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PARTE 1 OS MODELOS DE CIÊNCIA SEMIÓTICA PROPOSTOS POR

1.3.1 Estruturação e extensão do horizonte de preocupações da Semiótica segundo Eco:

Este item tem um propósito específico: o de demarcar, na esteira do pensamento de Eco, aquilo que se referiu na introdução ao capítulo como o terceiro nível dos limites da pesquisa: o limite epistemológico decorrente do horizonte de projeção do método e do objeto próprios da Semiótica. Assim, Eco inicia procurando afastar as críticas de “imperialismo epistemológico” dirigidas à Semiótica, segundo as quais a sua fronteira de interesse explicativo a levaria a enfocar fenômenos e objetos sobre os quais seria incapaz de teorizar consistentemente, pois apenas outras ciências e disciplinas poderiam, levando em conta aspectos desses fenômenos e objetos alheios ou estranhos à Semiótica, fazê-lo. Eco defende que não há, em verdade, essa pretensão imperialista na Semiótica, dirigindo-se ela a tudo o que possa ser assumido como signo, como um substituto significante de uma coisa qualquer, não sendo necessariamente real essa coisa substituída. Logo, a Semiótica é uma ciência que se preocupa não com conjuntos de objetos reais, mas com relações específicas dentre as relações possíveis entre entes e concepções. Mais especificamente, o interesse da Semiótica repousa sobre os sistemas de significação e de comunicação, a serem definidos nos termos de Eco ao longo desta exposição. Ademais, é por tal motivo, prenhe de consequências a explicitarem-se no desenvolvimento, que Eco pensa a Semiótica como uma teoria da mentira, como “[...] a disciplina que estuda tudo quanto possa ser usado para mentir.” (ECO, 2005, p. 4).

Eco toma como categorias centrais de sua teoria geral da Semiótica a significação e a comunicação, referentes a processos que, embora diversos, apresentam um tipo de relação a

ser clarificada ao longo da exposição: aos processos comunicativos subjazem os processos de significação, porque seriam estes pressupostos daqueles. Há certa polêmica na Semiótica e demais ciências e disciplinas voltadas ao estudo da linguagem, pois se se definir, como o faz Eco, um processo comunicativo como “[...] a passagem de um sinal (que não significa necessariamente ‘um signo’) de uma Fonte, através de um Transmissor, ao longo de um Canal, até um Destinatário (ou ponto de destinação).” (ECO, 2005, p. 5), poder-se-ia lançar bases a duas teses que poderiam contrariar a relação de pressuposição da significação pela comunicação: (a) poder-se-ia considerar uma transmissão de sinal de máquina a máquina um processo comunicativo; (b) considerado em sua diversidade, o campo de fenômenos recoberto pela Semiótica parece um inventário de comportamentos comunicativos, de modo que se poderia argumentar ser a finalidade de um sistema de significação a realização ou aprimoramento de atos comunicativos, os quais, em sua forma mais simples e primeva, nascida da necessidade ante o confronto com a vida natural, seriam anteriores à instituição de sistemas de comunicação.

No primeiro caso, o sinal não carrega significação e, por isso, tampouco pode ser considerado signo, apenas um estímulo, o que, se não pode por si só gerar propriamente um processo comunicativo – o que demanda, pelo menos, um destinatário humano que reaja interpretativamente ao sinal, atribuindo-lhe significação –, há de ser admitido como informação transmitida por meio de um canal. A presença de um destinatário humano que reaja interpretativamente ao sinal implica a existência ou estabelecimento de um código, isto é, de um “[...] sistema de significação que une entidades presentes e entidades ausentes.” (ECO, 2005, p. 6), pois a reação interpretativa do destinatário humano ante um sinal presente e sensorialmente perceptível implica o estabelecimento ou reconhecimento de estar o sinal em relação para com algo, tendo-se assim um processo significativo e não sendo necessariamente esse algo correlacionado ao sinal tornado signo um referente – e Eco há de evitar em seu sistema o valor dado ao objeto pela tradição iniciada por Peirce –, mas, sobretudo, uma noção sobre os estados do mundo, uma unidade cultural a ser perscrutada na esteira da teoria da linguagem de Hjelmslev. Saliente-se, contudo, que não são condições do processo significativo a resposta interpretativa do destinatário ou mesmo a transmissão de informação, pois o código correlaciona elementos ou estruturas de modo válido para todo destinatário possível, ainda que não exista ou sequer possa existir tal destinatário.

No segundo caso, pode-se argumentar que a noção de código utilizada por Eco – a de um sistema de significação que une entidades presentes e entidades ausentes – se faz presente mesmo nas formas mais primevas de comunicação. Com isso não se quer dizer que é

condição necessária da significação a ausência do ente a que se refere por meio do signo, mas a possibilidade de se referir por meio do signo a um ente mesmo quando ausente. Inclusive, pode-se tomar esse como um dos traços distintivos entre sinal e signo36. De todo modo, a utilização de algo como signo de outra coisa, para o que é necessária não apenas a formação e transmissão de uma mensagem, mas também a sua compreensão pelo destinatário, implica que haja, por parte do destinatário, compreensão do código, pois apenas por meio dele pode o destinatário associar uma expressão à correlata noção para a qual serve como veículo. Ademais, um código subsiste mesmo que não se estabeleça a partir dele um fenômeno comunicativo, pois um sistema de significação é “[...] um construto semiótico autônomo, com modalidades de existência de todo abstratas, independentes de qualquer ato de comunicação possível que as atualize.” (ECO, 2005, p. 6). Os exemplos a esse respeito são inúmeros, desde as línguas ditas “mortas” até mensagens enviadas ao espaço a ser interceptada por possíveis civilizações extraterrestres, como as placas pioneer37: mesmo que não seja mais o código utilizado em atos comunicativos ou que nunca venha a se estabelecer uma relação de comunicação a partir dele, o código subsiste.

Assim, Eco conclui que, à parte processos de estimulação simples, “[...] todo processo de comunicação entre seres humanos – ou entre quaisquer outros tipos de aparelhos ‘inteligentes’, tanto mecânicos quanto biológicos – pressupõe um sistema de significação como condição necessária.” (ECO, 2005, p. 6). Logo, embora exija cada uma um conjunto categorial próprio e distinto, uma semiótica da significação pode se estabelecer independentemente de uma semiótica da comunicação, não sendo a reciproca verdadeira, porque uma semiótica da comunicação depende da constituição de uma semiótica da significação. Todavia, afirmar que

36 Como bem lembra Eco (2005, p. 7), ao comentar a zoosemiótica, identificada como o limite natural inferior da Semiótica (o limite superior seria o estudo social das ideologias), “seria arriscado afirmar que, a nível animal, ocorrem simples trocas de sinais, sem a existência de sistemas de significação, uma vez que estudos mais recentes tenderiam abalar essa crença exageradamente antropocêntrica. Assim, numa certa medida, a própria noção de cultura e sociedade (e com ela a própria identificação do humano com o inteligente e com o simbólico) parece, a espaços, ser contestada.” Nesse sentido, Chomsky (1998, p. 17) lembra que “o sistema de comunicação das abelhas, por exemplo, partilha com a linguagem humana a propriedade de ‘referência deslocada’, nossa habilidade de falar sobre algo que esteja distante de nós no espaço e no tempo; as abelhas usam uma intrincada ‘dança’ para comunicar a direção, distância e desiderabilidade de uma fonte distante de mel”, embora, remetendo às suas caraterísticas únicas, deva admitir que “a linguagem humana parece estar biologicamente isolada em suas propriedades essenciais e ser um desenvolvimento na verdade recente sob uma perspectiva evolucionista”. 

37 Elaboradas a pedido da NASA pelos astrofísicos Frank Drake e Carl Sagan em 1972 e 1973, as placas pioneer são um par de placas de ouro-alumínio anodizado colocadas a bordo das naves espaciais Pioneer 10 e Pioneer 11 e elaboradas como uma mensagem a ser interceptada e decodificada por possível vida extraterrestre inteligente. Delas constam cerca de 210 bytes de informação, organizada em um grid de 1679 dígitos binários, sendo que a escolha desse número se deu por tratar-se de um semiprimo, produto dos números primos 23 e 73. Além dessa informação organizada em códigos binários, contam das placas a representação de um homem e uma mulher e a informação sobre a origem e os criadores das sondas. Além disso, também foram enviadas nas sondas alguns átomos (como hidrogênio e o carbono), moléculas complexas e trechos de DNA. 

uma semiótica da significação e uma semiótica da comunicação seguem linhas metodológicas diferentes e possuem conjuntos categoriais próprios não implica afirmar a impossibilidade de estabelecer uma perspectiva semiótica geral, mesmo porque, nos fenômenos da cultura, significação e comunicação são aspectos que aparecem interligados.

Não obstante as amplas pretensões das diversas pesquisas semióticas e as suas próprias pretensões de sistematização, Eco vislumbra limites a uma teoria semiótica geral, alguns determinados pela divisão e alcance momentâneos do trabalho científico, outros decorrentes do próprio objeto de estudo e ainda outros exigidos pela intenção de “pureza teórica”: a esses três tipos de limites, chama-os respectivamente políticos, naturais e epistemológicos. Os limites políticos são de três tipos: limites acadêmicos, referentes ao reconhecimento por parte do semiólogo de que outras disciplinas e ciências desenvolveram pesquisas e produziram dados a serem reconhecidos como pertinentes e a serem apropriados pela Semiótica, a exemplo das pesquisas da lógica formal, da lógica das línguas naturais e da semântica filosófica, preocupadas com o valor de verdade dos enunciados, ou de diversas correntes da antropologia cultural, como etnometodologia, restando ao semiólogo, na opinião de Eco, a esperança de que “[...] também essas pesquisas sejam reconhecidas como um ramo específico da semiótica geral.” (ECO, 2005, p. 3); limites cooperativos, atinentes às descrições reconhecidas como tipicamente semióticas realizadas por disciplinas e teorias como a linguística, a teoria da comunicação, a cinésica e prossêmica38, devendo uma teoria semiótica geral propor um conjunto unificado de categorias de modo a não apenas tornar mais profícua a interlocução, mas também a evitar a substituição metafórica das categorias linguísticas em quadros de referência diversos do das línguas naturais; limites empíricos, decorrentes de não se ter debruçado propriamente ainda a teoria sobre certos grupos de fenômenos de caráter indubitavelmente semiótico, como o universo dos objetos de uso e as formas arquitetônicas, não se podendo olvidar de esforços profícuos nesse sentido, como os expostos esforços de Barthes em teorizar semiologicamente sobre sistemas como vestuário, alimentação, mobiliário e demais sistemas complexos.

Os limites naturais correspondem àqueles para além dos quais a pesquisa semiótica toparia com objetos e fenômenos alheios a seus interesses, objetos e fenômenos não passíveis de serem compreendidos como funções semiótica ou funções sígnicas. Eco considera que os limites naturais da Semiótica apresentam uma soleira e um umbral superior. É bem verdade, contudo, que tais limites naturais dependem da definição de Semiótica de que se parte e, ao

38 Cinésica e prossêmica são campos da Ontopsicologia, um campo de estudos contemporâneo voltado à pesquisa sobre a atividade psíquica humana, sistematizada especialmente a partir dos trabalhos do italiano Antonio Meneghetti e considerada por alguns uma pseudociência. 

considerarem-se as proposições iniciais de Saussure e Peirce, que lograram fundar tradições, exsurge a questão referente à possibilidade de unificação de suas problemáticas. Por exemplo, na definição de Saussure:

A língua é um sistema de signos que exprimem ideias, e é comparável, por isso, à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, a formas de polidez, aos sinais militares etc., etc. Ela é apenas o principal desses sistemas. Pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos

no seio da vida social; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por

conseguinte, da Psicologia geral; chamá-la-emos de Semiologia [...]. Ela nos ensinará em que consistem os signos, que leis os regem. [...] A Linguística não é senão uma parte dessa ciência geral; as leis que a Semiologia descobrir serão aplicáveis à Linguística e esta se achará dessarte vinculada a um domínio bem definido no conjunto dos fatos humanos. (SAUSSURE, 2000, p. 24, grifo do autor).

Eco lembra que a definição de Saussure como uma entidade de duas faces – significante e significado39 – determinou as concepções posteriores de função sígnica, referindo provavelmente à de Hjelmslev e à sua própria. Eco observa ainda que todos os exemplos dados por Saussure em seu “Cours de Linguistique Générale” pressupõe a comunicação entre dois seres humanos e, por isso, lidam apenas com sistemas de signos ditos “artificiais”, porque estrita e altamente convencionados40.

39 Segundo Saussure (2000, p. 79), “[...] a unidade linguística é uma coisa dupla, constituída da união de dois termos.” Esses termos possuem uma natureza psíquica, isto é, associam-se por um vínculo presente na mente de um indivíduo falante pertencente a certa comunidade linguística, e podem ser designados como um conceito e uma imagem acústica. A imagem acústica “[...] não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la ‘material’, é somente neste sentido.” (SAUSSURE, 2000, p. 80). Saussure chama a atenção para a natureza psíquica da imagem acústica com a finalidade de precisar o discurso interior e de distingui-la tanto dos fonemas (material sonoro produzido pelos órgãos da fonação) quanto do conceito a ela associado, “[...] geralmente mais abstrato.” (SAUSSURE, 2000, p. 80). A bem da verdade, essa distinção se torna clara quando Saussure, no desenvolvimento da Linguística Sincrônica, introduz o conceito de valor, que leva as todas as consequências já exploradas na exposição do pensamento de Hjelmslev. A relação de mútua vinculação entre conceito e imagem acústica é dada por um elemento exterior ao indivíduo, que é justamente a língua, de modo que um implica o outro e qualquer deles implica a relação com o todo do qual fazem parte. E é por não estar contente com a designação sugerida para fins explicativos e com a noção corrente de signo, a qual “[...] designa geralmente a imagem acústica apenas”, que Saussure propõe uma nomenclatura capaz de relacionar e opor essas três noções concomitantemente: “propomo-nos a conservar o termo signo para designar o total, e a substituir conceito e imagem acústica respectivamente por

significado e significante.” (SAUSSURE, 2000, p. 81, grifo do autor). 

40 Tanto é verdade que Saussure declara que “[...] para achar, no conjunto da linguagem, a esfera que corresponde à língua, necessário se faz colocarmo-nos diante do ato individual que permite reconstruir o circuito da fala. Este ato supõe pelo menos dois indivíduos; é o mínimo exigido para que o circuito seja completo.” (SAUSSURE, 2000, p. 19). Sobre o fato de Saussure considerar apenas signos convencionais, é ilustrativo o seguinte trecho do “Cours...”: “[...] mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um

produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.” (SAUSSURE, 2000, p. 17, grifo nosso). 

O modelo de Peirce não pressupõe o uso de signos convencionais e a comunicação entre dois ou mais seres humanos por meio deles. Na verdade, a Semiótica de Peirce está baseada na relação entre três entidades abstratas: representâmen, interpretante e objeto. O signo, para Peirce, decorre da relação entre essas três entidades41 e é “[...] aquilo que, sob certo aspecto, representa algo para alguém.” (PEIRCE, 2010, p. 46). Esse processo se daria pela criação, na mente do sujeito, de um segundo signo equivalente ao primeiro: o primeiro signo é designado representâmen e o segundo, interpretante. O signo se refere a um objeto, isto é, representa-o, na relação de referência estabelecida pelo interpretante. Essa relação de representação (representâmen/interpretante) do objeto pelo signo não se dirige a um objeto real, mas à ideia desse objeto, ao fundamento do representâmen.

Existe certa polêmica, a ser enfrentada propriamente no decorrer da exposição, muito pertinente para pensarem-se os limites naturais da Semiótica: a necessidade ou desnecessidade da presença do elemento humano nos fenômenos semióticos. Essa polêmica há de ser resolvida no decorrer da exposição, mas há de aventá-la aqui apenas para lançar-se a tal questionamento ante as formulações iniciais de Semiótica e de signo propostas por Saussure e Peirce. Como dito, Saussure parte, inclusive para a construção metodológica do objeto da Linguística – a língua – da pressuposição da cadeia falada e, portanto, da presença de pelo menos dois seres humanos trocando mensagens por meio da fala, o que implicará na presença do elemento social convencional, justamente a língua. Também seu conceito bipartite de signo, dado pela relação entre uma imagem acústica e um conceito, pressupõe a presença da mente humana. Assim, parece plausível asseverar que as preocupações de Saussure quanto à linguagem e ao signo estão marcadas por um caráter antropomórfico e antropocêntrico. Peirce, por sua vez, apesar de conceber o signo como decorrente da relação três entidades, também não afasta a necessidade da presença da mente humana, pois, para ele, o representâmen é algo que “[...] dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente.” (PEIRCE, 2010, p. 46). Todavia, argumenta Eco que o conceito de signo proposto por Peirce apresenta a vantagem de não requerer, como o de Saussure, a

41 Uma das bases do pensamento filosófico de Peirce é a reflexão sobre a capitação do Ser no fenômeno e a divisão dos entes captados no que chama de “categorias cenopitagóricas”, que são três: primariedade,

secundariedade e terciariedade. “Primariedade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem

referência a qualquer outra coisa. Secundariedade é o modo de ser daquilo que é tal como é, com respeito a segundo, mas independentemente de qualquer terceiro. Terciariedade é o modo de ser daquilo que é tal como é, colocando em relação recíproca um segundo e um terceiro.” (PEIRCE, 1975, p. 136). Peirce entende que “[...] em sua forma genuína, a Terciaridade é a relação triádica existente entre um signo, seu objeto e o pensamento interpretante, em si mesmo um signo, considerado como constituindo o modo de ser de um signo.” (PEIRCE, 1975, p. 142). 

intencionalidade em sua emissão e o respaldo de uma convenção social (como a língua) para ser transmitido.

Ao se eliminar a intencionalidade na emissão do signo, está-se a considerar a hipótese de “signos naturais”, não produzidos e emitidos teologicamente por uma mente humana (ainda que captados e interpretados por ela). Entre esses signos, Eco leva em conta (a) eventos físicos provindos de uma fonte natural e (b) comportamentos humanos emitidos inconscientemente. Em relação ao primeiro caso, o dos fenômenos naturais, tais como a percepção da existência de fogo devido à fumaça ou da passagem do animal devido aos rastros, está-se diante de relações estabelecidas por uma inteligência por meio de inferência. Seria arriscado considerar, segundo Eco, toda inferência como um evento semiótico – e Peirce o fez, entretanto, com a noção de índice42 – ou que todo evento semiótico envolve inferência. Todavia, parece plausível assumir que alguns tipos de inferência podem ser reconhecidos como eventos semióticos. Tal seria o caso das inferências que são culturalmente reconhecidas e sistematicamente codificadas: aí se está diante de uma convenção semiótica43. Assim, se um grupo humano decide usar algo como veículo de outra coisa diferente desse algo, está-se diante de uma convenção ou código que permitirá a existência dum signo enquanto tal. Logo, um evento físico proveniente de uma fonte natural pode ser entendido como signo desde que uma convenção estabeleça “[...] uma correlação codificada entre uma expressão (o evento percebido) e um conteúdo (a sua causa ou o seu efeito possível). Um evento pode ser o significante de sua causa ou efeito, desde que estes não sejam de fato perceptíveis.” (ECO, 2005, p. 12). Isso porque se a fumaça é percebida em conjunto com o fogo que a causa, não pode funcionar como símbolo dele. Desde que causa e efeito não sejam percebidos juntos em um mesmo ato de atenção e desde que haja uma convenção social que comumente os associe, um pode funcionar como significante do outro.

No segundo caso, o de signos não intencionais, como no do comportamento humano inconscientemente manifesto, está-se diante de uma questão com muitas variáveis e suscetível a muitas desconfianças, pois é difícil afirmar categoricamente em muitos casos,

42 O índice é uma das categorias de signos decorrente da tricotomia proposta por Peirce a partir da consideração de cada elemento componente da semiose (representâmen, interpretante e objeto). O índice insere-se na segunda tricotomia, referente à relação entre o signo (representâmen) e seu objeto, e é “[...] um signo que se refere ao Objeto que denota em virtude de ser realmente afetado por esse Objeto.” (PEIRCE, 2010, p. 52). Ou seja, no índice existe uma relação de causalidade entre a materialidade do representâmen e a materialidade do objeto referente. 

43 Essa observação remete a um dos problemas enfrentado por Eco (2005, p. 208) em sua teoria da criação sígnica: o estabelecimento de uma convenção com o recurso a uma metalinguagem prévia. Mesmo o