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2.2 Justiça Juvenil, Juventude e Criminalidade

2.2.1 Racionalidades na justiça juvenil

Como destacado anteriormente, para O’Malley (2006; 2012), racionalidades políticas são as concepções, planos e programas daqueles que pretendem governar. Portanto, as racionalidades, como maneiras de pensar, informam as tecnologias e colocam-nas a funcionar. Desta maneira, as racionalidades abrigam um viés prático e não são equivalentes a doutrinas filosóficas ou políticas (SOZZO, 2015).

Nesta parte do capítulo, portanto, buscaremos descrever as diferentes racionalidades no tocante aos objetivos, funções ou formatos da justiça juvenil, baseando-nos principalmente no trabalho de Muncie (2004) sobre o que chama de “estratégias na justiça juvenil”. Entendemos que tais estratégias representam diferentes formas de pensar a própria justiça juvenil, baseadas em formas de pensar sobre o delito, o “jovem criminoso” e o papel da intervenção estatal, que sustentam formas diversas de lidar com a questão. Muncie dialoga com

o trabalho de O’Malley (2006), associando as racionalidades às formas de pensar a justiça juvenil, destacando, basicamente, quatro tipos de estratégias na justiça juvenil: 1) estratégias baseadas no bem-estar; 2) estratégias baseadas na justiça; 3) intervenções de gerenciamento de riscos; e 4) intervenções autoritárias. Além disso, Muncie apresenta algumas variações vinculadas às racionalidades governamentais, como as estratégias baseadas na justiça liberal, intervenções conservadoras autoritárias e moralizantes e responsabilização neoliberal.

Em seu trabalho, Muncie (2004) observou a influência de múltiplas racionalidades no desenvolvimento da justiça juvenil no contexto do Reino Unido, sendo possível estabelecer alguns pontos de contato com as racionalidades que influenciaram e ainda influenciam o sistema de justiça juvenil brasileiro. Por tal motivo, consideramos o trabalho do autor relevante para o desenvolvimento da presente pesquisa, na medida em que nos ajuda a refletir sobre as formas de pensar a justiça juvenil, em seus objetivos e configurações.

Ainda que em seu trabalho desenvolva algo parecido a uma história cronológica, o autor busca mostrar como essas estratégias, em grande medida, sempre coexistiram e continuam a coexistir. Desenvolve, assim, um resgate histórico do debate político e profissional sobre a justiça juvenil, em que transitam discursos diferentes sobre categorias como bem-estar, justiça, gerenciamento de risco e punição, os quais competem por espaço para determinar a intervenção estatal no campo da justiça juvenil, percebendo que categorias como ressocialização, punição, responsabilização, reintegração e direitos humanos são mobilizadas de forma diferente de acordo com a perspectiva adotada pelos atores do campo da justiça juvenil (MUNCIE, 2004).

Em uma análise que busca enfatizar os conflitos pela determinação dos objetivos e estratégias da justiça juvenil, Muncie (2004) também destaca que, qualquer que seja a retórica governamental, a história da justiça juvenil também é a história da resistência de grupos de pressão (sociedade civil) e da magistratura, da polícia e dos demais atores da justiça juvenil. Para o autor, a tradução da política na prática depende da visão daqueles que a colocam para funcionar.

Acreditamos que, além disso, essas disputas e resistências também se fazem visíveis no campo da arena política e legislativa brasileira, onde esses atores interagem com os parlamentares na tentativa de fazer prevalecer suas posições, especialmente por intermédio de mobilizações coletivas, audiências públicas e pareceres técnicos.

De acordo com Muncie (2004), seria possível esperar por uma similaridade entre modelos de justiça juvenil no mundo, especialmente no ocidente, influenciados por uma racionalidade neoliberal. Porém, aponta que o contexto global apresenta muito mais diversidades do que similaridades. Destaca, especialmente, as diferenças entre as intervenções

estatais em países da União Europeia, tão próximos geograficamente e com sistemas de justiça juvenil muito distintos. A resposta para tais diferenças reside, o autor afirma, em parte na cultura, em parte na política. Muncie também se vincula à perspectiva de investigações comparativas, tendo realizado esforços para unir trabalhos sobre o tema da justiça juvenil em diferentes países como Canadá, França, Estados Unidos, Finlândia, Austrália e Japão (MUNCIE; GOLDSON, 2006).

Ainda que nem todos países tenham passado por esse movimento, identifica um “giro punitivo” na justiça juvenil em países como os EUA, Inglaterra, Itália, Alemanha e países escandinavos. Observa que, desde o início dos anos 1990, há mais adolescentes privados de liberdade nesses países, ainda que as taxas de criminalidade juvenil estejam diminuindo. Ou seja, assim como Savelsberg (1994), Muncie (2004) não verifica uma correlação direta entre taxas de delitos e taxas de encarceramento. Segundo o autor, o aumento do encarceramento juvenil é influenciado por outros elementos, não apenas pela criminalidade cometida por jovens. E aponta que o emprego do encarceramento parece inspirado politicamente, tendo em vista que a prisão funciona em um nível político e simbólico, ainda quando demonstrada sua ineficácia na prevenção ou dissuasão da criminalidade.

Muncie (2004) aponta que o aumento de intervenções mais duras nesses contextos pode ser explicado, em parte, devido à ascensão de governos e políticos vinculados ao ideário político da direita. Contudo, destaca que tais movimentos não são operados apenas por governos vinculados à direita do espectro político, e que governos socialdemocratas também apostaram em estratégias punitivas como forma de aumentar suas chances de apoio do eleitorado, o que se coaduna com o aumento do intervencionismo e do autoritarismo operado na Inglaterra pelo governo do New Labor, foco da pesquisa do autor. Ainda, afirma que o aumento do medo do crime e da insegurança, mudanças no mercado de trabalho e a migração em massa para alguns desses países são fatores que adicionaram combustível ao retributivismo e o intervencionismo na justiça juvenil.

Dessa forma, afirma que as reformas na justiça juvenil refletem a volátil e sutil mudança de ânimos políticos, em que ganhos políticos de curto prazo e a necessidade do Estado em afirmar-se como garantidor da segurança podem se sobrepor a outras preocupações. Por isso, o estudo sobre as disputas em torno da definição da justiça juvenil fala muito sobre a tomada de decisões políticas, mais do que sobre a natureza da criminalidade juvenil e as melhores formas de responder a ela.

Ao abordar a descrição das diferentes racionalidades na justiça juvenil, Muncie (2004) demonstra que desde o início do século XIX as legislações sobre jovens em conflito com a lei

foram promovidas e instituídas sob o fundamento de que jovens devem ser protegidos do “peso” da lei penal, pois seriam incapazes e não poderiam suportar totalmente a responsabilidade por seus atos. Durante o início do século XX a justiça juvenil foi marcada por iniciativas filantrópicas e, nesse período, acreditava-se que crianças e adolescentes necessitavam de um tratamento com programas de educação moral, desenvolvidos tanto para deter como para prevenir a criminalidade. A intervenção era baseada em uma linguagem de tratamento e cuidado não apenas para aqueles que praticavam algum ato ilícito, como para aqueles considerados potenciais infratores. A estratégia emergente era a de tratamento dentro de instituições fechadas. Quando o primeiro centro de detenção especializado em menores foi criado na Inglaterra, em 1908, foi considerado um avanço liberal. O mesmo aconteceu nos demais países em que se operou a separação entre jovens e adultos.

A partir da crítica à pratica de julgar e encarcerar menores e adultos da mesma maneira e nos mesmos locais, criticando também a formalidade e a inflexibilidade da lei penal, que obrigava a respeitar determinados princípios, como a legalidade e a proporcionalidade entre delito e pena, a política indicada era a supressão de garantias e a alteração das funções do juiz, com a finalidade de alcançar a proteção/repressão considerada adequada aos jovens. O caráter tutelar foi o resultado dessas ideias e, assim, lançados os fundamentos da doutrina da situação irregular. No lugar das garantias, surgia a figura de um juiz com amplos poderes decisórios, considerando que a justiça de menores deveria possuir um caráter familiar, e que o juiz de menores deveria ser como um pai. A partir das premissas dos Congressos Internacionais, foram sendo estabelecidos os fundamentos de uma legislação especializada para crianças e adolescentes, com o abandono do chamado caráter penal indiferenciado e a adoção de uma perspectiva tutelar (MUNCIE, 2014; PIPA, 2014).

Muncie descreve que, já no final do século XX, as instituições passaram a ser duramente criticadas pela estigmatização que provocavam e seus tratamentos eram apontados como desumanos e brutais, antes que reabilitadores. Dessa forma, a intervenção passou a basear-se na linguagem do bem-estar (welfare), mais do que na correção. Entre as premissas que servem de base para uma racionalidade vinculada ao bem-estar (ou tutelar) na justiça juvenil, o autor destaca:

1) crianças e adolescentes que cometem delitos e/ou que estão em situação de vulnerabilidade são produtos de um ambiente adverso caracterizado por múltiplas privações, entre desvantagens sociais, econômicas e psíquicas, incluindo uma omissão de cuidado parental;

2) considera-se a delinquência enquanto uma condição patológica, a apresentação de um sintoma de algum desajuste profundo, que foge do controle do indivíduo;

3) como consequência do ponto anterior, já que não tem controle sobre os múltiplos fatores que ditam sua delinquência, crianças e adolescentes não podem ser considerados responsáveis pelas suas ações ou responsabilizados por elas. Considerações sobre culpa e inocência são, portanto, irrelevantes e a punição é inapropriada;

4) todas as crianças com problemas (havendo ou não cometido um delito) são basicamente iguais e podem ser efetivamente tratadas por meio de um sistema unificado desenhado para identificar suas necessidades;

5) as necessidades ou desordens subjacentes, das quais a delinquência é um sintoma, podem ser identificadas e, consequentemente, podem ser prevenidas, tratadas e controladas;

6) a informalidade é necessária se as necessidades dos jovens devem ser determinadas e seu melhor interesse levado em consideração. Regras e procedimentos estritos ou padrões de provas não apenas dificultam a identificação das necessidades como são desnecessários em procedimentos conduzidos pelo melhor interesse do jovem;

7) na medida em que as necessidades são altamente individualizadas, a flexibilização da resposta estatal é vital. Uma ampla discricionariedade é necessária na determinação e na variação das medidas, assim como na amplitude do tratamento;

8) o tratamento voluntário é possível e não significa punição. Tratamento não apresenta efeitos prejudiciais;

9) o bem-estar dos jovens é primordial, apesar das considerações sobre a segurança pública serem importantes. Em qualquer evento, um sistema desenhado para encontrar as necessidades do jovem vai, por sua vez, proteger a comunidade e servir ao melhor interesse da sociedade;

10) prevenir a negligência e reduzir as desvantagens econômica e sociais dos jovens podem levar à prevenção da delinquência.

Assim, a perspectiva do bem-estar assume que toda a intervenção deveria ser direcionada para encontrar e suprir as necessidades dos jovens, mais do que consistir em uma resposta aos seus atos. Historicamente, essa racionalidade tende a ver pouca diferença entre os jovens que cometeram delitos e jovens em situação de vulnerabilidade, pois ambos seriam sintomas de uma privação maior, seja material, moral ou emocional. Como resultado dessa visão, a tradução dessa racionalidade em estratégias de intervenção é capaz de abarcar um

número maior de jovens, mais do que se fosse simplesmente preocupado com questões de culpa ou inocência (MUNICIE, 2014).

As críticas à racionalidade de bem-estar apontam que a retórica da benevolência e do humanitarismo geralmente blindam uma mais ampla negação de direitos legais, permitem a discricionariedade e os procedimentos extraoficiais, e garantem a possibilidade da imposição de uma intervenção maior do que seria determinada a partir da conduta individual. Essas críticas tomaram forma a partir de diferentes racionalidades. Desde setores relacionados à direita do espectro político, bem-estar e reabilitação eram categorias que demonstravam que o sistema de justiça havia se tornado demasiadamente leve. Para trabalhadores sociais vinculados a uma perspectiva de esquerda, a necessidade de tratamento seria uma justificativa para restringir a liberdade de jovens, desproporcionais em relação à seriedade das ofensas cometidas ou de sua vulnerabilidade. Por sua vez, advogados liberais sustentavam que o bem-estar negava aos jovens a garantia integral de direitos, e que o devido processo legal deveria ser implementado no sistema de justiça juvenil (MUNCIE, 2014).

Dessa forma, durante os anos 1970, a crença na habilidade do trabalho social em diagnosticar as causas da delinquência e de tratá-las começou a ser cada vez mais questionada, tendência também observada no campo do controle do crime, como destacado anteriormente. O julgamento discricionário com procedimentos informais passou a ser visto como uma forma de poder arbitrário. Diante disso, uma perspectiva baseada na justiça sustentava a necessidade de noções como o devido processo legal e a proporcionalidade. Advogados liberais e organizações da sociedade civil sustentavam que o modelo welfare, mais do que ser benevolente, era insidioso em sua forma de controle, e que os jovens deveriam ser protegidos não apenas contra o punitivismo, mas também da benevolência do modelo de bem-estar (MUNCIE, 2014).

Segundo aqueles que defendiam o modelo da justiça, este deveria ter como base a proporcionalidade entre crime e punição. Ainda, defendiam o fim das sentenças indeterminadas e da discricionariedade judicial e profissional. Os atores vinculados ao modelo da justiça criticavam a disparidade entre sentenças e pediam por equidade e proteção aos direitos por meio do devido processo legal (MUNCIE, 2014).

Os defensores desse modelo sustentavam que a determinação da sentença de acordo com a seriedade da ofensa seria uma alteração que até mesmo os jovens veriam como mais justa. Ainda, condenavam o fato de que o destino dos jovens era ditado pelos poderes discricionários e arbitrários dos profissionais do serviço social e por magistrados (MUNCIE, 2014).

Em certos aspectos, esses argumentos marcam um retorno aos princípios do início do século XIX, quando os jovens eram percebidos como “pequenos” adultos. Em vez de perceberem as reformas welfaristas como progressistas, argumentavam que elas tinham servido para deteriorar os direitos das crianças e adolescentes. Muncie (2014) resume as premissas do modelo da justiça da seguinte forma:

1) delinquência é uma questão de oportunidade e escolha. Outros fatores podem ser combinados para levar um jovem a cometer um delito, mas ao menos que se tenha evidência em contrario, o ato é uma manifestação de uma decisão racional;

2) na medida em que as pessoas são responsáveis por suas ações, devem ser responsabilizadas por elas;

3) a prova do cometimento de um delito deve ser a única justificativa para intervenção e a única base para a punição;

4) sanções e controles são respostas válidas para comportamentos desviantes como expressão da desaprovação da sociedade e como dissuasão individual e geral, para futuros comportamentos similares;

5) comportamentos que gerem intervenções e sanções devem ser especificados por lei para evitar incerteza e insegurança jurídica;

6) o poder de interferir na liberdade de uma pessoa e, mais ainda quando se trata de um jovem, deve estar sujeito a um exame de provas rigoroso, operado por uma corte judicial. Os direitos individuais são mais salvaguardados com um processo judicial;

7) deveria haver igualdade perante a lei, casos parecidos deveriam ser tratados de maneira semelhante;

8) deveria haver proporcionalidade entre a seriedade do delito e a resposta social a esse comportamento, proporcionalidade entre o delito e a pena.

Porém, o modelo baseado na justiça também atraiu críticas. No Reino Unido, tais ideias passaram a ser apropriadas por políticos vinculados à direita do espectro político, que já sustentavam críticas ao modelo welfare, levando a que a habilidade política do movimento vinculado ao modelo da justiça passasse a ser questionada. Além disso, as críticas giravam em torno da crença em um modelo sistema de justiça igualitário, apontando-se a seletividade do sistema de justiça. Apontava-se para as diferenças entre condenações de brancos e negros, afirmando que a justiça era permeada por injustiças institucionais, não sendo imune a resultados discriminatórios, os quais permaneciam escondidos pelo discurso liberal de igualdade perante a lei (MUNCIE, 2014).

De acordo com o autor, o debate bem-estar versus justiça pode parecer moribundo atualmente, mas esse debate ainda permanece vigente no Reino Unido. No Brasil, como veremos, esse debate se reflete nas posições defendidas por aqueles identificados no Brasil como “menoristas” e “garantistas”. Para Muncie (2014), a justiça juvenil no Reino Unido evoluiu para um complexo patchwork que une as racionalidades welfare e de justiça liberal. O que teria mudado, ao longo do tempo, seria o peso da presença de cada um dos modelos de acordo com prioridades políticas, iniciativas localizadas e perspectivas administrativas e judiciais.

O resultado prático do modelo de justiça nos anos 1980 foi complexo e contraditório. Por um lado, parecia jogar com o discurso retributivista que buscava fazer todos os ofensores responsáveis por seus atos e buscando a medida certa da punição. Por outro, abriu as portas para os debates sobre uma intervenção mínima e sobre o devido processo legal, inserindo a ideia de que era necessário lidar mais com as ofensas do que com os ofensores, e que a justiça juvenil deveria ser reduzida.

Muncie (2014) destaca o “Caso Bulger” como um elemento que favoreceu outro ponto de inflexão na justiça juvenil do Reino Unido, momento em que a atenção da mídia e da classe política se voltou para a justiça juvenil. Em 1993, o assassinado de James Bulger, de 3 anos, por duas crianças de 10 anos, chocou a Inglaterra, e inflamou os debates sobre o tema. Loader e Sparks (2004) também citam o “Caso Bulger” como um “momento exemplar” ou uma “crise”, que trouxe à tona discussões e embates para definir o “problema” da criminalidade juvenil e definir as respostas a ele. Ainda assim, alertam que ainda há muito o que ser compreendido sobre esses momentos exemplares e seus efeitos.

Muncie (2014) descreve que, nesse período, ainda se discutia sobre os modelos justiça

versus bem-estar, mas, geralmente, eram submergidos pela demanda menos filosófica da

prevenção por qualquer meio pragmático possível. No lugar do paradigma do pessimista de que “nada funciona”, havia a crença de que algumas intervenções podiam funcionar. O debate sobre os objetivos da intervenção foi deixado de lado na busca pelo custo-benefício e resultados mensuráveis. A criminalidade juvenil passou a ser outro risco a ser gerenciado.

Alguns autores começaram a argumentar que fazia pouco sentido falar de justiça juvenil em termos de bem-estar e/ou justiça. Pratt (1989), por exemplo, percebeu o desenvolvimento de uma nova estratégia que se apartava das discussões filosóficas sobre punição, bem-estar ou justiça. Isso foi caracterizado pela tomada de decisões administrativas, centralização das políticas e aumento do envolvimento de agências não judiciais. O autor também destacava que o foco estava em buscar maneiras mais custo-efetivas de gerenciar

populações delinquentes. A questão começou a ser debatida em termos técnicos e científicos, e os debates políticos e morais sobre as causas do delito e os fins da intervenção estatal foram deixados de lado. Ainda que os níveis de encarceramento continuassem altos, havia o desejo/esperança de que os magistrados optassem por intervenções não custodiais, mas rigorosas suficientes para que optassem por elas, tendo em vista os custos elevados da privação de liberdade.

Nos anos 1990, tais intervenções faziam parte de uma tendência observada em outros campos do setor público, em uma redefinição de questões políticas, sociais e econômicas como problemas a serem gerenciados, mais do que resolvidos. Economia, eficiência e efetividade deveriam imperar em todos os aspectos das questões públicas. Resultado e produtividade eram noções que dominavam o setor público (MUNCIE, 2014). Como apontado por Feeley e Simon (2012), o ideal de reabilitação e os objetivos penais seriam substituídos pelo cálculo atuarial, de avaliação e classificação de risco. Desta forma, o gerencialismo representou uma significativa redução das expectativas em termos do que se pode esperar do sistema de justiça. Na Inglaterra, foram criadas equipes multidisciplinares (Youth Offending Team), agregando profissionais de múltiplas agências, como sistema educacional, de saúde, da polícia e do serviço social, os quais deveriam trabalhar em conjunto para a prevenção da criminalidade juvenil e para que aqueles que cometessem delitos “encarassem as consequências de seus atos” (MUNCIE, 2014).

Segundo o autor, os principais objetivos desse gerencialismo na justiça juvenil eram: 1) identificar condições de risco mais do que causas do delito;

2) estabelecer limites de tempo entre custódia e sentença; 3) estabelecer metas de performance;

4) descobrir “o que funciona” a partir de pesquisas e evidências empíricas; 5) estabelecer um comitê central nacional envolvendo múltiplas agências; 6) estabelecer comitês locais com múltiplas agências;

7) estabelecer obrigações para as autoridades locais no sentido de prevenção;