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Bem-estar social, qualidade de vida da população local: interfaces com a complexidade ambiental

SUMÁRIO

CAPÍTULO 2 – TERRITÓRIO USADO: A FACHADA ENTRE A MINERADORA E A POPULAÇÃO DOS BAIRROS CONTÍGUOS

2.1 Bem-estar social, qualidade de vida da população local: interfaces com a complexidade ambiental

O entendimento que se tem do termo bem-estar social remete à satisfação plena das necessidades básicas, culturais e econômicas de uma comunidade. Essa condição vincula o desenvolvimento social com o desenvolvimento econômico de maneira que a partir dessas expectativas atendidas teremos a possibilidade de viver em uma sociedade justa, equânime e de direito.

Para Jesus (2013, n.p.), as necessidades básicas podem ser consideradas “todas aquelas a que o ser humano deve ter acesso para sobreviver com decência, suprindo as suas necessidades fisiológicas e mentais e são consideradas objetivas e universais. Passam pelo acesso a comida, roupa, saúde, casa e segurança.” Ainda, conforme o artigo 25, inciso 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem:

[...] toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (SOCIEDADE CATARINENSE DE DIREITOS HUMANOS, 2017, p.16).

vida, que podemos considerar desde o contexto político e social, os interesses instalados e as condições naturais de cada território.

O conceito de Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social é baseado em uma ideia de que o homem possui direitos indissociáveis à sua existência enquanto cidadão. Esses direitos são direitos sociais. De acordo com essa concepção, todo indivíduo tem o direito, desde seu nascimento, a um conjunto de bens e serviços que devem ser oferecidos e garantidos de forma direta através do Estado, ou indiretamente, desde que o Estado exerça seu papel de regulamentar, isso dentro da própria sociedade civil.

Para Cancian (2007) os termos usados para o Estado de Bem-estar ou Welfare State são para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. Ainda, esclarece que todos esses tipos de serviços assistenciais são de caráter público e reconhecidos como direitos sociais. A distinção do Estado de Bem-estar social de outros tipos de Estado assistencial não é tanto a intervenção estatal na economia e nas condições sociais com o objetivo de melhorar os padrões de qualidade de vida da população, mas o fato dos serviços prestados serem considerados direitos dos cidadãos.

Na experiência brasileira, após 1994, fruto do período dito democrático a partir de 1985, foram possíveis a consolidação e a expansão do regime de bem-estar social com a universalização dos direitos sociais e respeito aos direitos civis. De acordo com Esping- Andersen (2000) o Welfare State passou a enfrentar novos problemas quando a economia pós- industrial deixou de garantir pleno emprego e igualdade. Alterações no mercado de trabalho afetaram o trade-off 4 entre emprego e igualdade, no sentido em que o padrão de solidariedade assentado no pleno emprego começou a ruir, provocando instabilidade familiar e perda de integração social.

Afora o desenvolvimento histórico do Estado de Bem-estar ter demonstrado que não há incompatibilidade entre capitalismo e cidadania, o padrão de solidariedade assentado no pleno emprego começou a ruir. Havia a necessidade de rever o contrato entre o Estado e a sociedade para redefinir os novos riscos sociais a serem enfrentados, a despeito de não se questionar o princípio básico: os cidadãos têm direitos reconhecidos. Para tanto, é importante que a “desmercadorização”

4Trade-off é um termo da língua inglesa que define uma situação em que há conflito de escolhae muitas vezes é

traduzido como "perde-e-ganha". Ele se caracteriza em uma ação econômica que visa à resolução de um problema,

mas acarreta outro, obrigando uma escolha. Ocorre quando se abre mão de algum bem ou serviço distinto para se

obter outro bem ou serviço distinto. Isso implica que a tomada de uma decisão requer completa compreensão tanto

do lado bom, quanto do lado ruim de uma escolha em particular. (WIKIPÉDIA, 2014a). De acordo com Pindyck e Rubinfeld (2010, p. 4) o termo trade-off é “muito utilizado em economia e diz respeito ao processo de escolha e suas implicações”.

seja uma política pública para disponibilizar serviços sociais como direito dos cidadãos, para que se mantenham sem depender do mercado. Partindo dessa premissa, há uma diretriz para avaliar a qualidade do regime de bem-estar. (ESPING-ANDERSEN, 1990).

O entendimento que se tem é que no Brasil, após a Constituição de 1988, coube ao Estado o papel de protagonista, com a função de implantar políticas sociais potentes, com vistas a combinar, compensar e universalizar os direitos, para aplacar problemas estruturais de desigualdade social e incapacidade de inserção produtiva, em busca de uma sociedade mais justa e com padrões menos predatórios de cidadania.

No intuito de alinhar a discussão dos riscos da atividade minerária suscitando alterações no bem-estar e na qualidade de vida dos moradores submetidos, em especial, aqueles que residem próximos às áreas operacionais da mineradora, torna-se necessário definir e conceituar o termo qualidade de vida. No plano conceitual dois aspectos são basais, a subjetividade e a multidimensionalidade. Para tanto, os conceitos mais adotados de qualidade de vida demandam dar conta de uma multiplicidade de dimensões debatidas nas avocadas abordagens gerais ou no método holístico.

Nesse sentido, o conceito preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), constitui um dos principais exemplos, no qual qualidade de vida reflete a percepção dos indivíduos de que suas necessidades estão sendo satisfeitas ou, ainda, que lhes estão sendo negadas oportunidades de alcançar a felicidade e a autorrealização, com independência de seu estado de saúde físico ou das condições sociais e econômicas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1998). No campo da saúde, o conceito de qualidade de vida argumentado por Seidl e Zannon (2004, p. 580), refere-se ao fato de que “é muito abrangente, compreende não só a saúde física como o estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais em casa, na escola e no trabalho e até a sua relação com o meio ambiente”.

Destarte, um conceito de qualidade de vida globalmente aceito como o preconizado pela OMS pode amparar investigações cientificas e de órgãos governamentais. Contudo, existe o perigo de abarcar a discussão sobre o tema a partir de conceitos idealistas, fruto de imposição do Estado. Nessa perspectiva, Minayo, Hartz e Buss (2000, p.9) corroboram ao analisar um modelo ampliado de qualidade de vida sobre o qual advertem que:

O relativismo cultural, no entanto, não nos impede de perceber que um modelo hegemônico está a um passo de adquirir significado planetário. É o preconizado pelo mundo ocidental, urbanizado, rico, polarizado por um certo número de valores, que poderiam ser assim resumidos: conforto, prazer, boa mesa, moda, utilidades domésticas, viagens, carro, televisão, telefone, computador, uso de tecnologias que diminuem o trabalho manual, consumo de arte e cultura, entre outras comodidades e riquezas.

Neste cenário, o nível de insatisfação e infelicidade é muito grande. Visto que mudaram- se os valores de ter e ser. Nesse sentido, consumo imposto para sociedade ocidental como forma de reprodução do capital.

Quando associamos qualidade de vida e racionalidade ambiental, Leff (2004) contribui ao afirmar que a questão da qualidade de vida brota na ocasião em que a uniformização do consumo encontra-se convergente com a danificação do ambiente, o aviltamento do valor de uso das mercadorias, o abatimento crítico das maiorias e as restrições do Estado para fornecer os serviços básicos a uma crescente população excluída do circuito de produção e de consumo. O mesmo autor, traz que a qualidade de vida é:

Um valor associado à restrição do consumo, a comportamentos em harmonia com o ambiente, e a formas não depredadoras de aproveitamento dos recursos; questiona os lucros alcançados pelas economias de escala e de aglomeração, assim como a degradação socioambiental causada pela racionalidade econômica que tende a maximizar o lucro presente e a descontar o futuro. (LEFF, 2004, p. 322).

Nesta perspectiva a noção de qualidade de vida Leff (2004) supera a divisão de “necessidades objetivas” e “desejos subjetivos” e a dicotomia entre os elementos biológicos e psicológicos inclui na discussão a acepção cultural das necessidades e ainda, o sentido existencial dos habitantes. Na análise encontram-se entrelaçadas as concepções de “bem-estar, nível de renda, condições de existência e estilos de vida; entrelaçam-se processos econômicos e ideológicos na definição de demandas simbólicas e materiais, na internalização de modelos de satisfação (...) manipulação publicitária do desejo.”(LEFF, 2004, p. 322).

A qualidade de vida é um construto cultural, sendo por vezes paradoxal. Por essa razão necessita frequentemente de discussão e poderá sofrer transformação conforme avança o conhecimento e a sociedade. A qualidade de vida dependerá da qualidade do ambiente para alcançar um desenvolvimento equilibrado e sustentável, sem negar a sua associação com as formas de identidade, cooperação, solidariedade, participação e realização, elementos estes que foram pensados para uma análise mais abrangente dessa questão.

Deste modo, no processo investigativo desta pesquisa, em especial, na coleta de dados primários junto aos grupos participantes (moradores e informantes-chave), ter-se-á especial atenção para os fatores relevantes da visão das pessoas ou grupos quanto ao reconhecimento de riscos socioambientais comprometendo o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas e do lugar , assim como, a ponderação em torno das formas pelas quais tais fatores se tornaram

significativos levando em consideração aspectos históricos, sociais, culturais, psíquicos, do ambiente, da inserção no mundo do trabalho e na comunidade local.