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Estigma é uma palavra de origem grega que significa: cicatriz ou marcas corporais com as quais se procura evidenciar algo de extraordinário ou negativo sobre o status moral de quem as apresenta. É definida como referência a um atributo depreciativo, fraqueza ou desvantagem. A pessoa estigmatizada é considerada como tendo uma característica que diverge da preconizada pela sociedade, fator que permite a comunidade que a trate de maneira desigual, adversa, que revela e acumula conceitos preconceituosos sobre o indivíduo.

O conceito é aplicado a todos os casos nos quais uma característica observável é salientada e passa a ser interpretada como “um sinal visível de uma falha oculta, iniquidade ou torpeza moral, proporcionando ao indivíduo um sinal de aflição ou um motivo de vergonha”. O conceito indica, portanto, que um traço físico pode ser estendido para atribuições ao caráter ou à fraqueza moral do indivíduo, funcionando como elemento que admite suposições predeterminadas à conduta do sujeito (GOFFMAN, 1975).

Na dinâmica das relações sociais, quando mantemos contato com um indivíduo, formulamos hipóteses a seu respeito: sua maneira de ser, suas preferências, seu caráter. Tendo como base essa premissa, é possível pensar que quando um indivíduo assume uma identidade diante de um determinado grupo social ou desempenha um papel, solicita a seus observadores que acreditem na impressão sustentada perante eles, para acreditarem que o personagem que estão vendo no momento possui os atributos que aparenta possuir (GOFFMAN, 1975).

Quando essas hipóteses formuladas a priori divergem substancialmente da realidade vivida por esse indivíduo, podem surgir evidências de que ele possui atributos que o tornam diferente e menos desejável. O que determina se uma condição é estigmatizante ou não, é a representação que possui no contexto das relações e dos diferentes grupos nos quais o indivíduo estigmatizado circula e mantém relações.

O estigma nos remete à postura ideológica valorativa e essa é expressa por meio de atitudes depreciativas advindas daqueles que se julgam superiores ou dotados de normalidade, protegidos e diferenciados

das minorias sujeitas ao estigma por questões de raça, saúde, deficiência, religião, ideologia, classe social e outros. O diferente é categorizado como anormal, fora do comum e nos mostra como a sociedade estabelece meios que categorizam as pessoas, de acordo com atributos “anormais”. Assim, o estigma também, tal qual o preconceito, nos remete à dificuldade que determinada sociedade tem em lidar com o diferente e essa dificuldade vai se perpetuando ao longo das gerações, por meio das representações sociais, que se disseminam por intermédio da educação familiar, do convívio social, comunitário e institucional (BOCK, 1999).

Foi descrita a diferença que existe entre o estigma imposto, ou seja, aquele que se constitui em ato discriminatório, ou abuso, e o estigma percebido, que seria o sentimento de ser estigmatizado ou o medo de passar por situações onde haja estigma (JACOBY, 2008). Em geral, uma forma de estigma alimenta a outra. Os dois são muito poderosos e podem conduzir as pessoas a terem seu medo exacerbado e como consequência, se esquivarem do convívio social.

Quando o indivíduo se encontra numa condição na qual sua aceitação social não é plena, estamos diante de uma condição de perda da alteridade, ou seja, perda do direito de ser o “outro”. Essa conduta pode ser ainda mais paradoxal, na medida em que a sociedade não deixa de imputar, muitas vezes de maneira velada, a esse sujeito ou grupo estigmatizado a exigência de que se comporte de determinada forma, mas de modo a não demonstrar o ônus do estigma ou preconceito. O sujeito é aconselhado, por entre comunicações sutis ocorridas nas interações, a corresponder naturalmente, aceitando com naturalidade a si mesmo e aos outros, como se sua aptidão para se aceitar correspondesse a um atributo oferecido a ele pela própria conjuntura que o exclui (GOFFMAN, 1975).

Assim fazendo, consolida-se que uma “aceitação fantasma” forneça a base para uma “normalidade fantasma”. Tal contradição permeia a construção de uma identidade social que se efetiva em um lugar de vulnerabilidade, na medida em que aceitar essa condição representa acomodar-se em um lugar fantasma. Não ocupá-lo poderá conduzir a

decepcionar expectativas ou infringir regras estabelecidas ou, ainda, a sentir-se sem lugar algum.

Em estudo efetuado sobre a história da epilepsia, a pesquisadora Samantha Valério Parente discorre acerca de três escritores brasileiros, componentes da Academia Brasileira de Letras (ABL) que, em 1905, eram coincidentemente acometidos pela epilepsia: Machado de Assis, Mario de Alencar e Magalhães de Azeredo. A epilepsia, segundo a pesquisadora, era como uma coroa de espinhos que tiveram que carregar ao longo de suas vidas. Foram homens que enfrentaram grandes contradições, na medida em que conquistaram o título da imortalidade, mas a epilepsia os marcou com a dolorosa sombra da mortalidade, lado este que, se não fosse constante e cuidadosamente ocultado, poderia destruir o lado imortal. Se por um aspecto a ABL representava para eles uma trincheira de defesa de suas figuras públicas, representava também um refúgio para seus segredos privados, reflete a autora (SOUZA, 2009).

Mario de Alencar era o que mais se lamentava, referindo que viver com epilepsia equivalia a viver na penumbra, que ele considerava mais triste que a sombra. Mesmo sendo tão talentoso e estando no auge de sua juventude, sentia-se assombrado pela epilepsia, refém do estigma e da incumbência de manter seu segredo sem poder confiá-lo a ninguém (RIBAS, 2008).

A divisão do mundo do indivíduo entre lugares públicos, proibidos e lugares retirados estabelece o preço que se paga pela revelação ou pelo ocultamento de sua “marca” estigmatizante e o significado que tem o fato de o estigma ser conhecido ou não, quaisquer que sejam as estratégias de informação escolhidas. Dessa forma, se o mundo de alguém está espacialmente dividido por sua identidade social, ele também está por sua identidade pessoal (GOFFMAN, 1975).

O indivíduo que se encobre poderá ter necessidades não previstas, que o obriguem a dar informações que possam revelar sua verdade, ou desacreditá-lo. Por ocultar algo seu, ele incorre em sentir-se constantemente

pressionado para elaborar encadeamento de mentiras, que deverá ser mantido na memória, para continuamente se proteger de uma revelação.

Segundo Goffman (1975), à pessoa estigmatizada não é oferecido o território e as dimensões políticas das escolhas. O autor expõe que: “Isso fica mais evidente no caso da epilepsia. Desde os tempos de Hipócrates, pessoas com epilepsia tinham assegurado um eu fortemente estigmatizado pelas operações normativas da sociedade. Essas operações ainda continuam, mesmo que o dano físico causado pela doença seja insignificante”. O autor conclui, sugerindo que, segundo os ditos da ciência, a sociedade poderia agir de maneira mais adequada para com essas pessoas.