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CAPÍTULO 2 – Estrutura de classes e interesses materiais

2.2 Teoria, estratégias metodológicas e resultados

2.2.1 Estrutura de classes – avanços da tipologia neomarxista e adequação aos

2.2.1.2 Estrutura de classes – resultados

As Tabelas 1 – com dados detalhados das diversas localizações classistas – e 2 – baseada em dados agregados por grupamentos – expõem o mapeamento da estrutura de classes produzida com base nos conceitos, estratégias metodológicas e objetivos delineados acima. A partir dos resultados nelas expressos, é possível dimensionar o estado geral das relações classistas nos dois momentos selecionados para a análise.

Em 2000, a matriz de relações de classe era composta por uma porção majoritária de indivíduos imersos em posições destituídas, num cômputo de 41,55% do total da população economicamente ativa de então. No âmbito de suas localizações “privilegiadas”, os empregadores se constituíam no grupo minoritário – dividido em uma porção mínima de capitalistas e fazendeiros (com 590.417 indivíduos, ou 0,80% do total) e outra um pouco mais alargada de pequenos empregadores (1,77%) –, ao passo que os autônomos portadores de ativos econômicos representavam a porção mais significativa – cuja representativa porcentagem de trabalhadores por conta própria urbanos se destacava (11,21%).

173 No terceiro capítulo, como será visto, para cada pleito do período em tela serão produzidos

resultados com base nas técnicas de inferência ecológica. Por conseguinte, os procedimentos necessários para tanto pressupõem que as dimensões assumidas pelos diferentes grupamentos classistas, nos anos de realização das disputas eleitorais presidenciais, sejam conhecidas. Como as pesquisas PNAD, de realização anual, não apresentam as informações necessárias para tanto, tal condição implica, primeiramente, se valer diretamente dos dados formulados a partir do Censo 2010 – único, durante o intervalo de tempo em análise, que foi a campo em um ano de eleição presidencial –, e, em acréscimo, elaborar projeções – com base na comparação dos dados das duas versões utilizadas daquela pesquisa –, para os anos restantes: 2002 e 2006.

Tabela 1 – Distribuição absoluta e proporcional das posições na estrutura de classes no Brasil (2000 e 2010) e tipologia de agrupamentos classistas

Posições de Classe 2000 2010 Agrupamento

Abs. (%) Abs. (%) de Classe

Capitalista e Fazendeiro 590.417 0,80 630.309 0,72 Privilegiados Pequeno Empregador 1.307.425 1,77 922.599 1,05 Autônomo 8.291.815 11,21 7.999.646 9,12 Autônomo Agrícola 1.674.006 2,26 1.089.668 1,24 Especialista (autônomo) 689.867 0,93 1.489.365 1,70 Gerente 1.483.079 2,01 1.875.030 2,14 Especialista (empregado) 2.296.595 3,11 4.303.876 4,91

Empregado Qualificado 4.321.954 5,84 5.815.981 6,63 Trabalhadores

Supervisor 775.265 1,05 969.441 1,10

Trabalhador 21.796.404 29,47 30.026.832 34,22 Trabalhador Elementar 7.104.756 9,61 7.602.576 8,67 Destituídos Empregado Doméstico 5.016.269 6,78 5.964.950 6,80 Autônomo Precário 2.696.925 3,65 5.201.632 5,93 Autônomo Agrícola Precário 2.043.634 2,76 2.898.923 3,30 Trab. de Subsistência 2.033.141 2,75 3.459.638 3,94

Excedente 11.837.581 16,01 7.487.203 8,53

Total 73.959.133 100 87.737.670 100

Fonte: Censos 2000 e 2010 IBGE (CEM, 2013a). Elaboração própria.

Tabela 2 – Distribuição absoluta e proporcional dos agrupamentos na estrutura de classes no Brasil (2000 e 2010)

Agrupamentos de Classe 2000 2010 Abs. (%) Abs. (%) Privilegiados 16.333.204 22,08 18.310.493 20,87 Trabalhadores 26.893.624 36,36 36.812.255 41,96 Destituídos 30.732.306 41,55 32.614.922 37,17 Total 73.959.133 100 87.737.670 100

Fonte: Censos 2000 e 2010 IBGE (CEM, 2013a). Elaboração própria.

O conjunto dos empregados em posições privilegiadas de apropriação perfazia uma proporção pouco maior do que 5% – com uma maioria de especialistas (3,11%) e um número menor de gerentes (2,01%). No tocante à classe trabalhadora “ampliada”, a posição de classe que Singer referenciaria como “proletariado propriamente dito” – aqui nomeada a partir da categoria “trabalhadores” – se constituía na mais significativa, no interior da estrutura de classes, caso tomada particularmente, de forma tal que os 21.796.404 em seu interior representavam 29,47% do total. Por fim, o grupamento das posições de classe destituídas era

majoritariamente composto por empregados precarizados – trabalhadores elementares (com 9,61%) e empregados domésticos (6,78%) – e trabalhadores excedentes, cuja ampla marca de 11.837.581 indivíduos totalizava 16,01% da PEA. Para além dos demais processos de destituição, tal número evidencia, de modo mais patente, as características da exclusão social no período.

Em 2010, as proporções se inverteram e a estrutura de classes do capitalismo brasileiro passou a ser composta por uma maioria de proletários imiscuídos nas posições da classe trabalhadora ampliada. Conforme indica a Tabela 2, tal agrupamento perfazia, naquele ano, 41,96% do total da força de trabalho, enquanto as posições de classe destituídas foram reduzidas a 37,17% e as privilegiadas a 20,87%. No interior desse último grupo de localizações classistas, tal encolhimento esteve majoritariamente associado à diminuição, em termos proporcionais, dos autônomos agrícolas e urbanos – que passaram a percentuais de 1,24% e 9,12%, respectivamente. Dentre os privilegiados, somente as posições gerenciais e de especialistas aumentaram, em termos proporcionais – os especialistas empregados, sobretudo, passaram a representar 4,91% do total. A diminuição das localizações destituídas é marcadamente influenciada pela substancial retração do contingente de trabalhadores excedentes, reduzida a 8,53% do cômputo geral da população economicamente ativa. Excetuando o posto dos trabalhadores elementares, que também passou por uma diminuição (chegando a 8,67%), todas as demais posições de classe destituídas aumentaram suas proporções, em maior ou menor monta. Especificamente em relação ao grupamento das posições da classe trabalhadora ampliada, o redimensionamento de sua amplitude foi capitaneado pelo aumento proporcional da localização dos trabalhadores “típicos”. Embora as demais posições em tal grupo tenham também crescido – especialmente o posto dos empregados qualificados (que chegou a 6,63%) –, aquela posição de classe passou a contar com uma quota de mais de trinta milhões de indivíduos, totalizando 34,22% da força de trabalho.

As mudanças no interior da estrutura de classes, embora evidenciadas pela observação das tendências acima descritas, podem ser compreendidas de forma ainda mais aprofundada através da mobilização de expedientes metodológicos especificamente produzidos para apurá-las. Nesse sentido, a Tabela 3 registra a adaptação aqui proposta de medidas presentes na metodologia shift/share – formulada por Wright (WRIGHT; MARTIN, 1987) e ampliada por Santos (2002) em

suas análises sobre as relações de classe no Brasil – de análise das variações na amplitude das posições de classe. Tal metodologia consiste basicamente em dimensionar a mudança “líquida” – “net shift” (WRIGHT; MARTIN, 1987, p. 14) – ocorrida entre dois diferentes momentos da estruturação das relações de classe em uma dada formação social para, em seguida, decompô-la em três elementos: um componente das mudanças dadas no interior dos setores econômicos (sector shift

effect); um componente que mede as mudanças na distribuição das classes dentro

dos setores (class shift effect); um termo de interação entre esses dois efeitos (WRIGHT; MARTIN, 1987, p. 12).

Dado que os objetivos aqui perseguidos são mais modestos e se referem basicamente à observação das tendências gerais do desenvolvimento da estrutura de classes, a apropriação dessa metodologia não conta com tal decomposição em efeitos. Esse expediente, embora torne a análise limitada – justamente por prescindir da diferenciação entre as tendências que concorrem para as mudanças no interior da estrutura de classes –, permite incorporar à investigação todas as posições pressupostas pela tipologia utilizada, inclusive aquelas resultantes dos processos de opressão econômica174. Como resultado, as análises aqui empreendidas são

centradas basicamente nos resultados específicos da mudança líquida.

Para calculá-los, são previamente necessários dados das mudanças “real” e “esperada” no interior da estrutura de classes. A primeira diz respeito à simples diferença entre os números absolutos apresentados pelas diversas posições de classe nos dois anos selecionados, já a segunda representa o número de indivíduos que seriam acrescentados a cada posto da tipologia, no último ano da série, caso eles continuassem com as mesmas proporções do ano anterior175. A mudança

líquida, por fim, é obtida a partir da subtração entre os resultados da mudança real e da esperada. Mediante tais procedimentos, os efeitos de expansão da população economicamente ativa são artificialmente anulados e, por conseguinte, revelam-se as variações líquidas particulares a cada posição de classe (SANTOS, 2002, p.

174 Como demonstrado por Santos (2002, cap. 3), uma vez que dados da distribuição das classes

entre os setores econômicos se fazem necessários para tal tipo de análise, somente as posições de classe dos empregados ou empregadores podem ser utilizadas. Dessa forma, seus cálculos são feitos com base na população total ocupada. Com vistas a incluir, nos resultados produzidos, todas as posições de classe constituintes da tipologia utilizada, os procedimentos expressos na Tabela 3 têm como base a população economicamente ativa.

177)176. Portanto, resultados positivos de mudança líquida demonstram que uma

dada localização classista expandiu sua dimensão na PEA, ao passo que resultados negativos indicam o contrário (SANTOS, 2002, p. 177).

Tabela 3 – Mudança real, esperada e líquida das posições na estrutura de classes entre 2000 e 2010 (Abs.)

Posições de Classe Real Esperada Líquida Capitalista e Fazendeiro 39.892 109.994 -70.102 Pequeno Empregador -384.826 243.572 -628.399 Autônomo -292.169 1.544.760 -1836.929 Autônomo Agrícola -584.337 311.866 -896.204 Especialista (auton.) 799.498 128.522 670.976 Gerente 391.952 276.297 115.655 Especialista 2.007.281 427.854 1.579.427 Empregado Qualificado 1.494.027 805.177 688.850 Supervisor 194.176 144.431 49.745 Trabalhador 8.230.428 4.060.656 4.169.772 Trabalhador Elementar 497.820 1.323.611 -825.791 Empregado(a) Doméstico(a) 948.681 934.528 14.153 Autônomo Precário 2.504.707 502.435 2.002.272 Autônomo Agrícola Precário 855.289 380.728 474.561 Trab. de Subsistência 1.426.497 378.773 1.047.724 Excedente -4.350.378 2.205.333 -6.555.712

Total 13778537 13778537 0

Fonte: Censos 2000 e 2010 IBGE (CEM, 2013a). Elaboração própria.

Por intermédio de tais critérios, as tendências de mudança acima apontadas podem ser mais bem qualificadas. Conforme é possível conferir na Tabela 3, o grupamento dos privilegiados apresentou o maior número de posições que variaram aquém do esperado, diminuindo, portanto, suas porções no âmago da estrutura de classes – de suas sete localizações constituintes, quatro apresentaram sinais negativos nos resultados de mudança líquida (dentre as quais, a queda mais acentuada foi apresentada pelos autônomos urbanos com ativos, numa variação negativa de 1.836.929). Dentre os destituídos, embora os sinais negativos somente tenham sido identificados em duas posições, esse grupamento diminui de proporções devido a motivo diverso – a mudança líquida registrada pela localização de trabalhadores excedentes foi a mais expressiva dentre todos os postos

176 Devido a tais procedimentos de padronização e suspensão das taxas de expansão, os resultados

da soma entre as mudanças líquidas apresentadas pelas diferentes posições de classe são sempre iguais a zero.

constituintes da tipologia de classes, com menos 6.555.712 indivíduos aquém do resultado esperado. A classe trabalhadora ampliada, por sua vez, contou com a maior marca dentre as mudanças líquidas positivas das localizações classistas – o acréscimo de mais de oito milhões de indivíduos às fileiras de trabalhadores típicos representou um incremento de 4.169.772 acima do esperado. Como resultado, tais dados oferecem mais subsídios ao diagnóstico, acima exposto, de

redimensionamento da estrutura de classes brasileira no sentido da diminuição do espaço da destituição e do contingente de indivíduos em posições de classe privilegiadas, além do concomitante crescimento da proletarização.

Não há espaço, conforme a observação dessas tendências, para a verificação da tese lançada por Neri (2011) acerca das “novas classes médias” no Brasil contemporâneo. Dito em outros termos, isso significa afirmar que não se admitem, nos moldes de uma abordagem de classe relacional e baseada no pressuposto de posse diferencial de ativos econômicos, as leituras que tal autor formula sobre os estratos médios a partir de estratégias gradacionais, com base na renda. Conforme suas formulações, o advento de uma nova classe média se verifica no alargamento substancial das fronteiras do que chama de “classe C” – “a mesma que atingia 37,56% da população brasileira, em 2003, passa a 50,45%, em 2009, ou 94,9 milhões de brasileiros com renda acima de R$ 1.200,00 até R$ 5.174,00 mensais [...] [o que] equivale dizer que 29 milhões de brasileiros que não eram, passam a ser classe C nos últimos anos desde 2003” (NERI, 2011, p. 86). Esses resultados se fazem acompanhar de um decréscimo igualmente agudo dos estratos de renda inferiores e concomitante acréscimo moderado dos superiores177. Embora

elucidativos do processo de diminuição de desigualdades sociais substantivas no seio da sociedade brasileira, esses dados não são capazes de demonstrar adequadamente as variações no quantitativo das posições de classe média na década de 2000. Isso ocorre mesmo que se tenha em vista um recorte mais restrito – por exemplo, os gerentes e especialistas (localizações médias por excelência do esquema neomarxista), conforme os dados de mudança líquida acima expostos,

177 Segundo Neri (2011, p. 86), 20.481.069 pessoas saíram da “classe E” e 2.431.443 da “classe D”,

variaram positivamente em porções moderadas, distantes da amplitude pressuposta por Neri178.