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Estratigrafia de sequências e formação de carvão em sistemas fluviais

No documento Carvões gonduânicos no Brasil (páginas 52-56)

CARVÕES E A ESTRATIGRAFIA DE SEQUÊNCIAS

2.3 Estratigrafia de sequências e formação de carvão em sistemas fluviais

A preservação dos depósitos fluviais e das camadas de turfa associadas é controlada principalmente pela criação de espaço de acomodação – como foi visto antes, este é o principal mecanismo controlador da preservação de sedimentos, tanto em contexto transicional ou marinho quanto em contexto continental. Reitera-se que para depósitos aluviais, o nível de base é representado pelo chamado perfil de equilíbrio, como foi visto acima. A criação de espaço, e consequentemente a acumulação fluvial, ocorrerá quando há subida do perfil de equilíbrio, enquanto que os processos de erosão estarão associados aos períodos de rebaixamento do perfil de equilíbrio.

A tectônica afeta diretamente o perfil de equilíbrio, já que os intervalos de subsidência ocasionam uma subida do mesmo, possibilitando a acumulação fluvial, enquanto que os soerguimentos diminuem o perfil de equilíbrio, fazendo com que os canais fluviais erodam os sedimentos previamente depositados. Portanto, em épocas de baixa criação de espaço devido a queda do nível de base, os canais tendem a amalgamar, ocorrendo pouca ou nenhuma sedimentação de fácies de planície de inundação. Já na situação onde o nível de base esteja subindo a altas taxas, criando

muito espaço de acomodação, os canais fluviais ficam espalhados em meio a amplas planícies de inundação. Frente ao ciclos de variação do nível de base no contexto aluvial, portanto, estes são os dois extremos no espectro de preservação de fácies fluviais (Fig. 6).

Figura 6 - As variações do nível de base no contexto aluvial controlam a formação e preservação de fácies fluviais. Os dois extremos no espectro de preservação de fácies fluviais são os seguintes: em épocas de baixa criação de espaço devido à queda do nível de base, os canais tendem a amalgamar, ocorrendo pouca ou nenhuma sedimentação de fácies de planície de inundação, enquanto quer na situação onde o nível de base esteja subindo a altas taxas, criando muito espaço de acomodação, os canais fluviais ficam espalhados em meio a amplas planícies de inundação (modificado de Holz, 2012).

Wright & Marriot (1993) foram os primeiros a discutir especificamente a relação entre acomodação e sedimentação fluvial. Os autores exploraram a idéia de que uma planície fluvial apresenta um limite na capacidade de acumular sedimentos. O espaço de acomodação para acumular sedimentos numa planície é controlado pela elevação do canal e da profundidade de seus bancos, portanto, o nível de base é realmente o principal controlador da sedimentação em depósitos fluviais. Quando o nível de base é estacionário, os depósitos de planície rapidamente agradam e a acreção lateral substituirá a sedimentação agradacional e os canais se amalgamarão. Se o nível de base sobe, o aumento no espaço de acomodação favorece o acúmulo de sedimentos na planície e os canais se desenvolvem de maneira mais isolada. Baseado nestas premissas, Wright & Marriot (1993) propuseram um modelo arquitetural para seqüências fluviais. Neste modelo, o trato de sistemas de nível baixo (TSNB) é caracterizado por canais amalgamados, de granulometria mais grossa. Durante a deposição inicial do trato de sistemas transgressivo (TST), a acomodação, ainda que crescente, é baixa o suficiente para produzir corpos arenosos amalgamados, enquanto que a deposição no final do TST, devido à alta taxa de acomodação, leva ao desenvolvimento de corpos de canais isolados. Durante a deposição de sedimentos no trato de sistemas de nível alto (TSNA), o rápido decréscimo no espaço de acomodação é responsável pela nova formação de canais amalgamados (Fig.7). Estes comumente são erodidos durante a fase de queda que forma a seqüência seguinte. O trato de sistemas de regressão forçada não é contemplado nesse modelo porque ainda não existia no modelo da estratigrafia de sequência da época.

Os autores inclusive vinculam a formação de solos em seu modelo estratigráfico. O limite de sequência, caracterizado pela erosão e pela exposição subaérea (terraceamento fluvial) apresentará desenvolvimento de solos maturos, bem drenados. Por essa óptica pedogênica, o TSNB é caracterizado pelo desenvolvimento de solos imaturos, hidromórficos, que são solos tipicamente desenvolvidos sob condições de drenagem pobre, de cor marrom acinzentado, com concreções ferrigenosas e manganesíferas. Já o TST, melhor drenado, é caracterizado pelo desenvolvimento de solos maturos. Portanto, no sistema fluvial a mudança de um trato de sistemas para outro pode ser caracterizado e detectado não apenas pelo estilo dos canais fluviais, mas também pelo tipo de solo desenvolvido.

Figura 7: Modelo arquitetural para seqüências fluviais de Wright & Marriot (1993), onde a geometria e a disposição espacial dos canais fluviais têm controle estratigráfico: no trato de sistemas de nível baixo (TSNB) os canais são mais amalgamados, enquanto que no trato de sistemas transgressivo

(TST), a acomodação crescente leva ao desenvolvimento de canais cada vez mais isolados. Durante o trato de sistemas de nível alto (TSNA), o rápido decréscimo no espaço de acomodação é responsável pela nova formação de canais amalgamados, que comunmente são erodidos durante a fase de queda que forma a seqüência seguinte. O trato de sistemas de regressão forçada não é contemplado nesse modelo porque ainda não existia no modelo da estratigrafia de sequência da época.

Modelos similares foram propostos por Olsen et al. (1995) e Shanley & McCabe (1993, 1994, 1998). No Brasil, Silva (1994) foi um dos primeiros a abordar a estratigrafia de sequência de sistemas fluviais, em uma nota técnica onde lembra que em larga escala, tectonismo, flutuações climáticas e eustasia controlam o desenvolvimento da rede fluvial, e que os rios tendem a se ajustar às condições presentes, de modo que rebaixamentos do nível de base podem levar a correções no padrão, na inclinação e na sinuosidade de canais fluviais.

Os sistemas fluviais entrelaçados não formam carvão porque são de alta energia deposicional, e tem planícies de inundação muito reduzidas ou ausentes. Já no contexto de canais fluviais meadrantes podem- se desenvolver ambientes formadores de turfa, em face à ampla ocorrência de planícies de inundação. As camadas de carvão associadas a esse tipo de sistemas fluviais acompanham a distribuição das planícies de inundação, já que nesses sistemas a turfa é acumulada em meandros abandonados, conhecidos como

ox bow lakes, e nos pequenos lagos ou pântanos que existem espalhados na planície de inundação do

sistemas fluviais (Fig. 8).

Contudo, embora possam se originar em sistemas fluviais meandrantes, as camadas de carvão sempre vão ser relativamente descontínuas, por dois motivos:

Primeiro, porque refletem a localização um tanto quanto restrita desses corpos d´água parados, existentes nas planícies de inundação. Eles só se formam quando um canal é abandonado ou quando existe uma depressão em desnível suficiente para acumular água e constituir um ambiente formador de turfa. Como os ox bow lakes e os lagos/pântanos fluviais nunca tem mais do que alguma centena de metros de extensão, as respectivas camadas de carvão tem extensão restrita a algumas centenas de metros.

O segundo motivo é a dinâmica do sistema fluvial meandrante. Devido a intensa e relativamente rápida migração lateral dos canais – a literatura fala em períodos de cinco a dez mil anos para um sistema de canais “varrer” a sua planície por inteira- a área da planície de inundação é constantemente retrabalhada pelos canais em deslocamento, erodindo os depósitos de turfa que possam ter se formado (Fig.8).

Portanto, do ponto de vista do sistema deposicional onde se formam, os carvões fluviais tem duas características que resultam na sua pouca importância do ponto de vista econômico: são muito espalhados e muito descontínuos.

Do ponto de vista do controle estratigráfico, aplica-se o que foi discutido antes: quanto maior for a amalgação dos canais fluviais devido à falta de espaço de acomodação, menos depósitos de planície de inundação vão se formar, e por conseqüência, menos camadas de carvão. Assim, o trato de sistemas de nível baixo (TSNB) e de nível alto (TSNA) são menos favoráveis a registrar camadas de carvão, enquanto que o trato de sistemas transgressivo (TST), onde os canais ficam espalhados e amplos depósitos de planície de inundação podem se desenvolver, a chance de acumular turfa em lagos e ox bow lakes é maior, principalmente no início do TST. Isso ocorre porque, segundo alguns autores (e.g., Olson, 1997), a época do máximo transgressivo, que marca o final do TST e o início do TSNA, eventualmente pode ser uma época de influencia marinha na planície fluvial, devido a ação de ondas e de marés que podem resultar em influencia de águas salinas nos ambientes formadores de turfa.

Figura 8: Os ambientes formadores de turfa em um contexto de rios meandrantes: expressivas camadas de carvão são raros nesse tipo de ambiente por dois motivos: devido a localização um tanto quanto restrita dos corpos d´água parados, e devido a intensa e relativamente rápida migração lateral dos canais, mecanismo que faz com que a área da planície de inundação seja constantemente retrabalhada pelos canais em deslocamento, erodindo os depósitos de turfa que possam ter se formado.

Aitken & Flint (1995) aplicaram o modelo básico da estratigrafia de sequência a uma sucessão fluvial em uma bacia no Kentucky (USA). Eles reconhecem que parasseqüências e conjuntos de parassequências não são identificáveis, o que é de se esperar haja visto que esse tipo de unidade sedimentar é parálica. No entanto, os autores identificam tratos de sistemas com base nas geometrias deposicionais, delimitando TST e TSNA na sucessão, e concluem que a estratigrafia de sequências é aplicável aos sistemas fluviais em nível de tratos de sistemas de 4ª ordem.

Em vez de usar o modelo dos tratos de sistemas geométricos, alguns autores preferem trabalhar com o conceito de trato de sistemas de alta e de baixa acomodação (Low- and High-Accommodation systems

tracts), termo introduzido por Dahle et al. (1997) e popularizado por Catuneanu em seu livro-texto de 2006.

Os autores preferem essa terminologia porque acham que em sistemas fluviais, ou seja, sistemas longe da margem da bacia e da influência marinha direta, fica muito difícil, senão impossível, o estratígrafo reconhecer e demarcar os quatro tratos do modelo básico da estratigrafia de sequências.

Nesse contexto, o trato de sistemas de baixa acomodação é uma sucessão sedimentar ligado a regressão normal e ao vale inciso preenchido por canais amalgamados e pouca fácies de planície de inundação (ou seja, tem razão areia/lama muito alta) e portanto, não desenvolve turfeiras, de modo que carvão é ausente ou muito raro nesse trato. As texturas são tipicamente grossas e a geometria deposicional é progradacional.

Já o trato de sistemas de alta acomodação é formado durante a fase de acentuada subida do nível de base, onde ocorre criação de espaço maior do que o aporte sedimentar. Esse trato tem uma geometria agradacional, textura mais fina devido a abundante ocorrência de fácies de planície de inundação (ou seja, razão areia/lama baixa). Camadas de carvão são freqüentes nesse trato e tendem a ser mais localizadas do que espraiadas, além de serem mais espessas.

No documento Carvões gonduânicos no Brasil (páginas 52-56)