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CAPITULO III- O PLANEJAMENTO URBANO E AS POLÍTICAS URBANAS NO

3.1 O Planejamento Urbano no Brasil e a Participação Social

3.1.1 O Estado frente ao Planejamento

O planejamento urbano das cidades ocorre em decorrência da necessidade de ordenamento territorial dos espaços urbanos e cabe ao Estado, o papel de controlador deste planejamento.

No pensamento moderno, o conceito de Estado, as concepções de Estado e da Sociedade Civil se originam das teorias contratualistas, do direito natural ou jusnaturalismo, que foram desenvolvidas no processo de transição para o capitalismo. Os modelos dos contratualistas (WEFFORT, 2006), Hobbes e Locke, são constituídos com base em dois elementos que se contrapõem e sucedem: o Estado (ou sociedade) de natureza e o Estado (ou sociedade) civil. Para eles, a sociedade civil não se contrapõe ao Estado (WEFFORT, 2006).

Já Hegel coloca o Estado burguês no marco do movimento histórico real de desenvolvimento e consolidação da sociedade capitalista. Hegel é o primeiro a fixar o conceito de sociedade civil como algo distinto e separado do Estado politico. Hegel coloca que o Estado é a totalidade orgânica de um povo, não um agregado, um mecanismo, um somatório de vontades arbitrárias e inessenciais (WEFFORT, 2006).

A teoria contratualista toma como modelo de constituição do Estado e da passagem do Estado de natureza para o Estado civil, uma figura do direito privado, o contrato, que institui relações de obrigatoriedade, universalidade e eticidade da vida estatal. O conceito que está na base do Estado não é o de contrato, mas o de vontade (universal) (WEFFORT, 2006). Para Hegel, o Estado é a substância ética consciente de si, a reunião do principio da família e da sociedade civil, a mesma unidade que existe na família como sentimento do amor, e a essência do Estado. Para ele, caberia ao Estado garantir o bem publico, ao mesmo tempo, que preserva a sociedade civil e seus fundamentos, dentre os quais, a propriedade privada.

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Portanto, o Estado é transformado no sujeito real que ordena e materializa a universalização dos interesses privados e particulares da sociedade civil (WEFFORT, 2006).

Marx conceitua o Estado em contraposição a Hegel (WEFFORT, 2006). Marx coloca que o Estado emerge das relações de produção. Não é o Estado que molda a sociedade, mas a sociedade que molda o Estado. Sendo assim, ela expressa os interesses da estrutura de classe inerente às relações sociais de produção (WEFFORT, 2006). Nessa mesma linha do raciocínio, Gramsci amplia o conceito de Estado, incorporando novas funções e incluindo as lutas de classes. Para ele, o Estado é ampliado de seu tempo e contexto, preservando a função de coerção (sociedade politica) tal como descoberta por Marx, que incorpora a esfera da sociedade civil (WEFFORT, 2006).

Historicamente o Estado é a figura central para assegurar o equilíbrio econômico e social, com o papel de evitar as disfunções do mercado e promover políticas públicas. Entretanto, na sociedade capitalista, a regulação estatal cedeu lugar ao ajustamento, frente às necessidades e interesses do mercado e do capital, revelando tendências contemporâneas de desregulamentação e redução do papel e da presença do Estado.

Através do planejamento urbano e da gestão da cidade, o Estado atua no espaço urbano e, nesse contexto, estão retratados os interesses dos agentes da sociedade, reflexo dos diferentes interesses sociais, políticos e econômicos. Dado que o Estado está inserido na lógica capitalista, ele irá conduzir os processos de produção do espaço sob essa lógica. Topalov (1979) considera que o papel do Estado é fundamental no processo de produção do espaço.

O Poder Executivo tem a incumbência de elaborar e aplicar políticas públicas, visando solucionar ou desenvolver questões relacionadas com os interesses coletivos da sociedade. No âmbito urbano e regional, tais políticas estão ligadas à dinâmica urbana e regional, a saber, às atividades dos diferentes agentes sociais no que tange a ocupação do espaço físico- ambiental. O Estado funciona então como mediador entre os diferentes agentes sociais. Na prática, o Estado acaba por gerir as relações que se estabelecem entre o espaço público e o espaço privado.

Segundo Santos (2003), o que caracterizava o Estado brasileiro no período (1920- 1980) era seu caráter desenvolvimentista. O Estado tinha como meta o desenvolvimento, e não se preocupava com as relações da sociedade. Este Estado desenvolvimentista tinha uma característica de um Estado conservador, centralizador e autoritário.

O objetivo do Estado brasileiro neste período de 1920-1980 era consolidar o processo de industrialização. Portanto, o seu foco era de ordem econômica: construir uma potência

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intermediária no cenário mundial. A tradição era de assumir muito mais o objetivo do crescimento econômico e muito menos o objetivo de proteção social, ao conjunto da sociedade. A sua postura era de executor e não de regulador. O Estado desempenhava a função de promover a acumulação privada na esfera produtiva (SANTOS, 2003).

Para Santos (2003), as políticas públicas tinham como objetivo principal promover o crescimento econômico, acelerando o processo de industrialização, sem a transformação das relações de propriedade na sociedade brasileira. As políticas sociais tradicionalmente são construídas no modelo de um Estado autoritário e conservador. Quando se tem uma política centralizada, o tratamento é homogeneizado. A centralização faz com que as propostas venham de cima para baixo, e essa é uma tradição das políticas sociais no país.

Segundo Santos (2003), a crise do Estado é a crise de um modelo específico de Estado que vigorou no Brasil durante a maior parte do século XX, um Estado desenvolvimentista e conservador. O modelo de Estado desenvolvimentista foi promotor de desenvolvimento, por um lado, mas também das enormes desigualdades que temos no Brasil de hoje, por outro lado. Principalmente, a partir do regime militar, esse modelo de desenvolvimento foi sustentado pela internacionalização da economia e pelas crescentes dívidas internas e externas que geram a insustentabilidade do modelo e sua crise profunda. As desigualdades sociais geradas por esse modelo se tornaram um obstáculo para a superação dessa crise. As opções políticas no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) privilegiaram o pagamento da dívida, atendendo ao interesse dos credores, em detrimento da promoção de políticas sociais.

Os anos 1990 foram de mudanças na economia mundial. Uma fase de crise. Crise não só do mundo socialista, mas também, do mundo capitalista. O movimento de reestruturação produtiva construído e a hegemonia da visão neoliberal, que é ideológica e política: a visão de quanto menos Estado e quanto mais mercado, melhor; quanto mais individualidade e quanto menos coletividade, melhor (SANTOS, 2003). Nesse processo, redefiniu-se o papel dos Estados nacionais.

Na década de 1990, a grande maioria dos países passou a seguir tal modelo econômico. As influências políticas neoliberais na conjuntura econômica internacional, propostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, como descreve Batista (1994), denominada de “Consenso de Washington” aos países subdesenvolvidos, espraiaram-se por diversos lugares do mundo, resvalando inclusive no governo Fernando Collor. Esses ajustes estruturais adotados foram observados no Brasil, durante a década de 1990, por meio da abertura econômica, da desregulamentação financeira e de privatizações,

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que remodelaram as cadeias produtivas de diversos setores da economia, ocasionando impactos negativos à classe trabalhadora. De acordo com Tavares (1994), uma das medidas pontuais do ajuste estrutural das reformas neoliberais foi centrado na flexibilização do mercado de trabalho.

Segundo Lojkine (1981), a intervenção do Estado capitalista permitiu impedir, no curto prazo, processos anárquicos que minaram o desenvolvimento urbano, nos três pontos de crise da urbanização capitalista: o financiamento dos equipamentos urbanos desvalorizados, a coordenação dos diferentes agentes da urbanização e, finalmente, a contradição entre valor de uso coletivo do solo e sua fragmentação pela renda fundiária.

No Brasil, o trabalho de Oliveira (1982) destaca a importância da relação entre o espaço urbano e o papel do Estado. O autor analisa a relação entre as classes privilegiadas, chamadas de classes médias, salientando que a atuação do Estado estava pautada pela demanda dessas classes nas cidades brasileiras. Oliveira afirma que o Estado não atua como árbitro diante do conflito de interesses, quando observa:

Por aí se pode recuperar a noção de conflito social urbano, sobretudo, em termos atuais, isto é, esse novo caráter do Estado no capitalismo monopolista torna, em primeiro lugar, o Estado em uma relação de poder, principalmente, e não mais uma relação de arbitragem. Em segundo lugar, ele é capaz de nos induzir e de sugerir pistas de investigação que recuperem agora a questão do conflito entre Estado e sociedade civil. Em outras palavras, a noção de que o Estado, tendo se direcionado por esses caminhos, tem contra si, na verdade, o resto da sociedade, que é basicamente formada por não proprietários, incluindo até em alguns sentidos, setores da baixa classe média, por via das condições pelas quais se dá hoje a relação do Estado com o urbano, tornando-se, de certa forma, antagônicas (OLIVEIRA, 1982, p. 53)

Maricato (1997, 2000) e Rolnik (1994) analisam o papel do Estado no Brasil e mostram as consequências, do modelo de planejamento adotado na estrutura urbana das cidades brasileiras. Maricato (1997) apresenta um histórico da atuação do Estado no planejamento urbano no Brasil, de 1930 até 1990. Ela afirma que podemos estar praticando um urbanismo arcaico sob o discurso pós-moderno onde as obras são definidas pelas mega- empreiteiras, que financiam as campanhas eleitorais; o conjunto delas forma um cenário destinado a firmar uma imagem exclusiva em espaço segregado; e, além disso, as leis se aplicam apenas a uma parte, frequentemente, prioritária da cidade, em que o poder do capital é maior.

O papel do Estado através do planejamento e da gestão urbana condiciona o espaço da cidade.Portanto, a atuação do Estado pode continuar refletindo o jogo de interesses de alguns

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agentes e incorporando privilégios, ou pode significar um momento de ruptura e avanço na busca de maior justiça e inclusão social.

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