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PARTE 1 OS MODELOS DE CIÊNCIA SEMIÓTICA PROPOSTOS POR

1.2 Jakobson: fatores da comunicação verbal e funções da linguagem

Não obstante a tremenda contribuição de Jakobson para a Linguística e a Poética e sua interlocução com outros campos de estudo – como a teoria da informação, a Antropologia e mesmo a Psicologia –, o que mais interessa à presente pesquisa é, talvez, o mais divulgado produto de sua reflexão teórica: os fatores da comunicação verbal e as funções da linguagem. O modelo de Jakobson é, no texto ora examinado, apresentado em sua contribuição à Poética, mas, conforme se verá, tal modelo é passível de grande generalização e, em conjunção com os diversos esforços aqui apresentados para a construção de uma Semiótica, há de ser pensado pra além da comunicação verbal e do signo linguístico. Conforme se verá, os fatores do modelo sextavado de Jakobson serão aproveitados por Eco em sua teoria da produção sígnica (ECO, 2005, p. 131 et seq.). Assim, o texto a se expor é o texto Linguística e Poética, aqui publicado no volume Linguística e Comunicação (JAKOBSON, 2007) e no qual a intenção de Jakobson é afastar teses como a do linguista Martin Joos, para quem os elementos emotivos do discurso não podem ser descritos por meio de um número finito de categorias. Para provar sua tese da possibilidade de descrição linguística do discurso poético, Jakbson propõe-se a apresentar um modelo mais amplo dos elementos constituintes do processo linguístico.

33 Segundo Hjelmslev (2006, p. 126, grifo do autor), “[...] como já observaram os lógicos, é possível além do mais imaginar uma semiótica científica que trata de uma metassemiótica e, na terminologia deles, podemos definir uma meta-(semiótica científica) como uma metassemiótica cuja semiótica-objeto é uma semiótica científica (uma semiótica que entra como um plano numa semiótica denomina-se semiótica-objeto desta). De acordo com a terminologia de Saussure, podemos definir a semiologia como uma metassemiótica cuja semiótica-objeto é uma semiótica não-científica. Chamaremos assim de metassemiologia uma meta-(semiótica científica) cujas semióticas-objetos são semiologias.”  

É mister uma perspectiva sumária dos fatores constitutivos de todo processo linguístico, de todo ato de comunicação verbal. O remetente envia uma

mensagem ao destinatário. Para ser eficaz, a mensagem requer um contexto a

que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um

contacto, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o

destinatário, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. (JAKOBSON, 2007, p. 122-123, grifo do autor).

Dessarte, são seis os fatores envolvidos na comunicação verbal: remetente, destinatário, mensagem, contexto, código e contato. Cada um desses fatores determina uma diferente função da linguagem (Figura 6). Conforme o próprio Jakobson admite, ele parte do “[...] modelo tradicional da linguagem, tal como o elucidou Bühler particularmente.” (JAKOBSON, 2007, p. 125), o qual dava ênfase a três fatores – remetente, destinatário e referente – e às funções correspondentes – função manifestante, função apelativa e função representativa34. Além de renomear tais funções para função emotiva, função conativa e função referencial, respectivamente, acrescenta as funções poética, fática e metalinguística, correspondentes à ênfase na mensagem, no contato (ou canal) e no código, também respectivamente. Há de alertar-se para que, assim como os seis elementos estão presentes em

34 Em sua obra Teoria da Linguagem (1990), escrita em 1934, Karl Bühler apresenta – inspirado pela posição de Platão no diálogo Crátilo – um modelo da linguagem como meio ou instrumento (“organum”): “[...] penso que foi uma boa ideia a de Platão quando assevera no Crátilo que a linguagem é um organum para que alguém informe a outro algo sobre as coisas.” (BÜHLER, 1990, p. 30, tradução nossa). Assim, o modelo de Bühler baseia-se em três fundamentos correlatos: alguém, o outro, a coisa. Esses elementos são dispostos por Bühler num diagrama no qual três segmentos de reta radiados e idênticos, dispostos em ângulos de 120º uns em relação aos outros, têm como ponto final cada um dos elementos da linguagem considerados (alguém, outro, coisas); o quarto ponto (central), donde os segmentos de reta irradiam, “[...] simboliza o fenômeno suscetível de percepção sensível, normalmente um fenômeno acústico, o qual claramente deve estar em alguma ou outra relação para com os três fundamentos nos cantos, seja uma relação direta ou mediada.” (BÜHLER, 1990, p. 30,

tradução nossa). Ao discutir e afastar a possibilidade de um modelo simplesmente causal para a linguagem –

baseado no binômio alguém-outro, equivalente aos binômios fenômeno-estímulo e causa-efeito – e, para tanto, levar em conta a exposição de Saussure sobre o circuito da fala, Bhüler corrige o seu modelo e passa considerar como componentes de um dos três fundamentos da linguagem não simplesmente as coisas, mas as coisas e os estados de ocorrências do mundo. Dessa relação entre o fenômeno e o fundamento composto pelas coisas e estados de ocorrências do mundo, emerge a função representativa da linguagem, tema central do livro ora discutido, a compor parte de um projeto mais extenso de Bühler a captar, em mais dois livros, as funções contraídas entre o fenômeno e o falante (alguém) e entre o fenômeno e o ouvinte (outro). “O conceito de ‘coisas’ ou o par conceitual mais adequado ‘coisas e estados de ocorrências’ não captura o todo para qual o som é um fenômeno mediador, um mediador entre o falante e o ouvinte. Tanto que cada um dos dois participantes tem sua própria posição na composição da situação discursiva. [...] Eles não são simplesmente parte daquilo sobre o que a mensagem é, mais propriamente eles são parceiros numa troca, e em última instância essa é a razão por que é possível que o som como produto mediador tenha uma relação de significação específica com cada um, com o alguém e com o outro individualmente.” (BÜHLER, 1990, p. 37- 38, tradução nossa, grifo do autor). Assim, a relação entre o fenômeno e o falante ou emissor constitui a função manifestante da linguagem; a relação entre o fenômeno e o ouvinte ou receptor, a função apelativa da linguagem. Assim, para Bühler, a função representativa serve para transmitir a outrem formas de compreensão do mundo; a função manifestante, para veicular estados emocionais e psíquicos do emissor; e a função apelativa, para influenciar outrem. 

todo ato de comunicação verbal, é bastante difícil encontrar mensagens em que apenas uma das funções esteja presente. Isto é, em uma mensagem não há o monopólio de uma função, mas a justaposição das funções em uma ordem hierárquica, de modo que, a bem da verdade, estando presentes os seis elementos do ato de comunicação verbal, também estarão as seis funções da linguagem, mas em graus diferentes de destaque. Assim, as funções são aspectos sobressalentes da relação que a mensagem tem para consigo mesmo e para com os demais elementos da comunicação. Logo, “[...] a estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante.” (JAKOBSON, 2007, p. 123).