• Nenhum resultado encontrado

1.2 Resolução de problemas

1.2.4 Estratégias para a resolução de problemas mal-estruturados

Como vimos, os problemas encontrados na composição musical não têm uma solução única. Pelo contrário, quanto mais inesperada é sua solução, mais valorizado pode ser seu resultado. Outra característica que também diferencia os problemas da composição musical dos PME encontrados na literatura geral sobre a pesquisa de processos criativos é que, além de não terem um ponto de chegada, eles também não apresentam um ponto de partida definido. Assim, o compositor tem que aplicar, por si mesmo, as restrições que irão ajudá-lo a definir o problema e a guiá-lo durante a composição até seus objetivos.

Um exemplo de como esse processo poderia acontecer inicialmente em uma composição musical pode ser visto quando um compositor se propõe a compor uma fuga.

Esse passo, por si só, já configura uma restrição importante, que fará com que o compositor tenha de seguir uma série de procedimentos que são inerentes a esse estilo de composição.

A partir do momento em que ele tiver escrito o sujeito (ou o tema da fuga), cada re-exposição desse sujeito pode ser obtida através de sua transposição e, dessa forma, este procedimento se torna apenas uma tarefa de rotina (Sloboda, 1985). Entretanto, é necessário que o compositor domine as técnicas apropriadas ao estilo de composição escolhido, para que possa estabelecer objetivos finais e intermediários que o possibilitem empregar as estratégias mais adequadas para chegar com mais facilidade e eficiência a uma solução.

Na pesquisa sobre a RP em composição musical é comum que se associe o processo criativo à expertise do compositor, e a maneira como este resolve problemas é analisada de acordo com a forma como emprega sua expertise: encontrando e definindo problemas;

restringindo o espaço de solução do problema; e verificando e modificando suas escolhas conforme demonstra a Figura 1.2.5.1.

Figura 1.2.5.1. Diagrama de recursos e processos composicionais típicos. Segundo Sloboda, os termos consciente e inconsciente referem-se respectivamente aos processos sobre os quais o compositor consegue falar com certa facilidade e aos processos sobre os quais não consegue falar tão facilmente. Ou seja, processos que lhes são acessíveis na memória, ou processos que estão automatizados. Os retângulos ilustram os conhecimentos ou estruturas que ficam guardados na memória de longo prazo. As elipses contêm os materiais transitórios que constituem versões sucessivas de uma composição em desenvolvimento na mente do compositor. As linhas que unem as figuras representam os processos que transformam ou usam os conteúdos das próprias figuras. Traduzido de Sloboda (1985), p. 118.

Segundo Sloboda (1985), o conhecimento específico que o compositor apresenta no domínio tem influência sobre todo o processo de composição de uma obra.

Independentemente do fato do compositor estar aplicando restrições que lhes são acessíveis na memória (conscientes) ou sobre as quais não consegue racionalizar (sejam inconscientes ou automatizadas), fica clara a importância que o autor atribui à infuência da expertise do solucionador no processo. Isto, no entanto, não significa que a resolução de problemas na composição musical se resuma à aplicação de restrições e nem que estratégias de solução de problemas ou heurísticas não desempenhem um papel importante neste processo.

Peter Webster, afirma que as principais estratégias adotadas por compositores durante a composição envolvem dois tipos de pensamento: divergente e convergente.

Segundo o autor, durante o pensamento divergente o compositor: “está explorando muitas possibilidades de expressão musical, sempre catalogando, selecionando, rejeitando e somente aceitando para mudar ainda mais uma vez” (Webster, 2002, p.13). Esses núcleos de pensamento musical – ou gestos primitivos – que podem ser uma frase rítmica, ou uma harmonia, entre outros, são todos parte do processo de exploração que normalmente caracteriza os primeiros períodos do pensamento criativo, e podem se manifestar através da imaginação ou da experimentação, enquanto o compositor canta ou toca um instrumento.

Tudo isso é posto em oposição ao pensamento convergente, que é mais analítico e linear: “Aqui, as decisões estéticas são tomadas e os gestos são transformados em entidades que são muito mais que primitivas” (Webster, 2002, p.13). O pensamento neste caso é mais discriminatório e dirigido por um plano emergente que pode ser consciente ou subconsciente. Segundo Webster (2002), o jogo entre o pensamento convergente e

divergente está no centro do pensamento criativo e é auxiliado por condições externas à formação musical e por habilidades influenciadas pela experiência musical do compositor.

Sternberg (2000), ainda vai mais longe e aponta para mais duas estratégias que podem ser utilizadas na RPME, a análise e a síntese (para uma descrição destas estratégias, veja a Tabela 2). Entretanto, nem Webster (2002), nem Sternberg fazem referências explícitas à importância que a aplicação de restrições exerce na resolução de PME. O que, de certa forma, divide, mais uma vez, as opiniões sobre a resolução de PME.

TABELA 2

Quadro das estratégias utilizadas na RPME.

ESTRATÉGIA DEFINIÇÃO DA ESTRATÉGIA

Análise O solucionador decompõe o problema em elementos menores e manuseáveis.

Síntese O solucionador reúne os vários elementos decompostos em algo útil.

Pensamento

divergente O solucionador gera um agrupamento de soluções alternativas para o problema.

Pensamento

convergente O solucionador reduz as múltiplas alternativas geradas no pensamento divergente até convergirem para a melhor resposta.

Nota: Adaptado pelo autor, de Sternberg (2000).

Como vimos no exemplo de Watson e Crick, houve um passo fundamental antes da realização de sua descoberta: foi necessário que eles houvessem estabelecido um formato para a estrutura do DNA (o formato de hélice dupla) para que depois pudessem resolvê-lo.

E a seguir vimos como o problema pode ter sido resolvido a partir da aplicação de uma heurística simples. Podemos dizer que quando a forma de hélice foi incorporada ao

problema Watson e Crick estavam, de certa forma, delimitando seu espaço do problema e aplicando-lhe uma restrição. A partir do momento em que o espaço do problema estava

“melhor-estruturado”, sua solução tornou-se mais simples e eles puderam resolvê-lo através da aplicação da heurística de funcionar para trás.

De acordo com a teoria cognitiva da criatividade na composição musical de Pearce

& Wiggins (2002): “A composição musical pode ser caracterizada como um PME que requer mecanismos criativos para transformá-la em um PBE, através da identificação e aplicação de restrições no decorrer do processo” (p.18).

Um exemplo muito interessante encontrado na literatura sobre a RPBE, e que talvez possa ilustrar de que modo os métodos heurísticos fracos também podem ser encontrados na RP na composição musical, envolve o estabelecimento de subobjetivos. Segundo Chi &

Glaser (1992), uma das maneiras através das quais o solucionador pode usar o estabelecimento de subobjetivos é considerando apenas uma restrição de cada vez, o que estreita significativamente o espaço de trabalho: “Esse pode ser o modo como a maioria das pessoas soluciona alguns dos problemas do dia-a-dia, uma vez que não podem pensar já de início em todas as restrições envolvidas” (Chi & Glaser, 1992, p.262). É bastante comum que os compositores selecionem algumas restrições em detrimento de outras na resolução de problemas musicais (Collins, 2001, 2005).

De fato, existe um estudo que investigou a performance de compositores experts e principiantes em uma tarefa de composição “restringida” de harmonização de uma melodia tonal (Davidson & Welsh, 1988, citados em Pearce & Wiggins, 2002). Apesar de este

estudo ter sido criticado por não reproduzir as condições normais que um compositor enfrenta no dia a dia (Collins, 2005), apontou que heurísticas como a análise de meios e fins também podem ser utilizadas como estratégias na RP da composição musical, quando a tarefa já se encontra bem delimitada.

Assim, a utilização de estratégias e heurísticas na RP de composição musical parece estar intimamente ligada à maneira como o compositor restringe ou transforma estes problemas. Por isso, agora vamos voltar nossa atenção à aplicação de restrições na RP específicos da composição musical.