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Estado e Cidadania: o Sujeito de Direito Internacional

No documento http://www.livrosgratis.com.br (páginas 60-64)

CAPÍTULO 1- HISTÓRIA DO APORTE INTERCULTURAL NA CONSTRUÇÃO

1.3. CONTEMPORANEIDADE NO “BREVE SÉCULO XX”

1.3.3 Estado e Cidadania: o Sujeito de Direito Internacional

Finalmente, registra Roberto Papini, foi convidada pela UNESCO uma “Comissão para os fundamentos teoréticos dos Direitos Humanos”. Cabia à Comissão responder a um questionário sobre o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os povos queriam ouvir as vozes que consideravam mais sábias naquele momento histórico e o convite foi dirigido entre outros a Tagore, Aldoux Huxley, Jacques Maritain, Ghandi, Teilhard de Chardin, Bertrand Russell, Benedetto Croce, Salvador de Madariaga, e outros. E.H.Carr foi o Presidente dessa prestigiada Comissão representativa das diferentes culturas.

direitos241 a todas as pessoas, independentemente de procedência, cor, religião, sexo ou qualquer outra característica. Com isso, segue o princípio romano, segundo o qual “a todo o direito corresponde uma ação que o assegura”, embora nesse momento de forma precária, uma vez que ainda seriam estruturadas, no Tribunal de Haia e nos Tribunais Internacionais, só posteriormente criados, as normas processuais de acesso à Justiça Internacional.

Os direitos declarados em 1948, com as marcas da perplexidade e da esperança, desconsideraram todas as fronteiras, tanto naturais ( como oceanos, rios, desertos, montanhas e abismos) quanto cercas imaginárias, representadas nos conceitos de nação, estado e soberania, que separam a humanidade, para assegurar que o holocausto nazista não mais encontraria o espaço da barbárie.

Os homens e as mulheres que escreveram a Declaração Universal dos Direitos Humanos implicitamente iniciaram a reconfiguração conceitual de dois ícones do Estado de Westphália: nacionalidade e soberania, que na origem absoluta de conceitos duros estariam impermeáveis à aplicação dos direitos humanos, como decorre do desenho inicial do Estado Nação, nas palavras do Professor da Universidade de Chicago:

Após os arranjos associados ao acordo de paz de Westphalia de 1648, o princípio embrionário de soberania territorial torna-se o conceito fundador do Estado-nação embora muitas outras concepções afetem sua subseqüente capacidade cultural de se imaginar e criar sua própria narrativa. Incluem-se aí noções sobre língua, origem comum, consangüinidade e várias outras concepções de etnia. Ainda assim, a base lógica política e jurídica fundamental do sistema de Estados-nações é a soberania territorial, mesmo que compreendida de forma complexa e articulada de modo delicado em cenários pós-imperiais específicos242.

Ao escrever sobre o Totalitarismo, Hannah Arendt percebeu a inexistência de mecanismos operacionais quanto à aplicação dos direitos previstos pelos franceses na Declaração revolucionária dos Direitos do Homem, uma declaração para a qual os Estados modernos não estavam preparados e, “como se afirmava que os Direitos do Homem eram inalienáveis, irredutíveis e indeduzíveis de outros direitos ou leis, não se invocava nenhuma

241 LEAL, Débora Alcântara de Barros. O Ser Humano como Sujeito de Direito Internacional. Op.cit. “Para Karl Heinrich Triepel, os indivíduos não são sujeitos de direito internacional, e sim, objetos de direitos e deveres internacionais. Para ele, o direito internacional público só rege relações entre Estados perfeitamente iguais, diferentemente do direito interno, que regulamenta relações entre particulares. O positivismo clássico de Triepel afirma que apenas o Estado é sujeito do DI e que o indivíduo é sujeito apenas no direito interno. A teoria do homem-objeto, sustenta que o homem assume no DI a condição de um objeto, como os navios e aeronaves. Ao contrário de Triepel, a teoria monista de Kelsen permite a inclusão do homem como sujeito de DIP.”

242 APPADURAI, Arjun. Soberania sem Território. Disponível em <http://www.moderna.com.br>. Acessado em 29 out. 2008.

autoridade para estabelecê-los; o próprio Homem seria sua origem e seu objetivo último”243. Isso concorreu para a sua ineficácia, perceptível de forma sangrenta, a partir do início do século XX e intensificada de forma burocrática e cruel nos campos de extermínio implantado pelo Estado do Reich.

O fenômeno da inaplicabilidade dos Direitos do Homem no século XX por inexistência de mecanismos legais, de operacionalidade prática e de vontade política repete-se não somente na segunda metade do século XX, como também no início deste milênio com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que encontra resistência nos muros estadocêntricos da cidadania e da soberania, mais naquela que nesta, uma vez que a idéia de soberania absoluta cedeu à economia do mundo globalizado. A Cidadania, que chega aos dias atuais impregnada da civitas romana reage em defesa xenófoba perante qualquer oxigenação da diversidade cultural, aprisionada na visão do Estado Nação:

Desde Westifália, a ordenação do sistema internacional dá-se pela condição da figura do Estado-nação, soberano nos limites de seu território, e que possui, além da clássica definição weberiana de monopólio legítimo do uso da violência, o monopólio legítimo também das condições de mobilidade entre os indivíduos, o que, para a dinâmica das migrações internacionais – que, por definição, atravessam fronteiras –, se coloca como uma questão de extrema importância a ser levantado, um verdadeiro paradoxo. Dessa forma, as políticas migratórias adotadas pelos governos, que favorecem por vezes uma maior abertura ou maiores restrições, se colocam como objeto de estudo central na compreensão da dinâmica desse processo244.

A complexidade do mundo contemporâneo recebe, por isso, a preocupação dos analistas de áreas diversificadas do saber, como antropólogos, psicanalistas, sociólogos, juristas, cientistas políticos, filósofos, e pessoas de diferentes tradições religiosas e culturais preocupadas com as rotas de exclusão, que passam pelos campos de refugiados e trilhas migratórias, cujos nomes, por si só, despertam insegurança e mal estar. Como diz Adriana de Oliveira,

A questão que envolve a delicada polêmica reflete a condição de boa parte dos fluxos migratórios contemporâneos: centenas de milhares de pessoas desejosas de mudarem-se geograficamente em busca de um lugar onde suas condições de vida não estejam ameaçadas, ou onde possam conseguir melhores meios de sobrevivência, ou até mesmo o simples desejo da busca pela felicidade (na clássica versão norte-americana dos direitos e virtudes formadoras da nação... "the pursuit of hapiness"). O que as impede de realizar tal desejo ou, no caso de sua realização, as coloca sistematicamente dentro de situações de irregularidade? A dicotomia contemporânea entre o direito à liberdade de locomoção e sobrevivência digna do

243 ARENDT, Hannah. Totalitarismo, op.cit. 324.

244 Idem,ibidem

indivíduo e a questão da soberania dos Estados. É precisamente esse o debate colocado pelo livro que, por meio de dois exemplos magnânimos de países importantes receptores de fluxos migratórios e ao mesmo tempo berços característicos dos bastiões da liberdade, democracia e do respeito aos direitos individuais do Ocidente – Estados Unidos e França –, evidencia esse descompasso entre a soberania dos Estados e o direito dos indivíduos mediante a adoção das políticas migratórias mais recentes desses países245.

O universo de pessoas que transitam por razões, que vão desde a busca por melhores condições de vida até a angustiante fuga de guerras tribais e perseguições políticas coloca hoje em suspeita o conceito de nacionalidade, cujo deslocamento para cidadania e abertura conceitual fazem-se imprescindíveis para a efetiva aplicação dos direitos humanos, com ênfase no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

245 OLIVEIRA, Adriana Capuano de. Direito à mobilidade individual e a soberania dos Estados. Estud. av., São Paulo, v. 21, n. 61, Dec. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 13 Dec. 2008.

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