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Um breve histórico: os primeiros modelos de estratigrafia de sequências aplicados às sucessões portadoras de carvão

No documento Carvões gonduânicos no Brasil (páginas 49-52)

CARVÕES E A ESTRATIGRAFIA DE SEQUÊNCIAS

2.2 Um breve histórico: os primeiros modelos de estratigrafia de sequências aplicados às sucessões portadoras de carvão

Analisando-se a história da geologia de carvão e seu desenvolvimento, nota-se que até a década de setenta, a investigação do carvão era focada no papel dos ambientes deposicionais e na formação de turfa nestes ambientes (como lagos, lagunas, planícies costeiras e fluviais), e os principais objetivos da maioria dos geólogos de carvão era entender aspectos relacionadas às fácies orgânicas e à reconstituição das comunidades vegetais que deram origem às turfeiras pretéritas (e.g., Murchison e Westoll, 1968; Horne et

al., 1978).

O reconhecimento de ciclos trans-regressivos nas bacias sedimentares e seu controle sobre aparecimento dos estratos portadores de carvão nesses ciclos, levou a tentativas de desenvolvimento de modelos em larga escala que explicassem a formação e distribuição espacial das camadas de carvão nas bacias sedimentares. A mais famosa e popular dessas tentativas foi o conceito de ciclotemas da escola norte-americana de estratigrafia (e.g., Weller, 1930; Moore, 1964), popular até o final dos anos 1960. Foi no início dos anos 1980 que os pesquisadores de carvão começaram a entender que os processos controladores da sedimentação na bacia como um todo também desempenhavam um papel importante no controle sobre a formação e distribuição regional das jazidas de carvão. Fatores como clima (e.g., Parrish

et al., 1982), tectônica (e.g., Fielding, 1987) e eustasia (e.g., Ryer, 1981) foram investigados e integrados

com a investigação do carvão, o que ajudou a esclarecer certos aspectos da acumulação de carvão e preservação, que antes não tinham sido devidamente compreendidos.

Na época pré-estratigrafia de sequências sensu stricto (i.e., antes de 1988), o papel dos ciclos trans- regressivos na formação do carvão, como reconhecido desde o conceito pioneiro do ciclotemas décadas antes, continuou a atrair a atenção dos estratígrafos. Ryer (1981), por exemplo, mostrou que as camadas de carvão mais espessas e mais extensas ocorriam na parte mais transgressiva da sucessão sedimentar estudada. Usando este conceito, ele construiu um modelo preditivo para as camadas de carvão de

uma sucessão sedimentar do Cretáceo dos Estados Unidos. Trabalhos posteriores, já sob a óptica da estratigrafia de sequências (e.g., Aitken e Flint, 1995; Flint et al., 1995) confirmaram a implicação da subida do nível de base para a formação da turfeira.

Com o surgimento do hoje clássico modelo da estratigrafia de sequências (Wilgus et al. 1988), que tinha fundamentalmente três tratos de sistemas (o trato de regressão forçado foi reconhecido e incorporado ao modelo só em meados dos anos noventa), os geólogos sedimentares começaram a aplicar essa técnica em outros contextos deposicionais fora o parálico e o plataformal. Assim, surgiram modelos de estratigrafia de sequência para sistemas eólicos (Kocurek & Havholm, 1993; Havholm & Kocurek, 1994), sistemas fluviais (Wright & Marriot, 1993; Olson et al., 1995), carbonáticos (Sarg, 1988; Loucks & Sarg, 1993; Schlager, 2005) e até mesmo sistemas glaciais (Powell & Cooper, 2002). O mesmo ocorreu com relação às sucessões portadoras de camadas de carvões.

A “nova metodologia no estudo estratigráfico” foi formalmente apresentada aos geólogos do carvão por Diessel (1992), que foi o primeiro a fazer uma integração abrangente da formação e preservação do carvão com os conceitos do modelo estratigráfico da Exxon Research Company. Em seu renomado e hoje clássico livro, o autor dedica um capítulo de cinqüenta e duas páginas à estratigrafia de seqüência e formação de carvão, discutindo a assinatura química e mineralógica de carvões regressivos e transgressivos como descrito por análise estratigráfica de seqüências, e liga o desenvolvimento do carvão aos sistemas de um sistema deposicional. Desde então, a estratigrafia de seqüências permitiu aos geólogos de carvão reinterpretar e resolver velhos problemas, analisando diferentes ângulos e pensando de forma diferente sobre a formação da camada de carvão e o registro estratigráfico. Um bom exemplo deste “novo pensamento” é o da formação de camadas de carvão muito espessas, conhecidas de diferentes bacias e diferentes épocas em todo o mundo. Algumas camadas de carvão têm até 90 metros de espessura total. Nenhum ambiente moderno de formação de turfa pode explicar tal espessura enorme de acumulação de turfa (e.g., Shearer et al., 1994; Banerjee et al., 1995).

A investigação da variação do nível de base e o reconhecimento de superfícies-chave dentro do arcabouço estratigráfico das bacias com carvão fornecem uma pista para uma explicação razoável para a formação de espessas camadas de carvão. Estudos de vários autores mostraram conclusivamente que a maioria dos estratos de carvão espessos são compostos por vários corpos de paleo-turfa amalgamados separados por eventos de descidas notáveis do lençol freático, pioneiramente descrito por Shearer et al. (1994), lembrando que um nível freático elevado é essencial para a existência de uma turfeira e para a preservação da matéria orgânica vegetal precursora do carvão. Assim, as camadas de carvão espessas podem representar a amalgamação de várias sequências deposicionais de alta frequência sob a seqüência estratigráfica (Banerjee et al. , 1995).

Portanto, a abordagem sobre a óptica da estratigrafia de sequências permitiu a reinterpretação de estratos de carvão bem conhecidos, resolvendo alguns dos problemas relativos à formação de carvão e à ciclicidade. Para as bacias australianas de Gunnedah e Bowen, por exemplo, o modelo deltaico tradicional não poderia explicar satisfatoriamente as camadas de carvão espessas, lateralmente contínuas e de baixo teor de cinzas. Arditto (1991) postulou um modelo estratigráfico de sequência para essas bacias, mostrando que a formação de lagos costeiros durante a transgressão levou ao desenvolvimento esses carvões.

Outro aspecto que os geólogos de carvão começaram a abordar foi o das assinaturas petrográficas e geoquímicas típicas das camadas de carvão nos contextos transgressivos e regressivos. Embora Diessel (1992) tenha tratado detalhadamente das assinaturas geoquímicas e petrográficas das camadas de carvão,

uma novidade no modelo foi a adição de assinaturas palinológicas no perfil vertical das sucessões com carvão, para distinguir entre carvões de sistemas transgressivos e regressivos (Casagrande et al., 1974; Coates et al., 1980). Banerjee et al. (1995) identificaram cinco comunidades de plantas com base nas proporções relativas de pólenes terrígenos, esporos e quistos aquáticos, incluindo dinoflagelados, e sua sucessão vertical contrastante permitiu definir camadas transgressivas e regressivas.

Em 1997 foi publicado um artigo de estratigrafia de sequência e carvões que foi recebido com certa surpresa pelo meio acadêmico, pois os autores – Kevin Bohacs e John Suter - eram geólogos de petróleo, coincidentemente da mesma companhia que teve fundamental importância na idealização do modelo clássico, que era a companhia Exxon. Os autores discutiram detalhadamente os controles da formação de carvão, enfatizando o que Cross já tinha modelado em 1988: o controle fundamental na formação e preservação do carvão é a taxa de acomodação em relação à produção de turfa. Bohacs & Suter (1997) demonstraram que dentro de uma seqüência deposicional, normalmente representada como uma clinoforma estendida para a bacia, a ocorrência e distribuição de carvões parálicos são claramente previsíveis, de forma que o modelo foi na época uma das abordagens teóricas mais avançadas para a análise estratigráfica de sucessões portadoras de carvão e acabou virando um benchmark paper para a geologia de carvão.

Cabe ressaltar que o trato de regressão forçada não era considerado no modelo dos autores, uma vez que este só foi “oficialmente” incluído no modelo da estratigrafia de sequência no final dos anos noventa.

Também é interessante registrar que enquanto alguns pesquisadores de carvão favoreciam o conceito de seqüências deposicionais delimitadas por discordâncias, geradas por quedas de nível de base. Outros preferiram trabalhar com as seqüências estratigráficas genéticas de Galloway (1989). Esse autor, construindo sobre o conceito do episódio deposicional de Frazier (1974), propôs uma unidade estratigráfica delimitada por superfícies de transgressão máxima, envolvendo o que ele chamou uma seqüência estratigráfica genetica. Esse tipo de sequencia é facilmente reconhecível em águas rasas marinhos e marginais, mas difícil de reconhecer em ambientes não marinhos. Hamilton e Tadros (1994) propuseram que as camadas de carvão regionalmente extensas podem funcionar como limites de seqüência genética porque têm os atributos de limites de seqüência genética como descrito por Galloway (1989), como a ausência de influxo clástico, que é extremamente característico da fase transgressiva máxima.

Entretanto, o conceito de carvão como limite de seqüências genéticas sensu Galloway (op.cit.) não evoluiu. Em uma resposta bastante incisiva ao trabalho de Hamilton e Tadros (1994), Aitken (1995) mostrou algumas razões pelas quais as camadas de carvão não são limites de seqüência genética sensu Galloway. O argumento principal é semelhante ao discutido por Shearer et al. (1994): muitas vezes as camadas de carvão não são corpos únicos ou singulares, mas multi-episódicos; assim, não representam uma única superfície e, portanto, não podem ser tomadas como superfícies transgressivas máximas.

No entanto, isso não invalida o uso de superfícies de inundação para estudar estratos de carvão. Pashin (2000) usou ciclos deposicionais limitados pela superfície de inundação para fazer modelos 3D de espaço de acomodação. Diessel et al. (2000 a,b) também utilizaram superfícies de inundação para identificar as tendências de acomodação em camadas de carvão, incluindo superfícies de inundação não marinhas correlacionadas com superfícies de inundação marinha.

Atualmente, a estratigrafia de sequência tem ampla aceitação pelos geólogos de carvão, e é aplicada nas mais variadas bacias. Petersen et al. (2013), por exemplo, estudaram carvões parálicos de uma sucessão sedimentar do Rhaetiano (Neo-Triássico) da Bacia da Dinamarca, interpretando os ambientes

formadores de turfa em um contexto de estratigrafia de seqüências, vinculando as duas principais camadas naquela sucessão sedimentar ao trato de sistemas transgressivo e ao de nível alto. Outro exemplo é o trabalho de Lv & Chen (2014), que focalizam nas sucessões de carvão permo-carbonífero na província de Shandong, norte da China, a fim de compreender os processos deposicionais e a estratigrafia de uma bacia epicontinental, comparando os padrões das camadas de carvão no âmbito de um arcabouço estratigráfico seqüencial.

No documento Carvões gonduânicos no Brasil (páginas 49-52)