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4 AS DISPUTAS EM TORNO DA DEFINIÇÃO DO MODELO DE JUSTIÇA

4.1 As estratégias dos movimentos sociais

Já no fim da década de 1970, inicia-se a abertura política, abrindo caminho para a legalização dos partidos políticos que atuavam na clandestinidade. Ainda, iniciou-se a reorganização e institucionalização das organizações sindicais, a ampliação das associações de classe, e a ampliação dos movimentos sociais que, rearticulados, saíram da clandestinidade para lutar por direitos básicos. Assim, constituiu-se uma vasta agenda de questões envolvendo as políticas de educação, saúde, habitação e saneamento básico, previdência social etc. Dessa forma, as dinâmicas observadas no âmbito da infância e da adolescência fazem parte de um processo mais amplo de questionamentos que foram ganhando força à medida que a luta pela redemocratização se consolidava, chegando ao momento da Constituinte, momento em que importantes reformas legais e simbólicas foram elaboradas, como no caso dos direitos da criança e do adolescente (FARIA, 1996).

No Brasil, os debates sobre os direitos da criança e do adolescente eram vinculados aos jovens em situação de rua. Nesse momento, havia uma proliferação de estudos que tinham como objetivo conhecer e caracterizar esse grupo ainda pouco conhecido, destacando suas características, origens, atividades e inserção familiar. A primeira fase de produção acadêmica sobre o tema em várias cidades do país, demonstravam a extensão e a gravidade do problema, que passou a ser reconhecido em âmbito nacional. O extermínio de jovens por parte de grupos organizados foi um fenômeno que ganhou destaque, especialmente ao longo dos anos 1980, levando à produção de estudos com caráter de denúncia.

Dessa forma, passou-se a ter acesso a um conjunto de informações que não estava antes sistematizada. Esse conjunto de informações repercutia na sociedade, traduzindo em números “uma problemática cujas evidências não se podia mais subestimar” (RIZZINI; RIZZINI, 1996, p. 70). As estratégias de sobrevivência da “criança pobre” era o tema de diversas pesquisas e estudos de campo que tinham como objetivo corrigir e ampliar o conhecimento existente sobre as condições de vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade econômica e social.

Segundo Rizzini e Rizzini (1996), esse aumento de produções científicas sobre o tema provocou o rompimento de uma série de mitos até então sustentados. Segundo as autoras,

merecem destaque duas revelações, em virtude do impacto que causaram na sociedade. A primeira diz respeito à constatação de que os chamados “menores abandonados” não eram realmente abandonados, possuíam família. Alguns viviam nas ruas, mas outros passavam somente os dias nela. Suas famílias eram, certamente, pobres, mas não necessariamente “desestruturadas”29, ao contrário do que se afirmava na época.

Os anos 1980 vieram a comprovar que essa parcela da população vivia em sua maioria em famílias nucleares e que muitas crianças se encontravam imbuídas da responsabilidade de participar do orçamento familiar. As pesquisas retratavam as estratégias de sobrevivência dos jovens responsáveis por garantir seu sustento, destacando a importância do fator “ter de gerar renda” para eles, destacando os meios utilizados para tanto, os quais incluíam uma série de atividades, inclusive ilegais. O trabalho infantil e a situação de rua passavam a ser tratados em conjunto. Além disso, alertava-se para o fato de que o chamado “menor carente” não constituía uma minoria no país, já que mais da metade da população de 0 a 17 anos (57,1% em 1981) poderia ser assim classificada, por pertencer a unidades domésticas economicamente vulneráveis (RIZZINI; RIZZINI, 1996).

A partir do questionamento desses mitos, muito se avançou em termos de conhecimento sobre as condições de vida da população juvenil. De menores abandonados que necessitavam de caridade ou da intervenção assistencial do Estado, reconhecia-se que havia milhões de crianças atingidas pelas mazelas da pobreza e pelas deficiências das políticas públicas básicas. Rizzini e Rizzini (1996) destacam que essa compreensão possibilitou uma mudança radical de perspectiva e abriu espaço para o surgimento de novas propostas de intervenção sobre essa realidade. Houve uma conscientização crescente por parte da sociedade em relação à situação dessa parcela da população juvenil, que passou a ser percebida como parte de uma conjuntura política marcada pela desigualdade social. De acordo com Rizzini e Rizzini (1996, p. 87):

29O conceito de famílias desestruturadas era comum à época. A partir de tais estudos e debates críticos, passam a

surgir críticas a categorias que tomam como padrão dominante de família um modelo que não corresponde à realidade de vida das camadas mais pobres, marcadas pela ausência paterna, por exemplo. Nesse sentido, de acordo com Plano Nacional de Promoção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária: “A desnaturalização do conceito de família, a desmistificação de uma estrutura que se colocaria como ideal e, ainda, o deslocamento da ênfase da importância da estrutura familiar para a importância das funções familiares de cuidado e socialização, questionam a antiga concepção de “desestruturação familiar” quando abordamos famílias em seus diferentes arranjos cotidianos. Vimos, agora, surgir a imperiosa necessidade de reconhecimento do direito à diferença, desde que respeitado o referencial dos direitos de cidadania. Ou seja, a família nuclear tradicional, herança da família patriarcal brasileira, deixa de ser o modelo hegemônico e outras formas de organização familiar, inclusive com expressão histórica, passam a ser reconhecidas, evidenciando que a família não é estática e que suas funções de proteção e socialização podem ser exercidas nos mais diversos arranjos familiares e contextos socioculturais, refutando-se, assim, qualquer idéia preconcebida de modelo familiar ‘normal’” (BRASIL, 2006, p. 29).

É preciso que se diga com todas as letras, e temos base científica para o fazer, que ao contrário do que convenientemente se manteve por muito tempo, essas crianças não são órfãs, abandonadas ou perigosas. São, antes, vítimas de um sistema injusto, que lhes nega o básico e lhes condena ao descaso, ao abandono e à orfandade de sua cidadania.

Nesse momento, já começam a aparecer perspectivas críticas ao termo “menor”, percebido como discriminatório e estigmatizante. Naquele momento:

Era preciso aprender a olhar aqueles meninos sem as categorias estigmatizantes do Código de Menores e da PNBEM”. Chamá-los de menores era enquadra-los nas categorias inscritas nas leis de controle social da infância e da juventude que, só então, nos espíritos mais críticos, começavam a ser percebidas como parte do entulho autoritário que a reconstrução democrática da vida nacional, um dia, haveria de banir do panorama legal brasileiro. (COSTA et al., 1996, p. 9)

Com esses desenvolvimentos, o tema dos jovens institucionalizados, cujo universo era até então desconhecido, passou a ser igualmente focalizado pelos pesquisadores. Os problemas de pesquisa diziam respeito às características comuns às crianças internadas, os motivos para sua internação, os efeitos da internação e as representações sociais sobre os jovens privados de liberdade. Além disso, buscavam traçar o “perfil” do jovem institucionalizado, geralmente chegando à conclusão de que eram, em sua maioria, negros e advindos de áreas periféricas das grandes cidades (RIZZINI; RIZZINI, 1996).

A pobreza aparecia como fator determinante para entender porque os jovens eram privados de liberdade. Uma das causas apontadas era também a dificuldade das famílias em lidarem com a conduta dos adolescentes. Há relatos de que as próprias famílias procuravam as instituições de internação ou os juizados de menores para auxiliá-las a “disciplinar seus filhos” (RIZZINI; RIZZINI, 1996, p. 72). Em sua pesquisa, Fonseca (1987) analisou dinâmicas familiares de famílias de um “território pobre” de Porto Alegre, identificando casos em que famílias entregavam seus filhos para serem cuidados pela FEBEM, diante de diversos fatores, como impossibilidade de sustentar o jovem ou em razão de novos arranjos familiares. A autora destaca o conceito de “circulação de crianças” na comunidade, já que a criação dos jovens passaria por mais de um adulto de referência, como avós, tios e vizinhos (FONSECA, 1987).

Até então eram escassas as pesquisas que trabalhavam com a intersecção entre juventude e criminalidade. Em princípio, as práticas infracionais apareciam mais como uma forma de “fazer um extra” (RIZZINI; RIZZINI, 1996, p. 83). Sobre a ausência de estudos sobre a prática de delitos por jovens, Rizzini e Rizzini (1996, p. 83-86) apontavam que se constituía em uma enorme lacuna, e que pouco se sabia sobre a vinculação de jovens com a criminalidade:

Podemos dizer que o mito de que toda criança que vemos perambulando pelas ruas é “pivete” ou “trombadinha” não caiu por terra. No entanto, há dados surpreendentes

que sugerem que a parcela de menores infratores é pouco significativa. O estudo precário do tema dos bandos ou gangues parece indicar à primeira vista que não existem esses grupos organizados na rua, mas outra possível explicação para essa lacuna refere-se ao fato de não se tratar de um fenômeno muito visível nas cidades brasileiras. [...] Os resultados das pesquisas sobre o grupo de meninos de rua que se envolve em atividades marginais mostram que esse número é menor se comparado ao universo daqueles que trabalham. No entanto, não se conhece a dimensão e as particularidades do problema, o qual é muito ampliado, sobretudo pela forma como a sociedade se sente ameaçada com a sua presença e pela forma com que muitas vezes é abordado pela imprensa. Torna-se imperativo que as pesquisas focalizem o tema para que seus resultados possam subsidiar novas propostas de trabalho que atendam de maneira mais adequada as dificuldades apresentadas por esse grupo.

Desobediência, perambulância, furto, roubo, vadiagem, fuga de casa e consumo de drogas eram termos que apareciam como causas que frequentemente levavam os jovens às instituições privativas de liberdade. Sobre os efeitos da internação, percebia-se que as instituições se situavam em locais distantes das comunidades de origem dos jovens, levando ao enfraquecimento de vínculos familiares. Passa-se a articular a crítica de que a internação causa mais danos do que benefícios. Aduzia-se que, principalmente por longos período, a internação seria prejudicial em vários aspectos, em especial no processo de formação da identidade, na escolarização e no desenvolvimento das relações sociais. A questão da formação da identidade da criança e do adolescente internado é alvo de preocupação especialmente por parte de autores com formação em psicologia, surgindo trabalhos alinhados com a teoria do etiquetamento (labelling approach), perspectiva que concentra sua atenção sobre os aspectos que definem a conduta humana, substituindo o paradigma da escola positivista pelo paradigma do controle social, deslocando, assim, o foco dos estudos sobre as causas da criminalidade para os processos de criminalização (RIZZINI; RIZZINI, 1996). Ainda, percebe-se a influência da obra “Vigiar e Punir”, de Foucault (1977), na qual desenvolve sua teoria sobre o poder disciplinar nas sociedades modernas; bem como do trabalho sobre as instituições totais desenvolvido por Goffman (2003).

Nesse sentido, em 1984, Queiroz abordava a saída do menor da instituição, mostrando que a marca da FEBEM e da polícia dá certeza de que ele é intrinsecamente criminoso, sendo estigmatizado diante da sociedade, tendo em vista que a FUNABEM era retratada como uma “fábrica de marginais” (QUEIROZ, 1984). No mesmo ano, Campos (1984) aborda a mesma questão, mostrando que a instituição impõe ao jovem uma identidade idealizada de “recuperado”, mas tratando-o de acordo com a identidade atribuída de “infrator”. Campos (1984) também destaca o preconceito da sociedade para com os chamados “menores”, que depois da institucionalização enfrentariam problemas para inserir-se novamente na sociedade. Violante apontava que o jovem acabaria por cumprir a carreira que a instituição lhe traçava,

adquirindo a identidade que lhe era atribuída e distanciando-se cada vez mais do modelo de identidade dos considerados “normais”. Para Altoé (1990), a internação era baseada no silêncio, na submissão e no atendimento violento, não havendo lugar para diferenciação, elemento que dificultaria a formação de indivíduos autônomos. Ainda, tais autores mostram que as representações que os jovens têm de si mesmos são influenciadas pela imagem negativa e preconceituosa que a instituição e a sociedade têm deles.

As pesquisas ajudaram a provocar uma acirrada discussão sobre os efeitos da institucionalização na trajetória de vida dos jovens, contribuindo para a fundamentação das denúncias que se seguiram contra uma prática assistencial caracterizada como discriminatória, violenta e estigmatizante. Segundo Rizzini e Rizzini (1996, p. 86): “as práticas de atendimento dirigidas aos menores infratores são as mesmas que costumavam ser adotadas no século passado para os menores criminosos ou viciosos e não vão muito além do encarceramento de jovens quando detidos pela polícia”. Ressaltava-se a necessidade de novas formas de intervenção sobre a vida desses jovens, menos repressivas.

Assim, a década de 1980 foi decisiva no processo de desenvolvimento de um olhar crítico em relação ao modelo de intervenção estatal sobre a juventude pobre que vinha sendo operado, aprofundando-se o debate sobre novas práticas que possibilitassem uma intervenção menos repressiva, especialmente no condizente à realidade dos jovens que tinham a rua como espaço de moradia e de luta pela sobrevivência.

A obra “O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80”, publicação realizada com o apoio da UNICEF e da FLACSO Brasil, aborda essa vinculação, e traz uma riqueza de detalhes ao descrever o momento de organização dos movimentos sociais em torno dos jovens em situação de rua. No prefácio da obra, Antônio Carlos Gomes da Costa, então ex-presidente do Centro Brasileiro para Infância e Adolescência (CBIA) que logo iria participar do processo de redação do ECA; Agop Kayayan, representante da UNICEF Brasil; e Ayrton Fausto, representante da FLACSO, afirmam que, naquele momento, não se tinha em vista o que viria pela frente, porém, “uma coisa, no entanto, era certa, era preciso começar a fazer alguma coisa” (COSTA et al., 1996, p. 10).

Defendia-se uma abordagem social e educativa junto aos “meninos e meninas de rua” por meio da prática e da perspectiva oferecida por alternativas comunitárias de atendimento, entendidos como “um caminho promissor” (COSTA et al., 1996, p. 10). Nesse momento de críticas à institucionalização, passou a ser defendido um atendimento realizado no âmbito comunitário.

Essa percepção da necessidade de implementação de práticas comunitárias levou um grupo de técnicos do UNICEF, da FUNABEM e da Secretaria de Ação Social (SAS) –vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) – a darem início ao Projeto de Alternativas de Atendimento a Meninos de Rua, com base em um termo de acordo técnico- financeiro celebrado entre dirigentes das três instituições. A FLACSO integrou-se ao processo mediante convênios com o MPAS, iniciando com a SAS a avaliação e o acompanhamento de vários programas, com o objetivo de localizar e identificar as organizações e programas não institucionalizantes e comunitários, baseados na educação social de rua, iniciativas divergentes da política então em vigor (COSTA et al., 1996).

Constituída a equipe de trabalho, o primeiro passo foi “aprender a fazer com quem estava fazendo” (COSTA et al., 1996, p. 10). Assim, teve início o processo de identificação, registro e divulgação de experiências bem-sucedidas de atendimento a meninos e meninas de rua. De acordo com a publicação, um clima de criatividade institucional marcou aquele período e, nesse contexto, foi desenvolvida uma técnica de aprendizagem/ensino chamada de “semitágio”, termo resultante da fusão entre seminário e estágio, o qual tinha como objetivo proporcionar uma reflexão conjunta e aprofundada sobre a experiência na qual o grupo tinha oportunidade de imergir. Os encontros duravam uma semana, possibilitando, além da troca de conhecimentos e discussões sobre ideias, o estreitamento de vínculos entre os participantes. Oficinas, reuniões, encontros, produção de cartilhas e vídeos constituíram-se canais de socialização do conhecimento produzido nos chamados “semitágios” (COSTA et al., 1996).

Aponta-se que, a partir de tal processo, emergiram dois resultados fundamentais para a construção de um movimento nacional pelos direitos das crianças e adolescentes. O primeiro diz respeito ao acúmulo de ideias e experiências capaz de ser usado para geração de programas de atendimento e para melhoria de programas existentes. O segundo refere-se à consolidação de um grupo de lideranças, conhecido e reconhecido em escala nacional, que representativo, segundo Costa e outros, “do que havia de melhor em termos de compromisso político e de competência real nas atividades junto a meninos de rua e em suas comunidades de origem” (COSTA et al., 1996, p. 10).

O evento que marcou essa fase foi o I Seminário Latino-americano de Alternativas Comunitárias de Atendimento a Meninos e Meninas de Rua, realizado em Brasília no mês de novembro de 1984. “Ali, o atendimento alternativo revelou-se perante a Nação com toda sua força e com todo seu frescor de planta nova emergindo com vigor na rica e diversificada floração do movimento social brasileiro naquele período” (COSTA et al., 1996, p. 10). A partir de tal evento, as alternativas comunitárias de atendimento impuseram-se com uma crítica ao

velho modelo assistencialista e correcional-repressivo da articulação entre o Código de Menores e a já desgastada PNBEM.

A partir do caminho traçado na fase anterior, o próximo passo foi organizar um movimento nacional amplo em favor dos jovens em situação de rua. Tratava-se, então, de conferir uma identidade política àqueles grupos de pessoas interessadas que, desde os níveis local, estadual e nacional, já se articulavam de maneira informal em torno do atendimento a essa parcela da população. Dessa forma, foram organizadas comissões locais, em seguida comissões estatuais e, em 1985, foi eleita a Coordenação Nacional do Movimento de Meninos e Meninas de Rua, que, segundo Costa e outros: “foi, sem dúvidas, o evento e a conquista mais importante deste período” (COSTA et al., 1996, p. 11). O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) é um dos protagonistas nesse momento histórico nacional. Em discurso proferido no ano de 1989, o deputado Ademir Andrade, do PCB-PA, cita a importância do movimento no desenvolvimento de uma nova racionalidade de intervenção:

É bem verdade que se começa a formar a forte consciência a respeito da extensão e gravidade do problema, conforme exemplifica o importante trabalho em defesa desses menores realizado pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, pelo qual pessoas e programas estão associados no propósito de se transformar a triste realidade, mediante alternativas não paternalistas ou meramente assistencialistas (ANDRADE, 1989, p. 9427).

O MNMMR era composto, majoritariamente, por profissionais que trabalhavam na atenção direta à população de crianças e adolescentes em situação de rua, em um momento no qual os próprios profissionais passaram a questionar as práticas direcionadas à população por eles atendidas30. De acordo com publicação do próprio movimento, o mesmo surgiu em 1982,

mas se constituiu como uma entidade civil independente em 1985, tendo, em 1988, sedes regionais em cinco capitais do país (São Paulo, Recife, Belém, Florianópolis e Brasília) (MNMMR, 1988).

O movimento não prestava atendimento direto aos jovens, mas buscava “mobilizar os próprios menores, os técnicos, os educadores de rua, os diretores, os funcionários de instituições, enfim todos os que estão envolvidos com este segmento da população brasileira”, especialmente para denunciar a repressão e a violência estatal contra jovens em situação de rua

30 Esse movimento nos faz recordar o trabalho de Cohen (1988), em que descreve a tendência observada em torno

dos anos 60, no Canadá, por uma revisão dos métodos de intervenção estatal que tinham como foco reduzir a institucionalização e ampliar a intervenção no âmbito comunitário. O autor destaca movimentos como a antipsiquiatria e os movimentos destinados a modificar ou abolir centros de privação de liberdade. Nesse contexto, toma força um discurso em defesa da reforma do sistema penal e das alternativas à prisão, em que os profissionais que trabalhavam nas instituições do sistema penal tiveram um papel central para que as antigas práticas fossem questionadas. Porém, segundo o autor, mais do que uma redução da intervenção estatal, uma consequência desse movimento foi a expansão da intervenção estatal para o meio aberto.

e dentro das instituições estatais, promovendo formas alternativas de atenção direta à juventude em situação de vulnerabilidade, baseada no trabalho de educadores sociais (MNMR, 1988). Dentro de sua perspectiva de mobilização, o movimento não estava atrelado à Igreja ou ao Estado, “tendo garantida sua independência financeira por subsídios de 3 entidades internacionais”, entre elas, a UNICEF (MNMMR, 1988). Em 1988, Reinaldo Bulgarelli, coordenador da Região Sudeste, apontava que:

Estamos conseguindo legitimar essa prática alternativa que até agora acontecia nos porões das instituições pertencentes ao Estado ou às entidades civis. Essa é uma tentativa significativa de superar a política do bem-estar do menor criada em 1964, mas que de 'bem-estar do menor' não tem nada (MNMMR, 1988).

O caráter de disputas e resistências ante esse modelo de intervenção que começa a