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as estipulações da aliança para Israel

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narrativas patriarcais encontradas em Gênesis, somam-se outras três narrativas, que definem Israel como um povo. das estão registradas no livro de Êxodo (v. Gordon D. Fee; Douglas Stuart, H ow to R ead the B ible Book by Book [2a ed.], p. 35-37). A primeira se refere à libertação miraculosa (o êxodo) da escravidão no Egito, o mais poderoso império do mundo antigo naquela época (Êx 1— 18); a segunda diz respeito ao retorno da presença de Deus, distinguindo seu povo dos demais povos da terra (Êx 33; 40); e a terceira se refere ao fato de Deus reconstituí-los como um povo dedi­ cado ao seu nome, aos pés do monte Sinai (Êx 19— Nm 10.10). Para nós, é até mesmo difícil imaginar a enormidade da dificuldade envol­ vida nesse terceiro caso. Aqui há um povo que apenas conheceu a escravidão e a cultura egípcia durante séculos, mas que estava agora sob o domínio de Deus, cuja finalidade era reconstituir totalmente um novo povo na face da terra. Esse povo não apenas devia ser forma­ do como um exército de guerreiros para conquistar a terra prometida de seus ancestrais, como também precisava constituir-se como uma comunidade, que seria capaz de viver unida durante a estadia no de­ serto e, eventualmente, na terra prometida propriamente dita. Ao mesmo tempo, eles precisavam de direção a respeito de como tinham de ser o povo de D eus — cada um em sua relação com os demais e em sua relação com Deus — , de modo que abandonassem os costumes e a cultura do Egito, e não adotassem os costumes e a cultura dos cananeus, de quem possuiriam a terra.

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E esse é o papel da Lei na história de Israel. Era uma dádiva de Deus para o povo o fato de estabelecer o modo como os israelitas tinham de viver em comunidade, relacionando-se um com o outro, e garantir a relação com Javé, seu Deus, e o culto a ele. Ao mesmo tem­ po, a Lei estabelecia ümites no que diz respeito à relação dos israelitas com as culturas ao redor. Realmente, uma tarefa formidável!

Se nós pretendemos ler e entender bem a Lei, precisamos co­ meçar compreendendo seu papel na própria história de Israel. Ao mesmo tempo, precisamos estar conscientes de sua natureza pactuai — porque nossa compreensão — não apenas da Lei, mas também dos Profetas e da própria história do Novo Testamento acerca da nova aliança — depende disso. Assim, o propósito deste capítulo é guiar você a um bom entendimento da natureza e do papel da Lei(s) em Israel, de modo que possamos também nos questionar sobre o papel dessas leis para aqueles, dentre nós, que vivem sob a nova ahança de Deus com seu povo.

O que é a Lei?

Para apreciar o papel da lei do Antigo Testamento nas Escritu­ ras, precisamos, em primeiro lugar, enfrentar três questões evocadas pela própria linguagem da “lei” na Bíblia. A primeira questão está na própria palavra “lei”, que tem mais de uma conotação quando usada em toda parte das Escrituras: é usada (1) no plural, para refe- rir-se a leis — são os mais de 600 mandamentos específicos que, como era esperado, tinham de ser mantidos como prova de fidelida­ de a Deus (e.g., Êx 18.20); (2) no singular, para referir-se a todas as leis em sua coletividade (e.g., M t 5.18); (3) no singular, para refe­ rir-se ao Pentateuco (Gênesis a Deuteronômio) como o “Livro da Lei” (e.g., Js 1.8); (4) no singular — por alguns escritores do Novo Testamento — , para referir-se, em termos teológicos, a todo o siste­ ma religioso do Antigo Testamento (e.g., IC o 9.20); (5) no singu­ lar — por algumas pessoas do Novo Testamento — , para referir-se à lei do Antigo Testamento (no sentido 2 acima) como foi interpreta­ da pelos rabinos (e.g., Pedro em Atos 10.28). Neste capítulo, nosso interesse é, sobretudo, ajudar os cristãos a ler e entender os usos 1 e 2, a fim de que possam conseguir apreciar o que as muitas estipula-

ções que Deus deu a Israel significaram para os israelitas e como podemos melhor entendê-las como cristãos.

A segunda questão tem a ver com o uso 3, o fato de o próprio Antigo Testamento ser muitas vezes referido como “a L e i” (e.g., “a Lei e os Profetas”, em M t 5.17; Lc 16.16). Duas coisas precisam ser aqui observadas: (1) Os próprios mandamentos são encontrados, quase de forma exclusiva, em apenas quatro dos cinco livros conhe­ cidos como “a L ei”: Exodo, Levítico, Números e Deuteronômio. (2) Esses livros contêm muitos outros materiais além das listas de leis, e esse material é, sobretudo, narrativo (ver cap. 5). A razão para isso é que a lei da aliança entre Javé e Israel, que começa em Êxodo 20, não pode ser entendida à parte da narrativa em que está inserida — incluindo (especialmente) Gênesis, que, de fato, contém apenas um punhado de mandamentos “básicos”, tais como os de 1.28; 9.4-6; e 17.9, leis que não se limitam especificamente a Israel e à sua aliança especial com Javé. Isso ocorre porque não há uma correspondência exata entre o que poderíamos chamar de “leis” e o que poderíamos chamar de “livros da L ei” no Antigo Testamento.

A terceira questão tem a ver com o problema mais difícil para a maioria dos cristãos no que diz respeito a esses mandamentos: o problema hermenêutico. Como qualquer uma dessas formulações legais e específicas se aplicam a nós, ou a eles? Por ser eséa uma questão crucial, começaremos este capítulo com algumas observa­ ções acerca dos cristãos e da Lei, que, por sua vez, nos ajudarão na discussão exegética que se segue.

Os cristãos e a Lei do Antigo Testam ento Começamos notando que não se espera que os cristãos expres­ sem sua lealdade a Deus, mantendo a(s) lei(s) do Antigo Testamen­ to, uma vez que nos relacionamos com Deus sob a nova aliança. E em todo caso, como poderia alguém agir assim, uma vez que não há mais qualquer templo ou santuário central em cujo altar você possa oferecer coisas como a carne dos animais (Lv 1— 5)? De fato, se você matar ou queimar animais como descrito no Antigo Testamento, você provavelmente poderia ser preso por crueldade a animais! M as se nós não temos a pretensão de observar a(s) Lei(s) do Antigo Testamento,

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então o que Jesus quis dizer quando disse: “Pois em verdade vos digo: Antes que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará uma só letra ou um só traço da Lei, até que tudo se cumpra” (Mt 5.18)? Essa questão requer uma resposta sobre com o a lei do Antigo Testa­ mento ainda funciona para os cristãos.

Sugerimos seis diretrizes iniciais para a compreensão do rela­ cionamento entre o cristão e a lei do Antigo Testamento. Essas diretrizes exigirão explicações. Algumas delas incluímos logo a se­ guir, e outras aparecerão de forma mais detalhada posteriormente neste capítulo.

1. A lei do A ntigo T estam ento é um a aliança. Uma aliança é um contrato obrigatório entre duas partes, e as duas têm obrigações espe­ cíficas na aliança. Nos tempos do Antigo Testamento, alianças eram, com frequência, outorgadas por um suserano com todos os poderes (o chefe supremo) a um vassalo (servo) mais fraco e dependente. Ele garantia ao vassalo benefícios e proteção. O vassalo, por sua vez, era obrigado a ser leal somente ao suserano, com a advertência de que qualquer deslealdade resultaria em castigos, conforme as especificações estabelecidas na aliança. Como o vassalo deveria demonstrar lealda­ de? Ele tinha de guardar as estipulações (regras de conduta) especificadas na aliança. Enquanto o vassalo observava as estipula­ ções, o suserano sabia que o vassalo era leal. No entanto, quando as estipulações eram violadas, o suserano tinha o dever, segundo a aliança, de tomar providências para castigar o vassalo.

O que é importante você ter em mente é que, ao fazer aliança com Israel no Sinai, Deus usou essa forma de aliança bem conhecida quando ele constituiu o contrato obrigatório entre si (Javé = “o

Se n h o r” ) e seu vassalo, Israel. Em troca dos benefícios e da prote­ ção, Israel tinha de guardar as várias estipulações (i.e., mandamen­ tos) contidas na lei da aliança, como se pode ver em Exodo 20— Deuteronômio 33.

O formato da aliança compunha-se de seis partes: preâmbulo, prólogo, estipulações, testemunhas, sanções e cláusula do documento.

O preâ m b u lo identificava as partes para o acordo (“Eu sou o Se n h o r teu Deus” [Êx 20.2]), enquanto o p rólogo apresentava um breve his­ tórico sobre como as partes se uniram uma à outra (“que te tirou da

terra do Egito...” [Êx.20.2]). As estipulações, como notamos, são as próprias leis individuais. As testem unhas são aquelas que farão cum­ prir a aliança (o próprio Senhor, ou algumas vezes “o céu e a terra”, uma forma de dizer que toda a criação de Deus está comprometida com a manutenção da aliança — e.g., D t 4.26; 30.19). As sanções são as bênçãos e as maldições que funcionam como incentivos para a ma­ nutenção da aliança (e.g., Lv 26 e D t 28— 33). A cláusula do docu­

m ento é a provisão para a revisão regular da aliança, para que esta não seja esquecida (e.g., D t 17.18,19; 31.9-13). As duas primeiras afir­ mações da Lei (no Sinai, Êx 20— Lv 27, com complemento em Nú­ meros) e a segunda afirmação (pouco antes da conquista, como se vê em Deuteronômio) refletem esse formato em seis partes.

A importância dessa primeira observação pode ser ainda mais enfatizada. E a natureza pactuai que torna “a Lei” tão importante para nosso entendimento do Antigo Testamento como um todo. Com o tal, é uma parte essencial da h istó ria de Israel (ver cap. 5, p. 109-114), que também explica em parte por que as próprias “leis” parecem ser, em geral, tão estranhamente organizadas. Além do mais, sem a natureza pactuai da Lei, você não será capaz de en­ tender o papel dos profetas em Israel (ver cap. 10). Assim, embora não se espere que “guardemos” essas leis, elas são essenciais para nos­ sa leitura e nosso conhecimento sempre que vamos apreciar/a histó­ ria bíblica— a história de Deus — e o nosso próprio lugar na história.

2. O A ntigo T estam ento não é nosso Testamento. Testamento é outra palavra para “aliança”. O Antigo Testamento representa a an­ tiga aliança de Deus com Israel, feita no monte Sinai, que já não estamos mais obrigados a guardar. Logo, dificilmente podemos co­ meçar pressupondo que a antiga aliança deva automaticamente ser obrigatória para nós. Na realidade, devemos pressupor que nenhum a das estipulações (leis) são obrigatórias para nós, a não ser que sejam

ren ova d a s na nova aliança. Ou seja, a menos que uma lei do Antigo Testamento seja de alguma forma reformulada ou reforçada no Novo Testamento, já não é diretamente obrigatória para o povo de Deus (cf. Rm 6.14,15). Já houve mudanças entre a antiga aliança e a nova aliança. As duas não são idênticas. Deus espera do seu povo — de nós — evidências de obediência e de lealdade diferentes daquelas

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que esperava dos israelitas do Antigo Testamento. A lealdade pro­ priamente dita ainda é esperada de nós. De certa forma, é o modo como a pessoa demonstra a lealdade que foi alterado.

3. D ois tipos de estipulações da a n tiga aliança não fo r a m claram en ­ te ren ova d os n a n o v a aliança. Apesar de reconhecermos que precisa­ ríamos de um livro inteiro para dar um tratamento completo às categorias da lei do Antigo Testamento, podemos agrupar a parte das leis do Pentateuco que não mais se aplicam aos cristãos, de for­ ma conveniente, em duas categorias: (1) as leis civ is israelitas e (2) as

leis rituais israelitas. Essas leis não mais se aplicam a nós, embora haja ou tra s leis do Antigo Testamento que ainda se aplicam a nós (ver o tópico 4, logo adiante).

As leis civ is são aquelas que especificam penalidades para vários crimes (grandes e pequenos). Por causa deles, uma pessoa podia ser presa e processada em Israel. Essas são as leis que governavam a vida diária de Israel como povo de Deus, em sua inter-relação com os demais israelitas e em sua relação com sua própria cultura. Assim, quando você as lê, pense no papel que elas exerciam na antiga soci­ edade israelita; e pense também no modo como elas revelam algo sobre o próprio caráter de Deus. Por outro lado, tais leis se aplicam somente aos cidadãos do Israel antigo, e ninguém que vive hoje é um cidadão do Israel antigo.

As leis rituais constituem-se no maior bloco único de leis do Anti­ go Testamento, e se encontram em todas as partes de Levítico, bem como em muitas partes de Exodo, Números e Deuteronômio. Essas leis informavam o povo de Israel o modo como devia levar a efeito a prática da adoração, com todos os detalhes, desde o formato dos implementos da adoração até as responsabilidades sacerdotais e os tipos de animais que poderiam ser sacrificados, e o modo como seriam sacrificados. O sacrifício (o cerimonial de matar, cozer e comer) dos animais fazia parte central do modo veterotestamentário de adorar a Deus. Sem o derramamento de sangue, nenhum perdão dos pecados era possível (ver Hb 9.22). No entanto, quando foi feito o sacrifício de Jesus, de uma vez para sempre, essa abordagem da antiga aliança tornou-se imediatamente obsoleta. Já não mais figura na prática cristã, embora a adoração — do modo descrito na n ova aliança — continue.

M as alguém pode perguntar: “Jesus não disse que nós ainda estamos sob a Lei, uma vez que de modo nenhum passará uma só letra ou um só traço da Lei, até que tudo se cumpra?”. A resposta é: não; ele não disse isso. O que ele disse (ver Lc 16.16,17) era que a Lei não pode ser mudada. Jesus veio para estabelecer uma nova aliança (ver Lc 22.20;cf. H b 8— 10), e assim fazer com que o pro­ pósito da antiga fosse “cumprido” , e o tempo da antiga aliança che­ gasse ao fim. Jesus chamou o cumprimento propriamente dito de “novo mandamento” — a lei do amor (Jo 13.34,35).

Há muitas analogias modernas com essa mudança de estipula­ ções de aliança à aliança. No caso de contratos de trabalho, por exem­ plo, um novo contrato pode especificar diferenças das condições de trabalho, estruturas diferentes dos quadros de mão de obra, escalas diferentes de pagamentos, etc. Mesmo assim, pode também manter certos aspectos do antigo contrato — a hierarquia das posições no emprego, períodos de descanso, disposições contra a demissão arbi­ trária, etc. Ora, um contrato de trabalho dificilmente estaria no mesmo patamar da aliança entre Deus e Israel, mas é um tipo de aliança e, portanto, ajuda a ilustrar de modo familiar o fato de que uma nova aliança pode ser bem diferente de uma antiga aliança, mas

não é necessário que seja tota lm en te diferen te. E exatamente assim que

acontece com as alianças bíblicas. /

4. P arte da an tiga aliança é renovada na n ova aliança. A que parte da antiga aliança nos referimos? A resposta é que alguns aspectos da lei

ética do Antigo Testamento são realmente reafirmados no Novo Tes­ tamento, como aplicáveis aos cristãos. M as tais leis derivam sua aplicabilidade contínua do fato de que elas servem para apoiar as duas leis básicas da nova aliança, das quais dependem toda a lei e os Profe­ tas (Mt 22.40): “Amarás o Se n h o r, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6.5) e “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19.18). Jesus, portanto, extrai algumas leis do Antigo Testamento, dando-lhes nova aplicabilidade (leia M t 5.21-48), e redefinindo-as em termos do amor ao próximo, mais do que simplesmente em termos de uma proibição a ser mantida. Assim, dizemos que aspectos, mais do que simplesmente as próprias leis, são renovados da antiga aliança para a nova.

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5. A totalidade da lei do A ntigo T estam ento ain da é a P alavra de

D eus p a ra nós, m esm o que ain da não con tin u e a ser o m andam en to de D eus p a ra nós. A Bíblia contém muitos tipos de mandamentos que Deus quer que conheçamos, que não são dirigidos pessoalmente a nós. Se não estamos preocupados em construir parapeitos ao redor do telhado de nossas casas (D t 22.8), devíamos nos deleitar, pelo menos, em um Deus que cuida para que seus hóspedes não caiam do telhado com o qual não estão familiarizados, e assim ensinou seu povo a construir suas casas com esse tipo de amor ao próximo em mente. Isso se ajusta ao nosso entendimento da Lei como parte da história de Israel, uma vez que não podemos reconhecer a relevância de nossa história, sem conhecer bem como a Lei funcionava na his­ tória de Israel, a história da aliança anterior.

6. S om ente aquilo que é ex plicitam ente ren ova d o da lei do A ntigo

T estam ento p o d e ser considerado p a r te da “lei d e C risto” no N ovo Testa­ m en to (cf. G1 6.2). Incluídos em tal categoria estariam os Dez M an­ damentos, visto serem citados de várias maneiras no Novo Testamento como sendo ainda obrigatórios para os cristãos (ver M t 5.21-37; Jo 7.23), bem como os dois grandes mandamentos em Deuteronômio 6.5 e Levítico 19.18. Não se pode comprovar que qualquer outra lei do Antigo Testamento é rigorosamente obrigatória para os cristãos, por mais valioso que seja para os cristãos conhecerem todas as leis.

O papel da Lei em Israel e na Biblía

Embora as leis do Antigo Testamento não sejam as nossas leis, seria um erro concluir que a Lei já não é mais uma parte valiosa da Bíblia. Pelo contrário, ela não apenas funciona na história da salva­ ção para nos conduzir a Cristo, como diz Paulo (G1 3.24), como também sem ela não seriamos capazes de entender o que significa para Israel ser o povo de Deus. Observe bem que, em parte alguma no Antigo Testamento, se sugere que alguém foi salvo por guardar a Lei. Antes, a Lei era uma dádiva de Deus para Israel — era o modo de estabelecê-los à parte de seus vizinhos pagãos, de estabelecer esti- pulações e limites para sua conduta, a fim de que eles pudessem conhecer o modo como eles tinham de amar o Senhor, seu Deus, e o próximo. Isso ocorre porque, no Antigo Testamento, o justo regu­

larmente expressa deleite na lei de Deus (e.g., SI 19 e 119). E quando o povo não guardava a Lei com perfeição, Deus também' lhes pro­ porcionava meios de perdão e reconciliação.

O problema de Israel no Antigo Testamento não era com sua incapacidade de guardar a Lei; era com a sua escolha por não fazer isso. A história de Israel, como registrada em muitas partes do Antigo Testamento, é uma história extensa e triste de desobediência, de cons­ tante simpatia e atração pelos “deuses” de seus vizinhos. Isaías viu claramente que o povo se tornara semelhante aos deuses que eles ado­ ravam; por isso, Israel é descrito como pessoas que têm olhos, mas não veem, têm ouvidos, mas não ouvem — tais como os ídolos que adora­ vam e para os quais eram atraídos. Assim, em vez de ser o povo de Javé — um povo que expressava o caráter divino de justiça e misericórdia, cuidando dos necessitados na terra, etc. — , eles eram cheios de ganân­ cia, caprichos e imoralidade sexual, como os baalins dos cananeus.

Assim, conhecer bem o papel da Lei em Israel é algo especial­ mente importante, porque nela vemos exemplos do próprio caráter de Deus sendo expresso nas leis que ele deu a Israel acerca de como este deveria louvá-lo e viver em uma relação de amor com o próximo. E aqui nós entendemos por que tinha de haver uma nova aliança acompanhada do dom do Espírito (Ez 36.25-27; 2C o 3.6), para que o povo de Deus carregasse sua semelhança, conforme a^magem de seu Filho (Rm 8.29).

Tudo isso só para dizer novamente que a Lei não era vista como um “meio de salvação” em Israel. Ela não tinha esse intuito, e nem havia possibilidade de funcionar desse modo. Antes, ela funcionava como um modo de estabelecer lealdade entre Deus e seu povo. A Lei simplesmente representava os termos do acordo de lealdade que Israel tinha com Deus.

A Lei, nesse sentido, portanto, consta como um paradigma (modelo). Dificilmente poderia ser uma lista completa de todas as coisas que uma pessoa poderia ou deveria fazer para agradar a Deus no Israel antigo. A Lei representa, pelo contrário, exemplos ou mo­ delos daquilo que significa ser leal a Deus. Para ajudá-lo em sua leitura das leis, deve ser útil compreender as duas formas básicas em que elas foram entregues.

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Lei apodítica

À luz daquilo que acaba de ser dito, considere a seguinte passagem:

Quando fizerdes a colheita da tua terra, não colherás totalmente nos cantos do campo, nem recolherás as espigas caídas da tua colheita. D a