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2. PRODUÇÕES E LEGISLAÇÃO GERAL

2.6. L EGISLAÇÃO

2.6.2. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O Estatuto da Criança e do Adolescente é composto por 267 artigos e foi redigido em 1990. Não há nenhuma previsão específica nomeada como Bullying, mas há muitos artigos que descrevem o contexto que se assemelha ao aqui enfrentado como Bullying ou outras formas de agressão contra a criança e o adolescente. Abaixo faremos a colação de alguns dispositivos legais que se entende terem mais relação com a temática aqui enquadrada.

O artigo 4º, abaixo copiado, consagrou direitos referentes à vida, à saúde, à educação, à dignidade, ao respeito, à convivência familiar e comunitária, que são abalroados nas incidências de Bullying. Bem como, destacou ser dever da família, da sociedade e do poder público protegê-los, ou seja, uma responsabilidade concorrente, de modo que é responsabilidade de todos zelarem pela criança e pelo adolescente:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (ECA, 1990)

De igual importância também o artigo 5º, que assim dispõe: “Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” Cumpre destacar que o referido artigo tem especial correlação com eventual Bullying praticado por professor ou colega.

Sob o prisma da intimidação sistemática, interpreta-se que, segundo o artigo 13, em casos de ela ser diagnosticada, a situação se não resolvida imediatamente no ambiente escolar deverá ser encaminhada ao Conselho Tutelar, nestes termos:

Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. (Redação dada pela Lei nº 13.010, de 2014)

O artigo 15 assim apregoa: “Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”. Destacam-se os direitos à liberdade, ao respeito e à dignidade, corolários de proteção em contraposição ao Bullying. Já o artigo 16 desta forma decantou:

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

Como é possível notar, o referido artigo 16 esmiúça o que o direito à liberdade salvaguarda, destacando diversos itens que são comprometidos nas ocorrências de Bullying, já que essa privação daqueles acaba decorrendo por conta da incidência deste. Em regra geral, a vítima deixa de fazer as atividades que tinha o hábito de fazer.

O artigo 17 assim estampa: “Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. É possível verificar a estreita relação do direito ao respeito com a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, o que, geralmente é vilipendiado nas situações de Bullying.

O artigo 18 pondera que: “Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, colocando-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” Percebe-se que, quando se fala de todos, a responsabilidade é de todas as pessoas que lidam com os infantes, uma vez que qualquer situação que viole os direitos da criança e do adolescente é danosa para a vítima. Como exemplo atual, imaginem-se cenas de nudez de menores em um grupo de WhatsApp. Nesta situação todos são responsáveis pela remoção e denúncia do ilícito, além de eventual denúncia do remetente destas postagens.

O artigo 18-A, deste modo expõe, pedindo-se escusas pela longa citação, mas necessária para os fins perseguidos:

Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos

integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

a) sofrimento físico; ou (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014) b) lesão; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014) a) humilhe; ou (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

b) ameace gravemente; ou (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014) c) ridicularize. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

Da análise sobre o referido artigo, entende-se que a criança e o adolescente que sofrem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estão sendo vítimas de Bullying ou algum outro ilícito mais grave. De modo que, do contexto, isso é vedado a qualquer um que seja responsável por cuidar da criança ou adolescente (pais, integrantes da família ampliada, responsáveis ou agentes públicos executores), assim observa-se que nos interessa essas vedações especialmente perante os professores, na eventual intimidação sistemática escolar, notadamente o professoral.

As humilhações, ameaças graves e ridicularizações podem saltar do relacionamento professor-aluno, inicialmente como Bullying, contudo pode se tratar de uma via que se abre para condutas criminosas. De modo que, ainda que não houvesse uma lei de prevenção ao Bullying, o Estatuto da Criança e do Adolescente seria uma importante forma legal de amparar tais situações.

De outra frente, o artigo 18-B se refere às medidas a serem tomadas pelo Conselho Tutelar, perante os adultos que tenham procedimentos inadequados no trato com as crianças e adolescentes, como podemos observar:

Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

V - advertência. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

Como vislumbramos através do trecho acima destacado, aplicam-se tais medidas do Conselho Tutelar a qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e adolescentes, de modo que a destacada entidade se afigura como um importante canal para eventual denúncia de ocorrência de Bullying.

Merece também menção aqui o artigo 53, caput, e seu inciso II, que se interliga com a temática da dissertação, no que tange a eventual Bullying praticado por educador: “Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando- lhes: [...] II - direito de ser respeitado por seus educadores; [...].”

Afinal, o Bullying afigura-se, em sua gênese, uma pura falta de respeito quando parte do educador, notadamente se olvidando este do seu papel primordial de mestre, o que gera a expectativa, por vezes frustrada, de práticas edificantes e que andem em prol da dignidade da pessoa humana. Se considerado de modo isolado, sem observar a complexidade dessas incidências, como aqui destacado. Contudo, considerando-se em especial que o foco do trabalho direciona para as eventuais ocorrências em que tem como sujeito ativo o professor valem as ressalvas.

O artigo seguinte é claro, novamente, sobre o dever de todos de proteger as crianças e adolescentes: “Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.” Todos, vale repisar, família, escola, professores, sociedade, Estado e todos os envolvidos e relacionados com os jovens. Neste sentido, Digiácomo e Digiácomo (2010, p. 92) também entendem que:

Regra decorrente do enunciado do art. 227, caput, da CF e arts. 1º e 4º, caput, do ECA. Mais uma vez a lei, com respaldo na Constituição Federal, impõe a todos a obrigação de agir diante de qualquer ameaça ou violação dos direitos infanto- juvenis. A inércia, em tais casos, pode mesmo levar à responsabilização daquele que se omitiu (valendo neste sentido observar o disposto no art. 5°, in fine, do ECA), sendo exigível de toda pessoa que toma conhecimento de ameaça ou violação ao

direito de uma ou mais crianças e/ou adolescentes, no mínimo, a comunicação do fato (ainda que se trate de mera suspeita), aos órgãos e autoridades competentes.

Diante de todo o exposto acima, infere-se a fundamental importância do Estatuto da Criança e do Adolescente para o respaldo dos jovens na proteção das situações de um modo geral, mas também especificamente no que tange a intimidação sistemática quando praticada por docente, como acima demonstrado.

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