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2.3 INSTRUMENTOS LEGAIS DE PROTEÇÃO NA SOCIEDADE DE RISCO

2.3.1 O Estado Socioambiental de Direito

A construção social-histórica da consciência ambiental aconteceu no século passado, entretanto sua dimensão global eclode na década de 70. Do Clube de Roma, perpassando pela Conferência de Estocolmo e a ECO 92 até os dias atuais percebe-se certo aumento do compromisso com o meio ambiente, e atenção aos danos causados pelo homem. Apesar desta conscientização

não foi possível evitar o aquecimento no planeta, a diminuição na camada de ozônio e a perda da biodiversidade, e que florestas fossem devastadas. Além disso, vários desastres ecológicos demonstram que as regras de prevenção ainda se mostram insuficientes para evitá-los. (OLIVEIRA, 2007, p. 135).

Kretzmann e Sparemberger (2005, p. 131) lembram que

para Beck, é necessário acabar com a idéia de contraposição entre natureza e sociedade, pois uma não pode ser pensada sem a outra. A destruição da natureza representa ameaças sociais, econômicas e políticas, que se transformam em ameaças civilizatórias, constituindo um desafio do presente e do futuro para a sociedade de risco.

Beck (2008) traz a compreensão de que, em decorrência da crise ecológica, principalmente as mudanças climáticas e suas conseqüências, não se deve falar em “natureza” ou “destruição da natureza”, ou “ecologia”, ou “destruição do meio ambiente”, pois tais termos acentuam a diferença entre o natural e o social e afastam da insegurança fabricada pelo homem. O dualismo sociedade-natureza deve ser percebido como um construtivismo institucional, no qual se sobrepõem o conceito da sociedade de risco mundial.

Veiga (2007) enfatiza a rápida evolução social da preocupação com o meio ambiente, e sublinha que a legitimação do adjetivo socioambiental, em uma perspectiva de análise linguística, filosófica ou psicológica, provém de um processo determinado pela emergência em si, no sentido mais amplo do termo, principalmente em decorrência da conscientização de riscos e incertezas que a sociedade de risco enfrenta por conta da degradação ambiental.

A CF/88, em seu inciso III, art. 1°, consagra explicitamente a dignidade da pessoa humana como “princípio fundamental, ponto de partida e fonte de legitimação de todo o sistema jurídico pátrio” (FENSTERSEIFER, 2008, p. 32). Desta forma, juntamente com a proteção da vida, a dignidade humana está no ápice de todo ordenamento jurídico brasileiro, consagrado no rol dos direitos fundamentais. Herrera Flores (apud FENSTERSEIFER, 2008) orienta que, com base em uma perspectiva culturalista, a dignidade humana deve ser compreendida como um conceito construído historicamente, com seu conteúdo moldado constantemente de acordo com o processo evolutivo civilizatório, associado aos valores e particularidades culturais, e as contingências advindas.

Fensterseifer (2008) registra também que a dignidade não aborda somente a dimensão biológica ou natural, concebendo também uma dimensão ontológica, constituída pelas dimensões comunitária ou social e a histórico-cultural, e agregando-se a estas, a dimensão ecológica ou socioambiental, que contempla a qualidade e a segurança ambiental, principalmente na sociedade de risco à qual a existência humana está submetida.

Outro destaque da CF/88, promulgada em 1988, refere-se ao meio ambiente. Na Carta Magna, a demanda ambiental adquire status, quando passa a ser matéria vinculada ao direito constitucional. O art. 225 da CF/88 prescreve que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, corroborando neste viés, com a perspectiva de desenvolvimento sustentável. Sachs (2008) adverte que estamos em um duplo imperativo ético: a solidariedade sincrônica, com as gerações atuais, e a solidariedade diacrônica, com as futuras gerações, inserindo também o respeito à inviolabilidade da natureza.

Fensterseifer (2008, p. 26), com base na teoria dos direitos fundamentais, defende que compete ao Direito, na busca do equilíbrio e da segurança nas relações socioambientais,

posicionar-se contra essas novas ameaças que fragilizam e põem em risco a ordem de valores e princípios fundamentais da nossa sociedade, firmando o seu compromisso existencial para com o presente, bem como para com o futuro humano e mesmo para com a vida em termos gerais.

Nesse sentido, e em consequência das ameaças e incertezas que a sociedade de risco ora apresenta, e do aumento considerável de desastres naturais, as atividades de defesa do meio ambiente e as ações de defesa civil estão previstas no ordenamento jurídico pátrio, associado a políticas públicas voltadas à preservação, a prevenção, à preparação, à precaução, e demais práticas governamentais, reconhecidas como instrumentos privilegiados dos novos modelos de gestão.

A Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, tem como objetivo, conforme o art. 2º, “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”.

Fensterseifer (2008, p. 93, grifo do autor) orienta que

O enfrentamento dos problemas ambientais e a opção por um desenvolvimento sustentável passam, portanto, necessariamente, pela correção do quadro alarmante de desigualdade social e falta de acesso da população pobre aos seus direitos sociais básicos, o que, diga-se de passagem, também é causa potencializadora da degradação ambiental.

Outra política pública que faz referência à proteção da sociedade de risco é a Política Nacional de Atenção às Urgências (BRASIL, 2006), editada pelo Ministério da Saúde, a qual faz uma compilação de normas relativas à sua área de atuação. A Portaria GM nº 2.072, de 30 de outubro de 2003, institui o Comitê Gestor Nacional de Atenção às Urgências, do qual fazem parte vários órgãos da esfera federal, entre estes a Defesa Civil, ao qual atribui a responsabilidade de “elaborar o Plano de Atenção aos Desastres” (inc. VII do art. 3º). A Portaria GM nº 2.048, que estabelece princípios e diretrizes para os Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, faz alusão a “planos de atenção a desastres” e de “atenção a eventos com múltiplas vítimas”.

Entretanto, com um conjunto normativo complexo e abrangente, agregado a ações governamentais e políticas públicas multi setoriais, é atribuído ao Sistema de Defesa Civil a redução de desastres, concretizando, desta forma, “o direito natural à vida e à incolumidade”,

formalmente reconhecido pela Constituição da República Federativa do Brasil, e como competência da Defesa Civil em circunstâncias de desastre (BRASIL, 2007, p. 2).