gráfica e a organização do índice, que ocorreram na edição n. 1.461 (11 set. 1996), como exposto no Editorial da publicação, no qual se observa o desejo de tornar a publicação mais leve, ilustrada e esquemática. Interessa destacar que um dos novos articulistas referidos na apresentação dessas mudanças foi Claudio de Moura Castro que, embora já tivesse publicado na seção Ensaio da edição n. 1.462 (18 set. 1996), foi apresentado no mês seguinte como novo colaborador pelo Editorial da edição n. 1.465 (9 out. 1996). Lembramos também que nesse mesmo ano, na edição n. 1.452, de 10 de julho de 1996, foi publicada a reportagem sobre o que seria uma “grande revolução silenciosa” na educação, na qual Claudio de Moura Castro foi citado como um dos “pais da nova escola”.

Seguindo com a narrativa da trajetória de escolha das fontes, após a segunda leitura das edições selecionadas preliminarmente, feita inicialmente com o recorte entre 2006 e 2009 para o projeto de qualificação desta dissertação, construímos uma ficha de análise com base na proposta chartieriana e nas categorias eleitas para esta investigação. A ficha de análise foi definida com base em três movimentos do processo investigativo: a análise panorâmica das fontes, a delimitação das categorias de análise e a escolha da fundamentação teórica, e norteou nosso olhar sobre os textos selecionados de Veja. A definição das categorias de análise esteve intimamente relacionada com o nosso primeiro olhar sobre as fontes, quando nos pareceu marcante a inter-relação entre o Exame e a qualidade da educação. Na ficha de análise, quatro dos oito itens orientadores do nosso olhar foram pensados com base nas categorias delimitadas: as avaliações ou testes citados; os elementos estatísticos, os elementos hierarquizadores e a referência ao professor. Este último item foi incluído ao percebermos a centralidade que o trabalhador docente tem no apontamento dos problemas e das soluções aos desafios da qualidade da educação.

Esses quatro itens de análise também compuseram um quadro de recorrências que levou em consideração apenas matérias e artigos, somando cinquenta publicações. Eliminamos do quadro de recorrências as pequenas referências ao Exame encontradas nas seções que denominamos genericamente de Notas, em função da limitação de caracteres, que não permitia análises verticalizadas dos dispositivos textuais e das bases argumentativas. Nesse quadro foi registrada apenas a presença, ou não, de termos, dados ou referências que correspondiam aos primeiros quatro itens aqui listados, como pode ser observado no Modelo da Ficha de Análise que consta nos Apêndices. Esse recurso foi adotado para simplificar o mapeamento da recorrência desses elementos, o que permitiu, por exemplo, identificar que 25 textos utilizavam elementos hierarquizadores, como “a melhor escola”, “a pior escola”, “a escola número 1”, ou “entre as 33 melhores” (Quadro 5, p. 176-178).

Três itens da ficha de análise evidenciam as dimensões de nosso olhar chartieriano sobre a fonte: “Respostas aos opositores”, “Depoimentos”, e “Elementos estatísticos”, que são analisados como dispositivos discursivos dos protocolos de escrita. Na construção da mecânica persuasiva e orientadora do texto, não raro os autores respondem a contra-argumentos de possíveis opositores anônimos. Essas

“respostas” aparecem como se os autores se preocupassem em se anteceder ao contra-argumento, às possíveis refutações do seu dizer. Ao mesmo tempo, essas respostas a possíveis críticas instrumentalizam o leitor nas possíveis e desejáveis replicações de seus argumentos. Acreditamos que essas “respostas” são um dos principais indícios para a leitura das lutas de representações que perpassam esses textos, além de se configurarem em um mecanismo persuasivo para o leitor, sendo este conhecedor ou não das tensões aí expostas. Assim o item “Resposta aos opositores” teve a dupla função de mapear características do protocolo de escrita e de perceber como são representados os setores que lutam por uma estratégia ou referência de qualidade na educação que não é validada em Veja.

Os frequentes depoimentos de professores, alunos, pais, diretores, secretários e especialistas são também importantes indicativos dos protocolos de escrita e das representações desses diversos sujeitos. Trata-se de um mecanismo de validação dos argumentos que possibilita ao leitor o reconhecimento de uma realidade que lhe é familiar através das vozes de sujeitos autorizados a falar sobre o tema por sua atuação no campo da educação e sua trajetória de sucesso. Entendemos que esse dispositivo também é utilizado para acionar no leitor a sua própria experiência de escolarização, o que torna os argumentos reconhecíveis, produzindo, possivelmente, uma sensação de familiarização como referência e conceitos que muitas vezes misturam elementos da cultura escolar com signos dos setores empresariais.

Os elementos estatísticos são outro importante item da ficha de análise e ocupam um espaço estratégico nos protocolos de escrita da Revista. São constantemente utilizados com o intuito de tornar o argumento irrefutável, apresentando os números e estatísticas como dados empíricos portadores de uma autoridade reveladora. Destacamos que dezessete das 23 matérias analisadas utilizam algum tipo de estatística. E cabe alertar, que cinco dos textos que não entraram nesse índice abordaram os problemas que marcaram as últimas edições do Exame.

O item n.o 8 da ficha de análise, denominado “Aponta soluções”, pretende dar conta do teor propositivo dos textos, mapeando o receituário estabelecido e facilitando a delimitação do que se apresenta como referência de qualidade da/na educação. Esse tópico de análise também aparece no quadro de recorrências. Percebe-se que

dezoito dos cinquenta textos apontam soluções para os insucessos evidenciados no Enem e/ou por outros testes que estariam medindo a qualidade da educação. As fichas de análise ainda contemplam um campo para observações, no qual é possível destacar pontos tidos como relevantes, mas que saem dos eixos de análise propostos. Um último campo, denominado Citações, foi criado com o objetivo de abrir um espaço para a reprodução de partes dos textos que nos interessavam enfatizar ou destacar para posterior utilização em outros movimentos da pesquisa.

Esses procedimentos de análise foram estabelecidos com o intuito de educar nosso olhar para uma leitura cuidadosa das fontes, para a tradução de seus protocolos e o mapeamento das representações tecidas sobre o Enem e a qualidade da educação.