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CAPÍTULO –

ESTADO, GOVERNO E AGENDA.

Antes de abordar as políticas públicas e as suas relações com as ações afirmativas, é necessário, inicialmente, definir outro item importantíssimo que faz parte das políticas públicas, que é o Estado e o Governo, e na sequência, será abordada a definição da agenda política e as suas relações com o Estado e o Governo.

É prudente situar que a definição de Estado e de Governo será compreendida com base na formação do Estado na América Latina, bem como da sua consolidação e desenvolvimento, considerando-se as relações dos acordos e tratados internacionais que influenciaram na formação e consolidação do Estado nos países da América Latina.

A partir da referência do capítulo 1, é possível afirmar que a formação do Estado brasileiro aconteceu dentro do contexto de exploração que foi a situação predominante de muitos países da América Latina. Em Faletto (1989), ao abordar sobre os Estados na América Latina, o autor afirma que

O Estado expressa em todos os casos o conjunto de relações econômicas, sociais e, especialmente, de poder que ocorrem em uma sociedade. Nem sua história, nem sua atual modalidade, podem ser compreendidas apenas com considerações das formas em que se organizam as relações econômicas entre as classes e os grupos sociais. Considerá-lo como uma superestrutura, reflexo de uma relação econômica específica, não esgota as possibilidades de análises e interpretação; contudo, o Estado é um fenômeno que tem lugar a margem das relações sociais (FALETTO, 1989, p.69-70. Tradução minha)4.

O Estado, no contexto da América Latina, não pode ser observado ou analisado apenas na especificidade de seu país ou território. Afinal, no contexto da América Latina, ao buscar compreender a formação e, principalmente, o papel do Estado, se faz necessário compreender que muitos países foram colônias de exploração, antes de se tornarem soberanos e consolidar a formação do Estado.

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“El Estado expresa en todos los casos el conjunto de relaciones económicas, sociales y, especialmente, de poder que se dan en una sociedad. Ni su historia ni su modalidad actual pueden comprenderse mediante la sola consideración de las formas en que se organizan las relaciones económicas entre las clases y grupos sociales. Considerarlo una superestructura reflejo de una relación económica determinada no agota las posibilidades de análisis y interpretación; tampoco el Estado es un fenómeno que tiene lugar al margen de las relaciones sociales” (FALETTO, 1989, p.69-70).

Além disso, outra característica comum aos processos de independências dos países da América Latina e, da constituição de seus governos, é que a consolidação desses processos foi conturbada e as políticas desenvolvidas nesses países sofreram grandes influências de agências e organizações financiadas por países desenvolvidos.

Quanto as suas características específicas, a particularidade do Estado nos países da América Latina está relacionada na medida em que é importante para a forma que o capitalismo, como formação econômica e social, é estabelecido em cada país. Isto significa considerar que tanto na forma de sua implantação como, o “modo de produção” e o tipo de relações sociais, cede espaço no conjunto da sociedade. Mas, a implantação do capitalismo, fundamentalmente no caso da América Latina, não pode negligenciar as relações que se estabelecem com o capitalismo internacional que se deve considerar hegemônico (FALETTO, 1989, p.70. Tradução minha.)5.

Desse modo, observa-se que o Estado não pode ser visto apenas como uma superestrutura, mas sim, como um ente que recebe diversas influências desde a sua formação até a consolidação das suas políticas públicas.

Nessa perspectiva, é possível compreender que a concepção de Estado é aquela em que ele não é uma superestrutura por si só, e está sempre preste a ter influência de políticas ou acordos de tratados internacionais, que exercem poder na definição da agenda e até mesmo na atuação dos Governos. Nesse sentido, entende-se que

O estado não surge seguido por geração espontânea e muito menos é criado, no sentido de que “alguém” formalize sua existência através de um ritual. A existência do estado torna-se um processo formativo através do qual vai adquirindo um complexo de atributos que em cada momento histórico apresenta um nível distinto de desenvolvimento. Talvez, seja apropriado falar de “estaticidade” (“estatuta”) para nos referir ao grau em que um sistema de dominação social tenha adquirido o conjunto de propriedades – expresso nessa capacidade de articulação e reprodução de relações sociais que definem a existência de um estado (OSZLAK, 1978, p.4 Tradução minha)6.

5 “En cuanto a sus características específicas, la particularidad del Estado en los países latinoamericanos

se vincula em medida importante con el modo en que el capitalismo, como formación enconómica y social, se establece en cada país. Esto significa tener en cuenta tanto la forma de su implantación como “modo de producción” como el tipo de relaciones sociales a que da lugar en el conjunto de la sociedad. Pero la implantación del capitalismo, fundamentalmente en el caso latinoamericano, no puede desatender las relaciones que se establecen con el capitalismo internacional, el que debe considerarse hegemónico” (FALETTO, 1989, p.70).

6 “El estado no surge entonces por generación espontánea ni tampoco es creado, en el sentido que

“alguien” formalice su existencia mediante un acto ritual. La existencia del estado deviene de um proceso formativo a través del cual aquél va adquiriendo un complejo de atributos que en cada momento histórico presenta distinto nivel de desarrollo. Quizás sea apropiado hablar de “estatidad” (“stateness”) para referirnos al grado en que un sistema de dominación social ha adquirido el conjunto de propiedades – expresado en esa capacidad de articulación y reproducción de relaciones sociales que definen la existencia de un estado” (OSZLAK, 1978, p.4).

É evidente que podem ficar dúvidas sobre o que é o Estado, ou até mesmo da necessidade de uma definição específica para “Estado” e, certamente, a definição pode mudar de acordo com a área do conhecimento que estuda as políticas públicas. Contudo, o objetivo é apresentar uma definição de Estado que contemple as características do Brasil, ou seja, que contemple as características de um país colonizado e inserido na América Latina.

Evidentemente que no caso do Brasil, o Estado surge no contexto capitalista e estabelece relações complexas na relação com a sociedade. Nessa perspectiva, buscou- se em Aguilar (2013) uma concepção sobre o papel do Estado tendo como base a definição que o autor construiu para a palavra Estado, com o objetivo de torná-lo uma categoria de análise. Para o autor “não se trata apenas de elencar o Estado de um modo genérico, mas abordá-lo em sua especificidade, entendendo que dessa perspectiva a especificidade do Estado na América Latina” (AGUILAR, 2013, p.73).

Mais adiante o autor apresenta que,

dizemos isto por se tratar também de um conjunto de particularidades que assume o papel do Estado latino-americano em relação à economia nacional e seus vínculos com as economias regionais e a economia mundial, em relação aos vínculos entre Estado e sociedade e às relações entre o Estado e o público e o privado, às relações entre democracia, demandas sociais e governabilidade das jovens democracias da América Latina e, ainda, aos significados que assume o papel do Estado e como se traduz a sua intervenção em termos de políticas públicas (AGUILAR, 2013, p.73. Grifos do autor).

Essa concepção é importante porque na essência a função do Estado continua a mesma, ou seja, mediar os conflitos entre os exploradores e os explorados, que é uma característica presente no caso dos Estados que surgem, principalmente, no contexto da América Latina. Tem-se aqui o momento mais oportuno para abordar a diferença, ainda que de forma breve, entre Estado e Governo. A compreensão é importante para entender, posteriormente, as políticas públicas. Em Garcia (1977), o autor apresenta que

A palavra “Estado” significa, primitivamente, aquilo que é fixo, por oposição ao que é móvel. Etimologicamente, portanto, traz a conotação de algo estabelecido, que tem uma certa perenidade, onde é possível identificar algumas normas que orientam essa fixação. Por analogia de sentido, o termo passou a ser utilizado para identificar o poder político organizado, sob orientação de um sistema de governo (GARCIA, 1977, p.92).

A definição de Estado apresentada é importante porque, facilita a distinção entre Estado e Governo.

O Estado, enquanto organização política, pressupõe a solidariedade de seus membros, que lhe outorgam certas funções que, presumivelmente, representam os interesses da maioria dos concidadãos. O Estado não se confunde com o Governo, desde o momento em que o primeiro diz respeito à organização, às leis etc., enquanto o segundo diz respeito a um corpo de diretrizes que orientam a ação. O Estado, enquanto tal, só passa a existir a partir de determinada fase da evolução, enquanto é possível encontrar formas de governo, baseadas na tradição e nos mitos, por exemplo, que podem prescindir de um Estado politicamente organizado. A maioria dos analistas tem observado que, ao curso da evolução histórica, o poder, a propriedade e o status, os três aspectos intimamente relacionados, tem sido identificados como os determinantes fundamentais para o exercício do governo. Nestas condições, a autoridade do governo é a do Estado e vice-versa (GARCIA, 1977, p.92-93).

Nesse sentido, observa-se que, de fato, o que muda não é a essência do Estado, mas sim, a forma como o Estado passa a exercer seu papel, por intermédio do Governo que está no poder e que, ainda nos dias atuais, continua mediando à relação entre exploradores e explorados, priorizando os interesses dos acordos internacionais sobre as prioridades nacionais.

Após esses breves esclarecimentos, pode-se avançar para a compreensão da Agenda. A elaboração ou os assuntos que entram na pauta da agenda não são essencialmente técnicos ou burocráticos. Além disso, a pauta da agenda pode privilegiar os acordos políticos internacionais, os interesses peculiares do governo ou as demandas que surgem na sociedade.

As ações e as prioridades dos governos que repercutem na atuação do Estado surgem da formação e implementação das pautas da agenda desenvolvida pelos governos para a gestão do Estado. A construção de uma agenda envolve diversos interesses distintos, sejam estes oriundos da própria sociedade ou dos interesses dos políticos.

A formação da agenda de um governo decorre da constatação de problemas que podem surgir em um período ou em um governo específico, mas que deve exigir a atenção do governo para que possa ser aplicada e desenvolvida pelo Estado.

E, parafraseando Villanueva (2003), esses problemas podem diversos, a saber: problemas de interesse geral, por exemplo, nos casos de segurança pública; de interesse particular no caso daqueles problemas que envolvem necessidades específicas de um determinado segmento da sociedade que em geral é minoria; de interesse de grandes

corporações ou de necessidade isoladas e dependendo do tipo de problema pode haver um consenso ou divisão das opiniões da população. (VILLANUEVA, 2003, p.21-23).

Alguns problemas são relativamente simples e localizados com respostas disponíveis; outros são problemas complexos, de escala, interdependentes, que não podem ser tratados isoladamente. Uns são problemas de rotina, programáveis; outros são inéditos, para lidar com medidas inovadoras. Em resumo, as relações cotidianas entre sociedade e estado tomam a forma de problemas e soluções, demandas e ofertas, conflitos e decisões, necessidades e satisfações7 (VILLANUEVA, 2003, p. 23).

A postura do governo mediante todos os problemas que surgem pode ser a mais diversa. Para alguns governos os problemas mostram-se indiferente, para outros o governo destaca o problema e este ganha a prioridade na agenda, e outros problemas nem chegam a ganhar destaque na agenda pública. Assim, constata-se que nem todo problema se torna pauta na agenda e nem toda pauta da agenda se torna prioridade do governo.

A maneira como se elabora a agenda de governo, é dado de forma e conteúdo, reveste importância fundamental na política e na administração, tanto no plano teórico como no plano prático. Politicamente, expressa a vitalidade ou a frouxidão da vida pública em um sistema político determinado8 (VILLANUEVA, 2003, p.26. Tradução minha).

Por fim, pode-se concluir que as tomadas de decisões sobre a agenda envolvem interesses específicos e esses interesses podem atender as necessidades das políticas internacionais ou nacionais. Com isso, espera-se ter abordado de forma satisfatória a definição de Estado, a sua relação com o Governo e como se constrói a agenda política, bem como de como se elabora a agenda e dos assuntos que passam a fazer parte da sua pauta e que, posteriormente, dependendo dos interesses, podem se tornar políticas públicas, ou não.

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“Algunos son problemas relativamente sencillos y localizados, con respuestas disponibles; otros son problemas complejos, de escala, interdependientes, que no son tratables aisladamente. Unos son problemas de rutina, programables; otros son inéditos, a encarar con medidas innovadoras. En suma, las relaciones cotidianas entre sociedad y estado toman la forma de problemas y soluciones, demandas y ofertas, conflictos y arbitrajes, necesidades y satisfactores”. (VILLANUEVA, 2003, p.23)

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“La manera como se elabora la agenda de gobierno, se le da forma y contenido, reviste fundamental importancia política y administrativa, tanto en el plano teórico como en el práctico. Políticamente, expresa la vitalidad o la flojedad de la vida pública en un sistema político dado” (VILLANUEVA, 2003, p. 26).

Essa abordagem facilitará, posteriormente, tratar sobre as políticas públicas para o ensino superior, especificamente, das ações afirmativas, apresentando o ponto de partida sobre o qual se pode interpretá-la e a forma como ela é concebida nesta pesquisa.