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5. RESULTADOS

5.2 Apresentação das categorias

5.2.3 Representações sociais sobre o estigma e o preconceito nas

O estigma representa a dificuldade que determinada sociedade tem em lidar com o diferente e essa dificuldade vai se perpetuando ao longo das gerações, por meio das representações sociais, que se disseminam por

intermédio da educação familiar, do convívio social, comunitário e institucional (BOCK, 1999).

O preconceito está relacionado a um conceito prévio, que pode ser fruto do desconhecimento, porém, não se pode estabelecer um conceito único para o preconceito, uma vez que este tem aspectos constantes que denunciam uma conduta rígida, frente a variáveis que remetem a características específicas do preconceituoso (CROCHÍK,1997).

Este trabalho evidenciou algumas representações sociais das epilepsias descritas pelos adolescentes e seus familiares.

Quadro 1 ̶ Os adolescentes notificaram o que, para eles, a epilepsia

representa para as pessoas.

Representações

sociais Quem tem é... Nomes pejorativos variados

1 - Contagioso Pegajoso Babão

2 - Deficiência Atrasado/Doente Inseguro/solitário/excluído Gardenal/Cabeção Esquisito/estranho/diferente Lesado/Retardado 3 - Loucura 4 - Frescura (mentira) 5 - Alcoolista 6 - Drogado Doente mental Histérico/mentiroso Doidinho Maluco Anormal Pinel Impulsiva/nervosa Viciado/drogado/bêbado Incapacitado Estremilique 7 - Possessão Dizem que é espírito

Para os adolescentes, as maneiras pelas quais as pessoas os rejeitam são diversas, como mostra o Quadro 2.

Quadro 2 – Percepção dos adolescentes às reações das pessoas frente à

epilepsia.

Formas de rejeições

Fazem pouco caso... Alguns ficam zoando! Tarja preta é para loucos!

Às vezes disfarçam... Se afastam... Fingem não ver Têm curiosidade... Espiam. Tá bêbado ou drogado? Se do outro lado tiver um corpo em decomposição, a pessoa vai preferir sentar do lado dela (do que do meu)

Têm vergonha... Têm nojo? Medo de se contaminar... Não têm noção... Não entendem nada... Não estão nem aí para você... se cair, se machucar...

Me arrastava até a diretoria (...) ficava brava como se (minha crise)fosse reponsável pela bagunça na classe.

Ficam me olhando como se eu tivesse fazendo fita Achavam bonito meu espetáculo... Engraçado...

Alguns têm medo que seja espirito. Fogem para longe! Olham como se eu uma fosse louca!

Desprezam... Descartam... Desconfiam...

Pensa que me tratavam bem? Tratam com frieza. Não parecem interessados em saber, ou ajudar...

Querem se livrar... Não querem se envolver

O estigma e o preconceito, quando manifestos por atitudes e comportamentos das pessoas em relação à epilepsia, desencadeiam nos adolescentes e familiares as seguintes reações, como mostra o Quadro 3.

Reações

Adolescentes

Me fechei bastante! Me afasto

E depois eu falo: “tchau, obrigada” e vou embora. E a pessoa fica sem entender nada! (risos)

Fico calado e introspectivo!

Tento entender! (por que agem assim) Tento pensar que ele é mal-educado!

Tento relevar, porque ele não entende de epilepsia e eu sim!

Choro muito! Fiquei muito triste!

Fico gritando, tentando me defender de todos, sozinha! A gente se defende como pode... Quando dá...

Tá bom, eu vou tomar o remédio no banheiro, só que se (...) me der uma crise e eu bater a cabeça e começar a sangrar (...) você que vai responder processo, não quero nem saber

Familiares

Não fica com raiva, deixa pra lá que Deus vai arrumar outra coisa! (...) falei para ela não ficar nervosa, não atrapalhar o tratamento.

Fico muito inseguro! (se ele vai atingir suas metas) A gente se preocupa muito! (O mundo não protege) Ele (o pai) falava: “Essa é minha filha”... Mas quando ela começou a ter crise, ele largou... Passou a andar assim, na frente... (e ela atrás)

Ela amarrou um pano na cabeça e subiu na laje... Disse que ia se atirar e ficou lá (...) Chamamos a polícia!

Raia teve uma crise na escola e mandaram ela descer a escada sozinha... Isso é um perigo, e se ela cai lá de cima? Ninguém vê... Nem falei nada...

Seria necessário saberem mais sobre a doença... Precisa cuidar, proteger... (Os adolescentes) Deveriam ser tratados com mais atenção e respeito, em todos os sentidos...

Eu não consegui, até hoje, nem entrar na escola. (...) Fui tentar levar uma declaração, não consegui entregar nenhuma das declarações, porque os professores têm que assinar atrás... Não entendem as dificuldades dela...

Penso em montar uma oficina para ele trabalhar... Vou ajudar! Tem que dar certo, não dá para depender dos outros!

Na percepção da pesquisadora, o que fere mais é a indiferença, o descaso, o desamor e o desamparo. Reações emitidas com essas conotações, diante de sintomas incontroláveis de uma doença grave, caracterizam negligência e, muitas vezes, conferem teor de violência para quem as recebe em momento de total vulnerabilidade.

Os sintomas da epilepsia afetam os valores da sociedade, também por isso é uma condição propensa ao estigma. Há grande desconhecimento sobre a doença em nossa cultura, inclusive por profissionais que precisariam compreendê-la bem, para que pudessem oferecer a necessária proteção e propagarem o conhecimento correto. Esse fato traz marcas indeléveis e auxilia a compor o desconforto e a exclusão, à revelia das leis atuais, e perpetuam o preconceito

Caso Thelma

Leia (mãe): (...) Vítima de bullying na escola, onde os colegas da classe chamavam ela de Gardenal, louca e cabeção. A professora oficial tratava ela com frieza, principalmente diante das crises; não entendia nada de epilepsia, nem sabia o que era isso e nesses momentos ainda ficava brava e tirava ela da classe. (...) A diretora também não conhecia epilepsia e não demonstrava interesse em conhecer.

Thelma: Não eram só os alunos que me tratavam mal, mas a professora também. Quando eu tinha as crises e meus colegas reparavam, logo ficavam zoando, ela me tirava da carteira, eu meio tonta, e me arrastava até a diretoria. Pensa que lá eles me tratavam bem? Ficavam me olhando como se eu tivesse fazendo fita. Quando eu melhorava eu voltava pra classe e ainda tinha que ficar brigando com todos pra conseguir me recuperar e continuar estudando. A professora nem me olhava, como se eu fosse responsável pela bagunça que todos faziam. Achavam bonito meu espetáculo... Achavam engraçado.. Bom porque quebrava o chato da aula... Sei lá, sei que era tudo de ruim!

Téo: Para ela, o que pega mais é o preconceito. As pessoas acham que é pegajoso, que você é anormal, que ficar perto contamina e que tem um tanto de loucura nisso! Quando eu conheci a Thelma, ela estava sentada na calçada. Eu sentei com ela e comecei a puxar conversa: ―Como é seu nome‖, me apresentando. Aí, nessa questão, ela já respondeu falando do problema dela. Ela logo contou também que tinha epilepsia. Eu perguntei o quanto era difícil para ela isso e ela falou que tinha muito preconceito! Eu disse que sabia e conhecia a doença, pois tenho uma tia em Barueri, parente da minha mãe, que tem e eu já tinha cuidado dela. Aí eu falei que eu tenho um problema visual também. Eu sabia que era diferente, mas considero que o que os dois têm é igual. Aí eu perguntei para ela como era lidar com o preconceito e ela me disse que era normal.

Avó: As amigas, têm umas que faziam pouco caso, outras chegaram a se afastar, por ter aquele tabu de que epilepsia pega...

Thelma: Ainda tem, né... Às vezes no ônibus, quando fala que eu tenho epilepsia, a pessoa prefere passar pra trás e ficar lá, apertada.

Avó: Não, só se tem alguma crise, né... Aí perguntam: ―Que isso?‖, aí eu falo que é epilepsia.

Thelma: Às vezes, tô sentada no banco (assento preferencial), a pessoa vem brigar comigo, aí minha avó já fala: ―ela tem epilepsia‖. Tem pessoas que, assim... Se eu tiver num banco, e desculpa o jeito de falar, mas se do outro lado tiver um corpo em decomposição, a pessoa vai preferir sentar do lado do corpo em decomposição!

Avó: E aí ela chorava... E eu falava pra ela: ―Não chora‖. Pesquisadora: Como você se sentia, Thelma?

Thelma: (...) Eu parei de fazer as coisas que eu mais gostava de fazer... Eu ia na piscina, parei de nadar sozinha na piscina, gostava bastante de andar de bicicleta... Gostava

de fazer essas coisas e parei... Eu ia sozinha no mercado pra minha mãe, parei também... Então eu me fechei bastante... Pra mim, depois que eu comecei a ter crises, foi aí que meu pai se afastou mais...

Avó: Porque o pai dela, assim... Ele é legal e tudo mais... E com a filha ele falava que era a boneca, ―essa é minha filha‖... Mas quando ela começou a ter crise, ele largou... Antes ele saía com ela e a gente cansava de falar: ―Dá a mão pra ela na rua‖... E ele passou a andar assim, na frente. Thelma: Já teve vez, na casa dos irmãos dele, que ele me mandou eu tomar o remédio no banheiro... Aí teve um dia que me encheu o saco, fiquei de saco cheio... Aí eu falei: ―Tá bom, eu vou tomar o remédio no banheiro, só que se acontecer alguma coisa, me der uma crise e eu bater a cabeça e começar a sangrar minha cabeça, você que vai responder processo, não quero nem saber‖.

Avó: Porque ele tinha vergonha das crises que ela tem! Thelma: Porque ele tinha vergonha de eu tomar remédio, de pegar os remédios e tomar na frente dos irmãos... E antes eu tomava tarja preta, né... E tarja preta é pra louco...

A família de Lui demonstra uma constante preocupação com Dora. Esta é uma pessoa muito ativa, porém, passou por períodos delicados em decorrência de grave depressão, que eclodiu no puerpério de Lui. Este fato não foi citado pela família. Aparece em sua fala com um vestígio de culpa sobre a possibilidade da epilepsia de Lui ter surgido por algum tipo de predisposição familiar (de sua parte), embora o diagnóstico não revele isso. Ligações de epilepsia e doença mental impregnam o imaginário popular e, no caso dessa família, produzem e ativam segredos familiares.

Caso Lui: Dora (mãe): (...) Lui não tem muita proximidade comigo. Ele é muito calado, introspectivo, quando tento me aproximar em conversas, ele vai saindo, como se não fosse

mesmo se abrir comigo. Conta com meus cuidados, mas não me conta suas coisas, não me deixa aproximar. Parece que ele confia mais no pai, tenho isso para mim! Sei que eu sou mais nervosa, que eu falo muito, que sou demais preocupada, superprotejo, sou mais brava e intolerante quando eu me estresso! No pai ele se deixa apoiar.

A pesquisadora pergunta acerca dos fatores que levam Dora a pensar assim e ela responde:

Dora: (...) Penso que (Lui é mais próximo do pai do que dela) é pelo fato de na minha família ter pessoas com epilepsia e na família do pai não. (Dora cita apenas a epilepsia e não cita a doença de seu pai, que foi a mais grave e que iniciou com quadro depressivo). Isso pode trazer nele alguma revolta contra isso, contra essa realidade... Fica pesado e ele pode se afastar de mim ... por isso.

Lui: Ah, já. Tem alguns que ficam zoando. Tem um colega nosso que só faz brincadeira besta, só que eu cumprimento para não ser mal-educado, né! Ele passa e ao invés de me cumprimentar normal, ele fala: ―e aí, louquinho, e aí, doidinho?‖.

Olga: Ele fala: ―Vai para a casa‖; ―Vai para você não ter o tremilique, hein! Se você passar mal eu te levo para casa!‖. Fica tirando sarro.

A epilepsia é uma condição de saúde que requer um conhecimento específico, uma vez que intercepta a vida em todas as suas versões. Como é conviver e ser uma pessoa comum, tendo epilepsia. (A vizinha, tão bonita, mas parecia ter algo de estranho além da epilepsia. Seria a própria epilepsia?)

Caso Raia (Lu): Ah, eu acho que é importante saber sobre a doença, (...) Tem essa vizinha de frente, é uma moça muito bonita... Já que você falou dos filhos... E a gente se

surpreendeu, porque a gente viu ela no Face e ela tá uma pessoa bem diferente do que a gente conheceu... Ela tem epilepsia desde criança... A mãe não criou, quem criou foi a avó... Ela teve crise umas duas vezes aqui em casa, né, mãe? E nem sabia muito (...)

Avó: A gente não sabia muito como socorrer.

Lu: (...) Ela caiu da cadeira, foi uma situação bem delicada, na época... Eu era menor, assim, mas eu lembro... Mas aí ela era bem gordinha e esses dias a gente viu ela no Face bem magrinha, casou, fez faculdade e uma menininha linda ela teve... E eu sempre me perguntava por causa da Raia, né, porque ela gosta tanto de criança... Aí eu sempre me perguntava sobre isso que você falou da gestante, e é importante a gente saber... Depois de vários anos, a Raia veio a ter as crises, né... E a gente não sabe... Não sabia muito.

Avó: Quando ela ganhou neném, eu perguntei pro tio dela,

eu falei: ―E aí, como que prepararam ela pro parto?‖, ele falou: ―Eu não sei, só sei que correu tudo bem‖.

Avó: Mas tem umas coisas estranhas, porque ela... Linda... Mas ela não gostava de tomar banho, e dormia o dia todo e ficava cheiro... Se ela tivesse aqui onde eu tô, você não aguentava...

Avó: E ela era grossa também com a gente... Qualquer coisinha ela atacava nós. Sabe o que eu ia falar? Ou é dela mesma (a epilepsia da Raia) ou foi uma pancada que ela levou... Ela foi pra esse sítio do vô... E até hoje eles esconderam, porque ex-marido sabe como que é...

Raia: Foi mesmo.

Avó: Depois de mais ou menos um ano apareceu isso. Lu: E teve uma queda que ela caiu na creche também, da gangorra... Mas da creche, assim... Foi uma coisa mais...

Avó: Sabe por que minha preocupação é essa? Eu tinha um irmão, que ele era doente mental... E foi depois que ele bateu a cabeça na guia. Ele já era um rapaz... Ele tinha 17 anos quando aconteceu... Minha mãe fez de tudo pra levar ele no médico e ele não foi... Adolescente, né... Com dois anos depois ele ficou pinel da cabeça... E o médico falou que pode ter sido isso... Pode ter sido a pancada na cabeça! Lu: (...) Os adolescentes deveriam ser tratados com mais atenção... Bem mais atenção e respeito... Em todos os sentidos... Por exemplo, a Raia já teve uma crise na escola e mandaram ela descer a escada sozinha... Isso é um perigo, e se ela cai lá de cima?

Lu: (...) Acho que o pessoal tem muito preconceito ainda... Não sabem lidar, não sabem o que está acontecendo... Tem gente que acha que tem problema e não pode fazer isso e aquilo... Então, deixa eu te contar... A Raia já trabalhou numa pequena fábrica aqui na rua, ela montava umas pecinhas... A mulher... Como ela teve crise lá uma vez, teve uma outra mulher que chegou na dona e falou... Deve ter comentado alguma coisa, falou que a filha dela precisava trabalhar... Ela tirou a Raia e colocou outra menina no lugar... A Raia ficou muito triste, porque ficava lá com a mulher desde pequena, gostava muito da mulher... Ela ficou muito triste, mas hoje já superou, cumprimenta a mulher. Pesquisadora: E o que você fala pra Raia nessa hora? Lu: Eu aconselhei ela a não ficar com raiva... Falei pra deixar pra lá, pra ficar em paz que Deus arrumaria outra coisa pra ela... Falei pra não ficar nervosa, pra não atrapalhar o tratamento, e aí logo veio a tia dela com as crianças pra cuidar... E é isso aí, vamos que vamos.

Há também, nas representações sociais das epilepsias, a impressão de que aqueles que têm as crises, necessariamente, ficarão com atraso

importante no desenvolvimento. Isso ocorre em alguns casos, porém, com questões mais restritas do que o temor e as conjecturas populares insinuam.

Lu: Eu acho que são as ideias... A formação dela pro futuro dela... Às vezes eu fico pensando, porque ela fala muito dos professores.... A faculdade... E eu fico pensando comigo, não falo pra ela: ―Será que ela vai conseguir fazer uma faculdade? Será que ela vai conseguir ser professora de criança pequena?‖... Porque tem uma responsabilidade muito grande... Eu fico mais insegura que ela, não sei se ela pensa nisso... Eu sei que eu penso, ela queria muito ser professora de criança pequena, e desde que ela pensa em ter uma profissão, ela quer ser professora... Ela falava de ser enfermeira, mas deixou pra lá... Mas eu fico assim, será que ela vai conseguir estudar mais que o terceiro colegial? Ela faz as coisas, mas às vezes ela esquece, às vezes não quer ir pra escola, às vezes tá com sono, às vezes se irrita... Mas ela sempre vai pra escola... Às vezes ela tem crise e fala que vai mesmo assim... Eu fico um pouco preocupada, mas isso quando ela não tinha acompanhamento... Ela vai, não tá nem aí... A não ser que ela esteja muito mal... Mesmo ela tendo as dificuldades dela, ela gosta de ir pra escola.

Caso Lui: (Tito) Dá uma certa insegurança, porque... Hoje, quando ele fizer a cirurgia e não tiver mais crise, a gente vai conseguir mensurar o que ele tem de potencial e não tem... Porque até ontem, digamos assim, ficava difícil de falar assim: ―Ele não aprende por que tem uma deficiência dele ou é por causa da epilepsia?‖.