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5. DESCRIÇÃO DA INTERVENÇÃO LETIVA

5.2. Estratégias cooperativas

A maior parte do trabalho desenvolvido pela turma foi organizado em pequenos grupos. Para que a aula seja cooperativa não é suficiente distribuir os alunos em grupos para realizarem tarefas (Magalhães, 2014; Johnson & Johnson, 2014; Schul, 2011; Sharan, 2014; Slavin, 2014). A aula cooperativa pressupõe um conjunto de regras de comportamento interpessoal e de grupo. Era necessária uma descrição detalhada dos procedimentos e um trabalho prévio em certas competências (Arends, 2008a). Apresentam-se de seguida as estratégias seguidas com o objetivo de estruturar o trabalho dos grupos e reforçar as competências cooperativas dos alunos, identificando-se as opções tomadas em relação a procedimentos de transição, composição dos grupos e atribuição de tarefas. Termina-se com a descrição do funcionamento das aulas.

5.2.1. Estruturar o trabalho cooperativo

No primeiro período letivo os alunos começaram a organizar-se de forma diferente, formando pequenos grupos de trabalho cujos membros tinham funções estruturais (moderador, secretário, verificador, cronómetro). O objetivo era estruturar o trabalho dos grupos de forma a criar rotinas que pudessem vir a torná-lo mais produtivo e autorregulado. A atribuição de funções promoveu a interdependência das tarefas (Hmelo-Silver, 2004; Pawson et al., 2006; Sharan, 2014) e refletiu-se na interação dos alunos no grupo. Os alunos trabalhavam em conjunto para alcançar objetivos partilhados e se não se entreajudassem o grupo não alcançava esses

objetivos, impedindo o aluno de alcançar os seus objetivos individuais. O grupo compartilhava recursos, constituindo um sistema de apoio que reforçava o esforço mútuo e desenvolvia o espírito de equipa. Os alunos desempenharam tarefas individuais, mas o seu sucesso dependia do sucesso do grupo (Arends, 2008a; (Chulkov & Nizovtsev, 2015; Dolmans et al., 2005; Dolmans & Schmidt, 2006; Gillies e Boyle, 2010; Magalhães, 2014; Savin-Baden & Major, 2004; Slavin, 2014).

Seguindo Magalhães (2014) e Sharan (2014), que recomendam a utilização inicial de estruturas cooperativas mais simples para estabelecer uma transição suave entre o trabalho individual e o trabalho em grupo e testar a sua aplicação, recorreu-se à abordagem Jigsaw. Os alunos foram distribuídos por pequenos grupos heterogéneos. Cada elemento do grupo escolheu uma parte da matéria. Os alunos transferiram-se para um novo grupo constituído por aqueles que escolheram o mesmo tópico nos vários grupos (grupo de especialistas). Os alunos trabalharam em conjunto e depois cada especialista apresentou os seus resultados ao seu grupo original que finalizou o trabalho (Schul, 2011; Sharan, 2014).

Tendo-se verificado a capacidade de os alunos trabalharem em pequenos grupos, desenvolvemos no segundo período letivo estratégias de trabalho que exigiam maior autonomia e autorregulação. A forma como os alunos se organizaram revelou a sua capacidade de planear e estruturar o trabalho de grupo. Seguindo Graaff e Kolmos (2003), cada grupo determinou as tarefas dos seus membros. Os alunos inicialmente duplicavam o trabalho do grupo, mas adquiriram, entretanto, uma rotina e dinâmica cooperativa que agilizavam o trabalho — os alunos dividiam as tarefas entre si e entreajudavam-se.

5.2.2. Desenvolver competências cooperativas

Serrano e Pons (2014) destacam que o trabalho cooperativo só é possível se os alunos estiverem dispostos e se forem capazes de cooperar. As competências cooperativas incluem liderança, decisão, confiança, comunicação, gestão de conflitos e monitorização (Gillies & Boyle, 2010; Johnson & Johnson, 2014). Sharan (2014) destaca ainda a capacidade de planear, organizar e avaliar o seu trabalho. Os alunos devem ser capazes de ouvir os outros, fazer perguntas, discutir os temas e fundamentar as suas posições (Gillies & Boyle, 2010). Arends (2008a) e Savin- Baden e Major (2004) distinguem competências sociais e competências de grupo.

Alguns alunos da turma mostraram não ter certas competências cooperativas, tendo sido necessário exemplificar, demonstrar e modelar essas competências e criar oportunidades para eles as praticarem. Alguns grupos tinham alunos com personalidade dominante que impunham as suas opiniões aos restantes elementos do grupo. A aceitação passiva dos colegas pervertia a dinâmica cooperativa e impedia que cada um contribuísse de forma construtiva para a solução final. A correção desta situação obrigou à intervenção do professor para estruturar o trabalho de grupo (trabalho de pares, divisão de tarefas), reforçando a interdependência e fomentando o “trabalho de equipa” e a interajuda (Arends, 2008a; Gillies & Boyle, 2010). Alunos com uma postura adequada ao esforço cooperativo utilizavam o trabalho dos colegas como base do seu e trabalhavam eficazmente com colegas menos competentes. De fato, Gillies e Boyle (2010) referem que os alunos aprendem melhor em grupos heterogéneos. A liderança destes alunos levava os colegas a acompanharem o seu ritmo de trabalho. Mas o aluno entrevistado refere que as decisões eram feitas “por consenso, entre uns e outros, quando estávamos todos de acordo”. Hmelo-Silver (2004) considera que os alunos devem ser capazes de estabelecer uma base comum, resolver diferenças, negociar a ação coletiva e chegar a um consenso. Dolmans et al. (2005) e Dolmans e Schmidt (2006) referem também a partilha de responsabilidades e a necessidade de fazer acordos.

5.2.3. Procedimentos de transição

A transição dos alunos para os computadores dava-se sem necessidade de muita orientação. A turma tinha interiorizado um conjunto de regras e de procedimentos de inicio, de transição e de fim de atividades. Conforme Pereira (2013), o reforço sistemático de certos comportamentos pela professora cooperante tinha desenvolvido hábitos e focalizado comportamentos adequados. Esses procedimentos facilitaram aulas com multitarefas e trabalho autónomo de pequenos grupos. Como menciona Arends (2008b), as rotinas relativas à transição de atividades ou a diferentes tempos de conclusão e os procedimentos de monitorização do trabalho dos alunos e da gestão dos materiais adquirem uma importância redobrada em aulas a várias velocidades, organizadas em pequenos grupos e com tarefas diferenciadas.

5.2.4. Composição e dimensão dos grupos

Os alunos agruparam-se segundo uma lógica afetiva. Os grupos resultantes não eram equilibrados e obrigaram à sua alteração. Os grupos tenderam a manter-se estáveis, como sugere Rhem (1998). Johnson e Johnson (2014) recomendam grupos estáveis para a totalidade das tarefas em turmas grandes e matérias complexas e Slavin (2014) sugere mudar a composição dos grupos a cada 6 a 8 semanas. Pawson et al. (2006) sugerem que grupos fixos promovem o desenvolvimento de competências de grupo. A manutenção dos grupos ao longo de várias aulas permitiu aos alunos desenvolver rotinas eficazes de trabalho cooperativo.

Os grupos tinham geralmente 4 elementos, pelo que os alunos tinham de se organizar e dividir entre si as tarefas. Na APB os alunos trabalham usualmente em grupos de 4 a 6 elementos (Chulkov & Nizovtsev, 2015; LaLopa & McDonald, 2002; Pawson et al., 2006; Rhem, 1998; Ungaretti et al., 2015). Schul (2011) defende que grupos de 4 ou 5 elementos são suficientemente pequenos para permitir a participação de todos e suficientemente grandes para potenciar a diversidade. Gillies e Boyle (2010) mencionam estudos que indicam que os alunos aprendem melhor em grupos de 3 ou 4 elementos e Dolmans e Schmidt (2006) consideram que a autorregulação dos alunos e a valorização da discussão é maior em grupos de pequena e média dimensão onde os alunos têm maior facilidade de participação.

5.2.5. Distribuição de tarefas

As tarefas foram distribuídas com base no perfil dos alunos. Como reconheceu o aluno entrevistado, “a divisão de tarefas e encontrar o perfil adequado não foi fácil”. A agregação das tarefas facilitou a constituição de pequenos grupos com várias tarefas homogéneas e diferentes níveis de dificuldade e laboriosidade. A existência de tarefas diferentes e de grupos com ritmo de trabalho variado fez com que certos grupos terminassem mais cedo. Para antecipar esta situação, os professores reviam frequentemente o trabalho e a composição dos grupos, estabelecendo prioridades e definindo as tarefas que os alunos iriam desempenhar de seguida — novas tarefas, reforçar os grupos mais atrasados ou substituir alunos ausentes, conforme sugerido em Arends (2008b). A monitorização dos grupos assegurou a continua afetação de recursos humanos no esforço conjunto da turma,

conforme lembrou a professora cooperante — “Fizemos a reconversão das tarefas e distribuímos as tarefas pelos grupos. A antecipação destes momentos de transição exigiu preparação, ponderação das variáveis e reflexão.” De fato, Dolmans et al. (2005) recomendam a avaliação regular do funcionamento dos grupos e Amador, Miles e Peters (2006) que o professor assuma o papel de gestor dos grupos de trabalho. Chulkov e Nizovtsev (2015) destacam também o papel do professor na organização dos grupos e da dinâmica interpessoal.

5.2.6. Trabalho de grupos autorregulados

Os grupos trabalharam paralelamente em diferentes abordagens, explorando as várias hipóteses e avaliando o resultado das suas experiências. Na discussão de soluções alternativas, o professor indicava pontualmente opções adicionais e pequenas correções, como recomendado por Ungaretti et al. (2015). Os professores acompanhavam a evolução dos trabalhos, dividindo-se e circulando entre os grupos para lhes dar assistência individual de acordo com as suas necessidades. Hmelo- Silver (2004) refere que esta prática reforça a avaliação dinâmica do progresso de cada grupo e permite ao professor ajustar a sua intervenção. Seguindo LaLopa e McDonald (2002), o professor clarificava as questões dos alunos, esclarecia as suas dúvidas e interpelava-os com questões, comentários e objeções que os ajudavam a elaborar um projeto mais robusto e os obrigavam a justificar as suas opções. Savin- Baden (2003) e Sharan (2014) consideram estas estratégias de questionamento promotoras de um ambiente cooperativo. Como disse a professora cooperante, “é importante despertar a curiosidade dos alunos, deixá-los pensar e criar. Aproveitar o que os alunos pensam. Propor-lhes desafios, introduzir novas variáveis na discussão e abrir portas, ajuda-los a espreitar, perguntar — E se fosse assim?” O papel do professor não era liderar os grupos nem resolver os problemas, mas convidar os alunos à reflexão sobre o seu percurso (Arends, 2008a; Magalhães, 2014; Slavin, 2014). Com o apoio do professor, os alunos foram capazes de desenvolver sozinhos o seu trabalho e ultrapassar situações de impasse ou bloqueio.

Atividades sem uma solução predefinida obrigaram os alunos a trocar ideias, discutir a organização e os resultados do seu trabalho (Gillies & Boyle, 2010). Na construção do orçamento do evento, por exemplo, os alunos calcularam os valores de variáveis com nomes e valores numéricos realistas, conforme Sharp (2003), mas não

havia uma única solução correta. Como Chng et al., (2011), Mergendoller et al. (2000) e Maxwell et al. (2004) sugerem, foi preparado um ficheiro Excel para apoiar e alargar o âmbito do trabalho dos alunos e apontar possíveis soluções. A componente mais prática do projeto, por outro lado, potenciou um espírito de convivialidade entre os alunos que abrangeu mesmo os socialmente menos integrados. Os alunos entreajudaram-se sem qualquer espírito competitivo. Predominava um espírito de colaboração. Slavin (2014) salienta a importância de um ambiente pró-social onde cada um se possa expressar e receber feedback. Como defendem Hmelo-Silver (2004) e Savin-Baden e Major (2004), os alunos centraram- se em melhorar e em responder a ideias propostas pelos outros. A professora cooperante disse que “o foco esteve no desafio coletivo, desenvolver como equipa o projeto e resolver o problema. (...) Mesmo os alunos mais frágeis conseguiram entregar algo para o projeto, colaborar em alguma coisa, ajudar o esforço coletivo.”

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