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Primeiros contatos da pesquisadora com o lugar e com moradores dos bairros contíguos às áreas de mineração

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – NA TRILHA DO PERCURSO METODOLÓGICO E DELINEAMENTO DO OBJETO DA PESQUISA.

1.2 Primeiros contatos da pesquisadora com o lugar e com moradores dos bairros contíguos às áreas de mineração

Partindo da premissa que o enfoque geográfico, permeado pela categoria de análise território pressupõe o alinhamento com a realidade do lócus no decorrer de todo o processo investigativo que envolve a pesquisa, optou-se por idas ao campo de estudo. As visitas exploratórias ao campo, sejam iniciais ou subsequentes, tiveram a pretensão de materializar a

aproximação sucessiva do objeto de estudo, dialeticamente falando, num processo de idas e vindas, colhendo dados, impressões e subsidiando observações acerca de riscos ao bem-estar e à qualidade de vida das pessoas em um território “compartilhado” entre moradores e empreendimento minerário.

Santos (2006, p.13) corrobora ao afirmar que o território é definido como o “lugar onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência”, o espaço onde se manifestam as ações humanas, absorvendo seus sentimentos, criando uma relação entre a sociedade e o lugar, ou seja, um sentimento de pertencimento.

É preciso compreender o território como uma construção social produzida na relação entre os sujeitos sociais e o lugar, contextos sociais esses que expressam o modus vivendi do sujeito de direito, consideradas a singularidade e subjetivação com o lugar de vida e de trabalho. Torna-se importante analisar esse território de produção de vida e de trabalho, na família, na comunidade e nas instituições e seus aspectos correlacionados que afetam diretamente o cotidiano das cidades pequenas cujos sistemas passam por reestruturação, pois, a estrutura sofre uma ruptura, nesse caso, com a implantação do GE, que muda a trajetória, ou seja, a ordem anteriormente estabelecida.

Nesse sentido, a primeira visita exploratória ao campo de pesquisa, realizada em 2017, destinou-se a estabelecer contatos iniciais com os locais e as pessoas na perspectiva de reconhecimento do campo, mais especificamente para conhecer os bairros Alto da Colina, Amoreiras II, Bela Vista II e Esplanada, contíguos à área de cava da mineração, demonstrados na figura 1, assim como a comunidade Santa Rita próxima à área de rejeitos da Kinross. Pretendeu-se, ainda, acessar informantes-chave de Organizações Sociais (OSs), Organizações Não Governamentais (ONGs), Lideranças Religiosas e Comunitárias para aproximação inicial dos demais sujeitos da pesquisa.

A escolha pelos moradores dos bairros contíguos ao empreendimento, relaciona-se ao nível de exposição às atividades minerárias a que estão submetidos todos os dias. Isso não implica em particularizar uma realidade, numa visão reducionista da problemática, mas por entender que uma escala menor, no nível de bairro, pode produzir análises, explicações dos fenômenos que se aplicam à cidade e seu entorno, ou seja, de um universo particular menor, ou seja, generalizar e dizer da realidade local. Isso é corroborado pela obra de Elias e Scotson (2000) quando descreveram aspectos de uma figuração humana universal, em uma pequena comunidade industrial urbana, tendo nacionalidade, etnia, ocupação, renda e nível educacionais similares entre os residentes das duas áreas.

Figura 1 – Bairros de Paracatu contíguos à zona de lavra da Kinross.

antigos residentes (estabelecidos) e o outro cuja composição era de recém-chegados (outsiders). A realidade local desenhada ao longo da visita às pessoas e aos lugares (bairros e comunidade) percorridos, propiciaram o desnudamento das mazelas reveladas pelo campo de pesquisa, frente ao olhar investigativo e desacostumado da pesquisadora, tendo assim, certa dimensão dos desafios impostos e a superar no decorrer da pesquisa.

A princípio, constatou-se na entrada do bairro Amoreiras II, resquícios da existência de uma estrada que foi o antigo acesso à Mina de Ouro, como também, a antiga estrada Municipal que ligava Paracatu à cidade de Unaí, a qual foi fechada em 2015, pela empresa mineradora, inviabilizando o acesso de origem. Segundo informação verbal, foi alterado o ir e vir de pessoas e as relações pessoais e de livre comércio promovidas e/ou facilitadas pela via de acesso que outrora existia, como mostra a fotografia 1.

Fotografia 1 – Antiga estrada municipal Paracatu a Unaí.

especializado em oficinas de manutenção e consertos de máquinas pesadas, automóveis dentre outras, cujos comerciantes sentiram a redução da atividade comercial em função do bloqueio da estrada e da compra de áreas ocupadas para expansão da empresa mineradora.

Contudo, encontra-se uma oficina que ocupa uma grande área, também de interesse da mineradora que, por sua vez, tentou comprá-la, porém sem sucesso, conforme informação verbal. Assim, foi possível detectar um espaço de resistência local (bairro) aos avanços do grande empreendimento. A despeito de sua ocorrência apresentar-se de forma isolada e solitária, constitui meio de resistir para existir e pressupõe a proatividade de pessoas e grupos em função do bem-estar coletivo.

A rotina nesse local próximo à área de cava, trazia as explosões, muita poeira e barulho o que fez com que boa parte dos moradores, pressionados pelas condições socioambientais desfavoráveis, vendessem os imóveis cedendo aos interesses da mineradora. (Informação verbal/ Pesquisa de Campo, 2017). Observou-se ainda que ficaram para trás a infraestrutura existente no bairro e o comércio especializado em oficinas.

Outro movimento de resistência, em função do fechamento da referida estrada, que também servia para a comunidade rural com a finalidade de escoar a produção e fazer o conserto do maquinário, de acordo com informação verbal, foi a reclamação da comunidade rural de Santa Rita, demanda que foi arquivada pelo judiciário. Essa instância de poder, qual seja, o judiciário, é vista aqui enquanto agente produtor do espaço. Dessa maneira, é possível inferir que há uma rede articulada nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal) com poder para decidir favoravelmente à demanda do capital, aqui representada pela mineradora. Esse fato nos faz pensar o significado da díade público/privado na promoção do fomento do progresso e do desenvolvimento econômico a despeito dos prejuízos materiais e imateriais da população local.

O bairro Alto da Colina apresenta uma história de ocupação datada de 1756 pela população negra que, após a abolição da escravidão, permaneceu na região e ocupou as imediações da área do Morro do Ouro. (Informação verbal/ Pesquisa de Campo, 2017). Nas proximidades do bairro Alto da Colina encontra-se a comunidade São Domingos, que foi elevada à categoria de bairro pelo atual Plano Diretor Municipal, pois, antes era um povoado, comunidade de Quilombolas. Em conformidade com informação verbal, nessa área foi promovida uma desocupação forçada quando criaram uma zona de impacto e, apesar de tornar- se bairro, não faz parte do perímetro urbano. A comunidade São Domingos é um distrito até

Plano Diretor.

Ao percorrer o bairro Alto da Colina, durante o reconhecimento de seus limites, nos deparamos com placas e avisos da empresa Kinross com as informações “Propriedade Particular”, definida à restrição de acesso. Outrora era livre para o ir e vir da população local, conforme mostra a fotografia 2.

Fotografia 2 – Placa de delimitação de área particular da mineradora Kinross.

Fonte: Pesquisa direta (2017). Foto de: Astolphi (2017).

Ainda foi possível avistar interrupções de algumas ruas nos arredores do bairro, delimitadas como áreas restritas à mineradora com respectivos acessos bloqueados, como demonstra a fotografia 3.

Fotografia 3 – Rua com delimitação de área particular da Kinross e acesso proibido aos

moradores do bairro Alto da Colina.

do bairro, criam-se barreiras de acesso aos lugares que antes constituíam espaços públicos como transitar por ruas, vielas e becos, assim como, usufruir da “beira” do rio, da mata, seja para a pesca e a caça de subsistência ou simplesmente alternativa de lazer.

É possível inferir que notadamente há o avanço do espaço privado em detrimento do espaço público, suscitando com isso o encarceramento das pessoas nos limites impostos pela ocupação do território por grandes projetos de investimento. Tais medidas remetem de forma cabal à apropriação do espaço pelo grande empreendimento minerário na lógica expansionista do capital.

A partir da observação livre e apesar da distância, pois éramos barrados pela cerca, pôde-se verificar a degradação ambiental na área de lavra: a destruição da nascente do córrego Rico, a cabeceira do córrego São Domingos, a presença aurífera, a destruição da torre de monitoramento pré-existente como vista na fotografia 4, além de acesso bloqueado.

Fotografia 4 – Torre de monitoramento desativada.

Fonte: Pesquisa direta (2017). Foto de: Astolphi (2017).

Cabe esclarecer que essa caminhada foi feita de forma guiada por um morador e estudioso da questão em Paracatu, que gentilmente cedeu seu tempo e compartilhou seus conhecimentos acerca da temática.

Como parte das observações feitas no decorrer da visita ao bairro Alto da Colina, constatou-se que há um processo de ocupação desordenado, existência de comunidade negra remanescente de quilombolas, atividade econômica informal como a criação de porcos e galinhas nos quintais, e poucos equipamentos sociais tais como escola, unidade de saúde, praça,

Bela Vista II, originalmente e historicamente conhecido por bairro de meretrício, segundo informação verbal. O referido bairro é drenado pelo córrego dos macacos, onde se observou um monte estéril1, constituição de morro artificial, em consequência da exploração do ouro. Foi perceptível que um considerável número de edificações encontrava-se com rachaduras externas e o espaço é um misto de ocupação residencial e comercial.

Os bairros Alto da Colina e Bela Vista II, definidos na amostragem, figuram entre os bairros contíguos à área de lavra da Kinross, estão cortados pela rodovia federal BR-040 e próximos à rodovia estadual MG-188, como mostra a figura 2.

Durante a visita aos três bairros contíguos à área de mineração foram feitas abordagens iniciais junto à população local, com conversas informais que geraram informações e impressões dos sujeitos sociais sobre o espaço compartilhado com a presença do empreendimento minerário.

As informações iniciais revelaram relações e dinâmicas de ordens diversas, construídas no território usado, a exemplo de engajamento com os problemas socioambientais do bairro. Porém, coincidentemente, S.G. usava naquele momento uma camiseta com propaganda da empresa mineradora; desconfiança com o “de fora” a partir de uma experiência traumática com a mídia externa; autonomia e independência em relação aos órgãos públicos e à mineradora, atuante nas questões socioambientais e de vulnerabilidade social; conhecimento da realidade local, autonomia ao expressar sobre a mineradora e neutralidade em relação às políticas públicas existentes; certa isenção quanto à presença da mineração industrial, percebe os riscos de maneira oscilante.

Além disso, reconhecimento da existência de riscos socioambientais pela presença da atividade minerária nas proximidades do bairro de forma atuante; assimilação seletiva, por vezes, dúbia quanto aos riscos socioambientais produzidos localmente, apesar do discurso da sustentabilidade.

A realidade dos moradores residentes nos bairros periféricos: Amoreiras II, Alto da Colina e Bela Vista II, contextualizada preliminarmente no trabalho de campo, sinalizou a presença de risco social e insegurança, revelando a vulnerabilidade da população submetida a atividade extrativista mineral. A argumentação sobre o risco social e a insegurança, de Veyret (2015, p.73) contribui ao assegurar que:

1Estéril é o que restou após a retirada de um bem mineral. Estéril mineração é o mesmo que decapeamento. É a

O risco social ou societal remete geralmente à segregação e à fragmentação urbana e está relacionado à insegurança (...) a insegurança resulta de um sentimento de desigualdade ligado à ruptura dos elos sociais que por muito tempo foram estabelecidos mediante ajudas específicas ligadas às políticas locais (...) situações econômicas precárias, ao desemprego (...).

Para a visita exploratória ao campo de pesquisa, optou-se por excluir a ida ao bairro Esplanada, que seria o quarto bairro contíguo às áreas de atividades minerárias, isso justificado pelo motivo de ter semelhança com os outros três bairros visitados. Foi feita a inclusão da visita à comunidade rural de Santa Rita, pela razão da sua localização ser próxima das áreas de rejeitos da mineradora, tornando-se importante ter-se as primeiras impressões do local.

Na referida comunidade fomos recebidos pela liderança comunitária local que relatou sobre o completo abandono da população em risco e vulnerável, com apenas algumas ações pontuais da empresa mineradora sobre alerta de rompimento da barragem de rejeitos. Segundo informações desse morador, isso só ocorreu depois do “Desastre de Mariana”, e ele lamenta que as políticas públicas municipais não cheguem para eles, desde infraestrutura até equipamentos sociais mínimos. (Informação verbal/ Pesquisa de Campo, 2017).

Das impressões preliminares construídas na visita exploratória ao campo da pesquisa, ficou a observação de que é um lócus fértil, complexo e emblemático, ao deparamos com uma realidade de diferença e exclusão, presença de uma política protecionista dos agentes públicos locais em relação ao empreendimento minerário, como também, por parte de algumas organizações civis e mesmo de moradores, justificada pelo desenvolvimento, ou melhor dizendo, pelo progresso econômico garantido pela atividade de mineração. Por outro lado, foram encontradas pessoas e entidades muito envolvidas com as questões socioambientais e de proteção ao meio ambiente, que sugeriram a existência de movimentos de resistência aos avanços do grande empreendimento.

Por fim, não se trata de identificar os contra e os a favor da atividade de explotação do ouro há mais de três décadas realizada pela mineradora, e sim a compreensão que diferentes sujeitos sociais que têm a respeito da presença da mineração em larga escala, seus efeitos socioambientais e os riscos ao bem-estar e à qualidade de vida das pessoas residentes nos bairros contíguos à atividade minerária. Os desafios em obter informações da população local e dos informantes-chave se apresentaram como obstáculos a serem superados.