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Estratégias de coping dos doentes com doença oncológica na fase final

No que diz respeito às estratégias de coping utilizadas pelos doentes inquiridos neste estudo, a análise da estatística descritiva, permitiu verificar que recorreram a diferentes tipos de estratégias no decurso desta fase da doença. Provavelmente algumas terão sido utilizadas pelos doentes em simultâneo, mesmo que aparentemente contraditórias, assim como se terão alterado em função da avaliação que iam fazendo do impacto dos sintomas, das limitações com que se iam deparando. A opção preferencial por determinado tipo de estratégia (s) poderá, ter sido condicionada não só pela avaliação da situação, mas também por fatores pessoais e situacionais. Torna-se assim compreensível que, em função nomeadamente desses fatores, as pessoas procurem adotar estratégias centradas nas emoções ou centradas no problema que poderão ou não coexistir (Lazarus & Folkman, 1986).

Os dados apontaram para um recurso preferencial a estratégias centradas na emoção, como o “evitamento cognitivo” e o “fatalismo” na tentativa de amortecer o impacto psicológico. Este resultado, era de algum modo esperado pela perceção que fomos adquirindo do contacto com os doentes durante a investigação, contrariamente o verificado no estudo de Greer e Watson (1987). No estudo desenvolvido por estes autores em doentes com doença oncológica em estadio avançado ou de doença generalizada, verificou-se uma incidência estatisticamente significativa da resposta de coping de tipo “preocupação ansiosa” que foi

183 considerada mal adaptativa. No presente estudo, um maior recurso dos doentes às estratégias de tipo “evitamento cognitivo” e “fatalismo” revelou que muitos doentes quando se viram confrontados com a possibilidade de morrer, recorreram ao “evitamento cognitivo”, tentando intencionalmente afastar todos os pensamentos sobre a doença, procurando outros focos de atenção que lhes proporcionassem um estado emocional mais positivo. Contudo outros doentes, pelo facto de se sentirem impotentes para controlar a situação, recorreram ao “fatalismo “ colocando as suas vidas nas mãos e Deus e dos profissionais de saúde, tentando viver um dia de cada vez da melhor forma possível. O recurso a este tipo de estratégias poderá revelar uma aceitação resignada face à perceção da aproximação do fim de um percurso, mais ou menos longo, da doença oncológica. Estes dados vêm corroborar a perspetiva de vários autores de que as pessoas quando confrontadas com situações perante as quais percecionam já não ser possível qualquer atuação para a alterar, tendem a adotar estratégias de evitamento como respostas para controlar o stress e reduzir o seu impacto psicológico (Carver, 1997; Carver et al., 1989; Carver & Sheier, 1994; Lazarus, 2000). As restantes estratégias de coping de tipo “espírito de luta”, “preocupação ansiosa” e “desânimo-fraqueza” foram menos adotadas. Provavelmente foram sendo adotadas em determinados momentos em função da avaliação da situação da doença, da avaliação dos seus recursos nomeadamente familiares e sociais ou foram utilizadas preferencialmente apenas por alguns doentes em função da sua personalidade, da sua capacidade de resiliência e das suas crenças. Assim, alguns doentes circunstancialmente, adotaram um coping mais confrontativo, recorrendo ao “espírito de luta”, conscientes da sua situação mas acreditando que podiam de algum modo controlar a situação, percecionando a doença com um desafio a vencer. Outros doentes, quando confrontados com o agravamento da doença, adotaram a “preocupação ansiosa”, evidenciando uma postura de revolta e de raiva face à mesma, procurando incessantemente controlar a situação. Outros doentes adotaram o “desânimo-fraqueza” revelando uma postura de descrença face à sua situação, uma atitude pessimista e de desistência, acompanhada de perceção de perda total de controlo e de incapacidade para lidar com a situação.

7.3.1. Influência das variáveis sócio-demograficas nas estratégias de coping dos doentes com doença oncológica na fase final de vida

No que concerne ao género verificou-se que, do conjunto das estratégias utilizadas pelos doentes, apenas as estratégias “desânimo/fraqueza” e o “espirito de

184 luta” apresentavam uma diferença significativa. Assim, enquanto que nos homens se evidenciou o recurso preferencial à estratégia de tipo “espirito de luta,” nas mulheres foi a estratégia de tipo “desânimo/fraqueza”. Um maior recurso, por parte das mulheres, a este tipo de estratégia centrada nas emoções quando confrontadas com a sua doença oncológica foi também constatado por Santos (2003) em doentes na fase após diagnóstico de doença oncológica e por Pinto (2007) em jovens e adultos sobreviventes de cancro. Segundo Santos (2003) a tendência das mulheres para apresentar uma representação mais negativa face à doença oncológica do que os homens poderá ser uma variável explicativa para o recurso ao “desânimo/fraqueza” para lidar com este tipo de doença. Alguns autores também apontam para uma possível influência do género no tipo de respostas de coping (Daly & Juban, 1999; Hagedoorn et al., 2000). Segundo Bird e Rieker (1999) face a uma situação geradora de stress, nomeadamente a doença, as mulheres reagem de forma diferente, tendendo a apresentar níveis elevados de stress psicológico. Esta diferença é, na sua perspetiva, devida à combinação de fatores sociais e biológicos baseados na componente hormonal, mas também reforçada pelo processo de socialização do género nas sociedades acuais, isto é, sobre os sentimentos e comportamentos socialmente aceitáveis para cada um dos géneros.

Relativamente à idade, os resultados apontaram para uma tendência no sentido de que à medida que a idade dos doentes avançava e face à perceção de que as suas vidas se ia aproximando do fim, foram recorrendo menos a estratégias consideradas de confronto, do tipo “preocupação ansiosa” e “espírito de luta”, progredindo para uma aceitação mais resignada da situação. Frequentemente os doentes nos expressaram claramente e convictamente esta aceitação, referindo que apenas temiam o sofrimento nos seus derradeiros momentos de vida.Também Sapeta e Lopes (2007) na meta síntese efetuada com o objetivo de identificar os fatores que interferem no processo de interação entre o enfermeiro e o doente em fim de vida, relativamente às características do doente e à variável idade, encontraram uma referência no estudo de Ryan (2005), no qual a idade avançada facilitava o processo de aceitação da doença e do fim da vida.

Os estados civis de união de facto e casado estiveram associados a um maior recurso às estratégias de tipo “preocupação ansiosa”, “ fatalismo” e “espirito de luta”. Este leque de estratégias de coping que foram sendo utilizadas pelos casais oscilou pois, entre o denominado “fighting spirit “ consideradas por Greer e Watson (1987) mais adaptativas e o “ helpless/hopeless” menos adaptativas. Este facto poderá ser explicado não só pela avaliação que os doentes foram fazendo da situação da sua doença como também pelo apoio que sentiram do conjugue ou do

185 parceiro ao longo de todo o processo. Por outro lado, os não casados (solteiros, separados e viúvos) apresentaram uma maior tendência para a adoção de estratégias de tipo “desânimo/fraqueza”. Nesta circunstância o recurso a este tipo de estratégia poderá significar que os possíveis fornecedores de suporte, como os familiares, os amigos e as pessoas significativas, não foram considerados por estes doentes como um recurso possível e vantajoso para lidarem com os problemas e preocupações com que se foram confrontando, provavelmente por falta de tempo de contato, de intimidade e de compromisso.

Relativamente à escolaridade, apenas se verificou uma correlação fraca, positiva e pouco significativa a nível da estratégia “espírito de luta”. Assim uma maior escolaridade dos doentes favoreceu o recurso à estratégia “espírito de luta” tradutora de um coping ativo. Este dado confirma a perspetiva de Carver e colaboradores (1989) segundo os quais as pessoas com melhores habilitações, tendem a recorrer a estratégias consideradas adaptativas tradutoras de um coping ativo. Um melhor nível de escolaridade terá permitido aos doentes uma melhor compreensão sobre a sua situação e uma perceção de que os seus conhecimentos seriam um contributo importante para controlar a situação. Para alguns doentes, esta estratégia traduzia-se na adoção de uma atitude de otimismo e esperança em vencer a doença, para outros na determinação para continuar a lutar por uma vida mais longa com o menor sofrimento possível.

A religião também terá influenciado o tipo de estratégias de coping adotadas. Assim os “crentes”, isto é, aqueles que professavam uma religião ou crença recorreram preferencialmente a estratégias do tipo “fatalismo”, colocando as suas vidas nas mãos de Deus, e por vezes do tipo “evitamento cognitivo” revelando assim uma tendência para uma aceitação resignada ou para uma abstração da situação. Se por um lado este resultado nos surpreende, esperando dos “crentes,” nesta circunstância, uma atitude mais pró-ativa e determinada, por outro lado é compreensível que uma orientação espiritual influencie o tipo de resposta, na medida em que ao oferecer uma filosofia de vida, também proporciona suporte, propósito e sentido no decurso das situações crise (Hill & Pargament, 2003; Jenkins & Pargament, 1995). Por outro lado, sendo os “crentes” de confissão cristã também é compreensível este tipo de resposta nesta situação particular, uma vez que para os cristãos a morte está associada à crença numa vida para além da morte e por isso a vida não fará sentido senão for vivida para a eternidade. Assim é esperado que o cristão aceite a morte, na firme esperança de que chegará por Cristo e em Cristo à ressurreição (Cifuentes, 2002).

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7.3.2. Influência das variáveis da doença nas estratégias de coping dos doentes com doença oncológica na fase final de vida

Considerando o tempo após diagnóstico da doença oncológica, constatou-se que quanto maior foi o tempo decorrido de doença, maior foi o recurso à estratégia de tipo “fatalismo” nos doentes na fase final de vida. O recurso preferencial a esta estratégia poderá significar que os doentes se foram progressivamente consciencializando da irreversibilidade da doença e da possibilidade de morrer. Por esta razão foram alterando a sua escala de valores, procurando aproveitar a vida que ainda lhes restava da melhor forma possível, privilegiando o convívio com as pessoas mais significativas e procurando ainda concretizar alguns projetos e aspirações.

Os doentes que no decurso da sua doença foram submetidos a “tratamento cirúrgico e não cirúrgico” adotaram mais o “fatalismo” relativamente aos que não fizeram “nenhum” tratamento. Tal poderá significar que os doentes submetidos a “tratamento cirúrgico e não cirúrgico” tiveram a perceção que, relativamente à sua doença, foram implementados os tratamentos possíveis e por esta razão foram aceitando passivamente a situação.

No que diz respeito à relação entre o tipo de assistência no serviço de cuidados paliativos e o tipo de estratégias de coping, no momento da colheita de dados, verificou-se que os doentes assistidos na “consulta externa” preferencialmente ao “fatalismo” e os doentes em situação de “internamento” revelaram estar a recorrer mais às estratégias de tipo “preocupação ansiosa” e “desânimo/fraqueza”. A consciência por parte dos doentes, de que a necessidade de internamento, se justificava pelo agravamento do estado geral ou pela necessidade de controlo de sintomas em meio hospitalar, poderá explicar a adoção deste tipo de estratégias. Relativamente à influência do tipo de assistência tida nos serviços de cuidados paliativos, isto é do acompanhamento através de “consulta externa”, de “internamento” ou de “consulta externa e internamento”, na adoção do tipo de estratégias de coping, os resultados evidenciaram ter existido um maior recurso à estratégia de tipo “preocupação ansiosa”, nos doentes que tinham sido assistidos no “internamento e do tipo “fatalismo” no grupo seguido na ”consulta externa”.

Ainda no que se refere à possível influência do tipo de assistência, considerando o número de consultas externas e o número de internamentos tidos, no decurso do acompanhamento nos serviços de cuidados paliativos, constatou-se que à medida que aumentava o número de consultas diminuiu o recurso à

187 estratégia “preocupação ansiosa” e aumentava o recurso ao “fatalismo”. Esta constatação poderá ser explicada pela possível perceção e a significação positivas que os doentes atribuíam ao facto de apenas necessitarem de ser acompanhados através de consulta externa e ao seu prolongamento no tempo. Em contrapartida o aumento do número de internamentos favorecia o recurso ao “desânimo/fraqueza” e especialmente à estratégia de tipo “preocupação ansiosa”. O recurso a este tipo de estratégias, relacionado com a necessidade de novos internamentos, poderá ser explicado por uma significação negativa atribuída pelos doentes à mesma e pela perceção de que essa necessidade representaria uma forte ameaça às suas vidas. Na perspetiva de Justo (1994), esse de tipo de perceção faz aumentar sentimentos de ansiedade, depressão, desespero, assim como uma preocupação crescente sobre o seu futuro e por este motivo mais dificilmente os doentes tendem a adotar um “espírito de luta.

7.4. Relação entre bem-estar espiritual, qualidade de vida (nas