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Capítulo 1 – Aprendizagem e Interação Didática em Língua Estrangeira

1.3 A Aprendizagem de uma Língua Estrangeira

1.3.1 Estratégias de Aprendizagem de uma Língua Estrangeira

A identidade do aprendente de línguas estrangeiras não é algo fixo e imutável. As caraterísticas específicas da aprendizagem de uma língua e o facto de esta aprendizagem se ancorar frequentemente na co-construção de sentidos, poderão fazer com que muitos aprendentes assumam traços identitários muito diversos, de acordo com o contexto. Segundo a teoria socioconstrucionista (a qual é abordada com mais detalhe no ponto 1.1.1), e nas palavras de Pellim, “as identidades são construídas através do discurso nas nossas interações quotidianas, que são sempre marcadas por relações de poder” (2010, p. 127). Este autor defende a ideia de que as identidades não são estáticas e homogéneas, mas antes fluídas, transitórias e contigentes, sendo que a maioria das pessoas é permeada por traços identitários diversos. Assim, dependendo dos participantes com os quais interagimos e das posições de poder que ocupamos e que os nossos interlocutores ocupam, podemos construir identidades múltiplas e até mesmo contraditórias.

Dos perfis identitários dos aprendentes de línguas fazem parte as suas estratégias de aprendizagem, sendo necessário efetuar a distinção entre ‘estratégias de aprendizagem’ e ‘estilos de aprendizagem’, já que estes últimos, tal como a motivação e a aptidão para a aprendizagem de uma língua estrangeira, embora influenciem naturalmente as primeiras, são caraterísticas intrínsecas do indíviduo e consequentemente, com pendor para a imutabilidade (cf. Oxford, 1990).

As teorias relativas às estratégias de aprendizagem de uma língua estrangeira surgem na esfera da abordagem comunicativa, as quais aparecem em meados dos anos setenta, na sequência dos estudos em volta do perfil do “bom aprendente de línguas” (já que na época se pensava que um conhecimento mais aprofundado dos mecanismos de aprendizagem dos bons alunos seria o melhor caminho para docentes e discentes poderem modelar as suas práticas de ensino e aprendizagem). Estas teorias evoluiram ao longo dos anos 80 para uma categorização das estratégias de aprendizagem, culminando finalmente nos anos

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90 em duas grandes teorias classificativas das estratégias de aprendizagem, a taxonomia de Oxford e a classificação de O'Malley e Chamot (cf. Griffiths, 2008; Norton & Toohey, 2001; Thompson, 2005).

Simultaneamente, existiram investigações em campos bastante próximos, como sejam aquelas levadas a cabo pelo CRAPEL (Centre de Recherches et d'Applications Pédagogiques en Langues) em França, no âmbito da aprendizagem autónoma. Nestes centros surgiram conceitos seminais relativos ao aprendente de línguas, tais como aqueles preconizados por Gremmo:

Définir, déterminer, choisir, gérer, évaluer: l'apprentissage d'une langue étrangère est une succession de prises de décisions. (…) Un apprenant en langues compétent est donc un apprenant qui possède des critères de décision qui lui permettent de mettre en oeuvre un apprentissage efficace. (1995, p. 12)

Igualmente neste âmbito, em Inglaterra, o Eurocentre Language Training Institute realizou um estudo centrado exclusivamente na auto-avaliação da competência oral, tendo os resultados do mesmo vindo a ser impactantes nas futuras teorias da aprendizagem (cf. Holec, 1981; Oxford, 1990). Durante três anos foram estudadas as caraterísticas das estratégias de aprendizagem utilizadas no estudo de línguas estrangeiras, envolvendo 67 alunos do ensino secundário de espanhol e 34 estudantes universitários de russo. Em geral, os resultados deste projecto indicam que todos os aprendentes, independentemente do seu grau de sucesso na aprendizagem de uma língua estrangeira, possuem algum controle cognitivo sobre os seus esforços de aprendizagem e são capazes de descrever os seus próprios processos mentais. A principal diferenciação entre os alunos mais eficazes e os menos eficazes diz respeito à forma como as estratégias foram utilizadas e o facto de os alunos mais eficazes utilizarem uma maior gama de diferentes tipos de estratégias (cf. Chamot, 1988).

O'Malley e Chamot (1990) identificaram três tipos de estratégias de aprendizagem de uma língua estrangeira, nomeadamente: Estratégias metacognitivas, relacionadas com a planificação e a auto-avaliação da aprendizagem; estratégias

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finalmente as estratégias sócio-afetivas, em que as interações sociais são utilizadas no auxílio da compreensão, aprendizagem ou retenção de informações. De acordo com estes autores, estratégias de aprendizagem são “special thougts or behaviours that individuals use to help them comprehend, learn or retain new information” (p. 1). Chamot (2004) viria mais tarde a refinar o conceito, propondo a seguinte definição para estratégias de aprendizagem: “Learning strategies are the thoughts and actions that individuals use to accomplish a learning goal” (p. 14).

Victori e Tragant (2003) definem as estratégias de aprendizagem como sendo os passos que damos ou os comportamentos que temos que nos ajudam na aquisição de uma língua. Estes autores efetuaram um estudo que examina a influência da idade nas estratégias de aprendizagem de uma língua estrangeira. O estudo teve uma componente transversal, tendo sido estudados 766 alunos de três faixas etárias distintas (10, 14 e 18 anos) e uma componente longitudinal, em que 38 alunos entre os 12 e os 14 anos foram acompanhados ao longo de dois anos. Este estudo permitiu-lhes concluir que os aprendentes mais velhos utilizam mais estratégias, com mais complexidade cognitiva e recorrem a um leque estratégico mais amplo. Poderemos estabelecer uma relação entre o que anteriormente afirmámos, relativamente ao facto de entendermos ser importante considerar os alunos do ensino superior como sendo aprendentes adultos, já que este estudo nos permite afirmar ainda com mais segurança que as experiências de aprendizagem dos alunos do ensino superior são distintas daquelas que se processam em faixas etárias mais baixas, especificamente no que respeita às estratégias de aprendizagem utilizadas.

Oxford (1990) carateriza as estratégias de aprendizagem da seguinte forma:

Learning strategies are steps taken by students to enhance their own learning. Strategies are especially important for language learning because they are tools for active, self-directed involvement, which is essential for developing communicative competence. Appropriate language learning results in improved proficency and greater self- confidence. (p. 1)

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A autora desenvolveu uma taxonomia para categorizar as estratégias de aprendizagem, divididas em seis dimensões, tendo sido esta a categorização por nós escolhida para a nossa investigação:

1. Cognitiva – Formação de associações entre informações novas e já conhecidas;

2. Mnemónica – Formação de associações entre informações novas e já conhecidas através do uso de fórmulas, frase, verso ou semelhantes; 3. Compensatória – Utilização do contexto para compensar a falta de

informação;

4. Metacognitiva – Controlo da própria cognição através da coordenação do planeamento, organização e avaliação do processo de aprendizagem; 5. Afetiva- Regulação de emoções, motivação e atitude para com a

aprendizagem;

6. Social – Utilização da interação com outros alunos como forma de melhorar a aprendizagem das línguas e a compreensão intercultural. Oxford (1990) organiza as estratégias de aprendizagem em dois grandes grupos, estratégias diretas e indiretas: “direct strategies involve the new language directly, whereas indirect strategies provide indirect support for language learning through focusing, planning, evaluating, seeking opportunities, controlling anxiety, increasing cooperation and empathy, and other means” (p. 151). Ao primeiro grupo pertencem as estratégias de memorização, de compensação e cognitivas, ao passo que as estratégias metacognitivas, afetivas e sociais pertencem às estratégias indiretas (ver Figura 8).

Figura 8 – Taxonomia de Oxford (1990): estratégias de aprendizagem

Estratégias de Aprendizagem

Diretas

Mnemónicas Cognitivas Compensatórias

Indiretas

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Estes dois grupos − estratégias de aprendizagem diretas e indiretas – e as dimensões que lhes correspondem, dividem-se, por sua vez, em 19 estratégias de aprendizagem. Tal pode ser observado nas figuras 9 e 10 que apresentámos abaixo.

Figura 9 – Taxonomia de Oxford (1990): Subdivisões das estratégias de aprendizagem diretas

Estratégias de

Aprendizagem

Diretas

Mnemónicas

Mnemónicas Criar associações mentais Criar associações mentais

Aplicar imagens e sons Aplicar imagens e sons Rever de forma completa Rever de forma completa

Empregar a acção Empregar a acção Cognitivas Cognitivas Praticar Praticar

Receber e enviar mensagens Receber e enviar mensagens

Analisar e raciocinar Analisar e raciocinar Criar estruturas de input e output Criar estruturas de input e output

Compensatórias

Compensatórias

Deduzir logicamente Deduzir logicamente

Superar limitações orais e escritas Superar limitações orais e escritas

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Figura 10 −Taxonomia de Oxford (1990): Subdivisões das estratégias de aprendizagem indiretas

Como pudemos depreender destas duas figuras, as estratégias de aprendizagem diretas abarcam três dimensões: estratégias mnemónicas, cognitivas e compensatórias, totalizando dez estratégias. Por seu turno, as estratégias de aprendizagem indiretas estão relacionadas com as dimensões metacognitivas, afetivas e sociais, perfazendo nove estratégias.

Com base nestes pressupostos teóricos, Oxford (1990) elaborou o Strategy Inventory for Language Learning (SILL), a partir do qual foram efetuados diversos estudos que contribuíram grandemente para o conhecimento que possuímos atualmente das estratégias de aprendizagem (cf. Chamot, 2004). Oxford e Burry- Stock (1995: 4) referem que à época foram feitos de 40 a 50 estudos com recurso ao SILL, muitos destes não publicados, envolvendo mais de 8000 alunos.

A partir deste ano continuaram a fazer-se estudos com base no SILL e dentre estes destacamos aquele efetuado por Peacock e Ho (2003), pela sua dimensão e impacto no meio académico. Estes autores aplicaram o questionário de Oxford a 1006 alunos de línguas estrangeiras para estudarem as estratégias de aprendizagem elencadas por Oxford, divididas pelas seis dimensões (mnemónica,

Estratégias de

Aprendizagem

Indiretas

Metacognitivas Metacognitivas Centrar a aprendizagem Centrar a aprendizagem Planificar a aprendizagem Planificar a aprendizagem Avaliar a aprendizagem Avaliar a aprendizagem Afetivas Afetivas Diminuir a ansiedade Diminuir a ansiedade Automotivação Automotivação Medir a temperatura emocional Medir a temperatura emocional

Sociais Sociais

Fazer perguntas Fazer perguntas Cooperar com os outros Cooperar com os outros Empatizar com os outros Empatizar com os outros

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compensatória, cognitiva, metacognitiva, afetiva e social). A principal conclusão da sua investigação foi que a proficiência varia de acordo com o uso de certas estratégias, mas tal correlação não existe com todas as estratégias. Efetuaram igualmente uma síntese do estado da arte relativamente aos estudos gerados a partir do questionário de Oxford, tendo identificado os seguintes pontos: 1) As dimensões mais utilizadas são as de compensação, as cognitivas e as metacognitivas; 2) Há muitas vezes uma associação positiva entre o uso de estratégia e a proficiência do aluno; 3) A frequência de uso das estratégias é muitas vezes superior para o sexo feminino; 4) A frequência de uso das estratégias é muitas vezes maior entre os alunos de humanidades do que entre os de ciências e engenharia.

Peacock e Ho (2003) realçam igualmente o facto não haver até então quase nenhuns estudos que detalhassem as estratégias afetivas uma a uma, ficando-se apenas pela referência global à dimensão afetiva, não aprofundado isoladamente cada uma das estratégias que a constituem (diminuição da ansiedade, automotivação e medição da temperatura emocional). Tivemos em atenção este ponto de vista na nossa investigação, ao elaborarmos o nosso questionário da dimensão sócio afetiva, tendo sido contempladas todas as estratégias pertencentes às categorias afetiva e social passíveis de serem utilizadas em sala de aula, a saber: Baixar os níveis de ansiedade, técnicas de auto-motivação, medição da temperatura emocional, fazer perguntas (de clarificação/verificação e de correção), cooperar com os outros e desenvolver sentimentos de empatia.

Chamot (2004) preconiza que o método mais eficiente para se identificarem as estratégias de aprendizagem é através de questionários, referindo que o questionário que fornece um retrato mais global das estratégias do aprendente de línguas é o SILL (Oxford, 1990), o que vem na linha do que Hsiao e Oxford (2002) demonstraram, ao conduzirem um estudo comparativo dos três sistemas de classificação de estratégias de aprendizagem mais utilizados na área das línguas estrangeira O’Malley & Chamot, 1990;Oxford, 1990; Rubin, 1981), tendo chegado à conclusão de que a taxonomia de Oxford (e o quetionário SILL que lhe corresponde) era o que melhor descrevia o leque de estratégias de aprendizagem utilizadas pelos alunos.

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Com base nestes resultados, optámos por adaptar, para a nossa investigação, a secção do questionário SILL referente às estratégias sociais e afetivas, as quais iremos seguidamente explorar com mais detalhe, sob o ponto de vista da taxonomia de Oxford.

Relativamente às estratégias afetivas, Oxford afirma (1990): “The affective side of the learner is probably one of the biggest influences on language learning success or failure” (p. 140). Neste contexto, refere três técnicas para os aprendentes baixarem os seus níveis de ansiedade: utilização de relaxamente progressivo, respiração profunda ou meditação; utilizar música e, finalmente, usar o riso. Como técnicas de auto-motivação, a autora menciona fazer afirmações positivas, correr riscos moderados e a auto-gratificação. Como práticas a considerar relativamente à medição da temperatura emocional, Oxford aconselha que os alunos ouçam o seu próprio corpo, utilizem uma lista de verificação, escrevam um diário de aprendizagem e discutam os seus sentimentos com outra pessoa. No que respeita às estratégias afetivas, é de realçar que a autora identifica a autoestima do aprendente como elemento preponderante na componente afetiva, dedicando portanto a vertente de auto-motivação a comportamentos que contribuem para subir uma baixa autoestima.

Passemos agora para as estratégias sociais. Oxford (1990) assevera que a língua é uma forma de comportamento social, já que consiste em comunicação: “Language is a form of social behaviour; it is communication, and communication occurs between and among people. Learning a language thus involves other people, and appropriate social strategies are very important in this process” (p. 144).

As estratégias sociais a serem utilizadas pelos alunos passam por fazer perguntas (de clarificação/verificação e de correção), cooperar com os outros (com os pares e com aprendentes de nível avançado) e desenvolver sentimentos de empatia (ao desenvolver a compreensão intercultural e ser sensível aos pensamentos e sentimentos alheios).

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Apresentamos de seguida todas as afirmações presentes no questionário SILL de Oxford (1990), relativas às dimensões afetiva e social:

Figura 11 – Afirmações presentes no Strategy Inventory for Language Learning (SILL) de Oxford (1990), relativas às dimensões afetiva e social

Estas estratégias foram o ponto de partida para criarmos uma versão adaptada deste questionário relativo à dimensão sócio-afetiva da aprendizagem, no qual se procurou gerar um conjunto de afirmações para cada estratégia que nos permitisse indagar do uso das mesmas pelos aprendentes (cf. cap. 5).