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ESTRUTURA E FORMA DO DRAMA

No documento Sade: Criação e processo do drama (páginas 98-118)

Cenas I e III – fuga na Itália (1772)

CAPÍTULO 2 ESTRUTURA E FORMA DO DRAMA

Neste capítulo, analisando minhas escolhas sobre a estrutura e a forma do texto, tentarei justificar as opções não simplesmente pela facilidade ou lógica estrutural. Descreverei, através da forma, as opções políticas que escolhi, dissertando sobre a responsabilidade imensa que penso que o dramaturgo e sua obra têm perante seu público, ainda mais sendo o teatro uma arte do instante, viva e efêmera. Através da análise dos sete quadros que compõem a peça – agora, analisados na seqüência objetiva em que foram escritos, com pulos temporais e transições bruscas –, vou definir as opções de encadeamento e tentar mostrar a responsabilidade que temos com o que escrevemos, de como escrevemos e por que escrevemos.

O exercício da escrita é um jogo eterno de traição e reconquista. Pendendo entre estes dois, o autor muitas vezes racionaliza o texto para que ele não fuja ao seu controle, e, outras tantas, o texto flui dizendo coisas inesperadas. Muitas vezes, uma rima – no caso da poesia – ou uma fala ou um gesto – no caso do teatro – obrigam o texto a se desencaminhar de sua couraça racional, trilhando caminhos inesperados e, às vezes, tergiversando a proposta inicial do autor.

Na história do teatro, penso que o texto cuja intenção política estava como peça fundamental da criação acabou por se destacar em relação às histórias comoventes, melodramáticas e vazias. Mesmo sem uma intenção ideológica clara, a obra que traduzia as crises da sua sociedade ou espelhava momentos históricos para comparar e comprovar o eterno retorno das situações acabava por se destacar ao tocar não simplesmente o sentimento, mas também os costumes, as regras, as leis, os sistemas; e esta obra foi a que permaneceu, perdurou na história da literatura e das artes. Dias

Gomes dizia que “todo teatro é político”89. Mesmo aquele que não contesta é político, pois está sendo conivente com o sistema onde ele é desenvolvido. E este tipo de teatro geralmente é combatido e criticado não pela falta de posicionamento político, penso eu, mas pelo fato de que aceita o sistema, a partir do momento que não o combate.

Infelizmente, tenho que admitir que nunca, na história da humanidade, vivemos sob um sistema suficientemente bom para que fosse abolida qualquer crítica sobre ele. Desde Platão – que, em uma de suas principais obras, A república, diz que o teatro seria desnecessário numa sociedade perfeita, pois ele pinta os vícios, e uma sociedade perfeita não os teria – até a revolução individual descrita por Mrozek em sua peça A

polícia90, percebemos que a denúncia move o teatro, como as artes, em geral, e, para tal,

é preciso uma conscientização por parte do autor, uma eterna vontade de mudar. Assim, para realizar sua obra, o autor precisa, muitas vezes, entrar numa espécie de jogo de xadrez em que só a vitória interessa e no qual os adversários são, muitas vezes, o gosto popular, o medo ou necessidade de agradar a crítica, os padrões preestabelecidos, as normas, e o próprio texto, que nos aponta soluções por vezes óbvias, sentimentais, pirotécnicas, mas, ou por isso mesmo, prejudiciais à ética do que se pretende.

Além de todo um pensamento em relação ao drama, que será melhor tratado no epílogo desta dissertação, eu não poderia trair meu personagem em sua postura perante o leitor.

Sade, devemos admitir que muitas vezes exageradamente e enfadonhamente, expõe sua filosofia e contesta sua sociedade do início ao fim de seus romances. Uma

89

GOMES, Dias. Coleção Dias Gomes, volume 3: Os caminhos da revolução. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1991, p.625.

90

Este texto não tem tradução publicada em português. Eu li há alguns anos, numa versão inglesa que não tenho mais acesso, e trata de um país onde todos adoram o governo, exceto um prisioneiro político, que resolve assinar um atestado de que adora o governo e sai da prisão. Pela necessidade de ter um preso político, convocam um espião que adora o governo, mas finge odiá-lo, sendo preso no lugar do antigo. Contudo, ao ler as denúncias escritas pelas paredes da cela, o espião toma consciência da podridão do estado em que vive e se revolta contra o sistema, terminando a peça ameaçando personagens ligados ao alto-escalão do governo militar com as palavras de ordem “viva a revolução”.

peça sobre a sua vida poderia ser uma sucessão de cenas de erotismo barato e ateísmos primários, mas, numa análise mais profunda das idéias e deste personagem, vemos que ele foi um precursor de muito do que se pensou no final do século XIX e até mesmo no século XX.

Como repetidas vezes falei, o mito de Sade, junto ao mito da Revolução Francesa, de Napoleão, de Luís XVI e Maria Antonieta, tudo isto é uma armadilha conceitual e política, um vespeiro onde devemos meter as mãos amparados e conscientes. Para tal e para além da escolha de cenas, um desencadeamento das cenas me pareceu uma forma de tratar dos assuntos sem o risco de – através de uma cronologia correta (se é que não se trata de um pleonasmo esta expressão) – tendenciar leituras nem estabelecer a simpatia que geralmente acontece ao acompanharmos a vida de alguém que termina a vida sofrendo.

Pois, então, farei uma análise das minhas escolhas, começando pelo quadro I, e assim, sucessivamente, analisando os quadros da peça, um por um, até o quadro final.

QUADRO I – CHARENTON (1814)

Eu começo pelo fim. A primeira cena da peça Sade inicia no leito de morte do personagem título do texto. Mais do que um exercício formal ou um recurso inspirado nos melodramas roliudianos, eu pensava num recurso de distanciamento em relação ao público.

O termo “distanciamento” é diretamente ligado a Bertold Brecht, e não pretendo que se desligue pelo simples fato de que ele teve fundamental importância para que se pensasse o drama no século XX, analisando um recurso – que ele mesmo sabia que não

havia inventado, apenas notificado e reformulado – e desenvolvendo-o em suas peças, da forma como lhe convinha.

Sem algum juízo de valor, o que pretendo é radicalizar – e sei que não sou nem o primeiro nem o segundo a fazer isto – a estrutura da trama para que o espectador, para além do estranhamento sofrido pela quebra épica que Brecht pretendia em seus dramas, não se identifique, em hipótese alguma, com a linear história do personagem.

Em Charenton, Sade está no final de sua vida. Velho, quase cego, gordo, Sade é um pária da sociedade, apenas amparado pela sua amante.

No dia 2 de dezembro de 1814, ele recebe a visita de seu filho, após anos de distância e rusgas com a família de sua esposa. É o dia em que ele, coincidentemente, morre.

Um dos motivos de ser esta a primeira cena foi o fato de conhecermos o personagem em sua fragilidade. A peça começa subvertendo a imagem que se associa e que se anseia ao iniciar a leitura ou ao comprar os bilhetes para uma peça com o título Sade. Ele está – para além de sua revolta, que o espectador ou leitor entenderá com o decorrer da peça – definhando num asilo para loucos, abandonado e sofrendo, no momento da cena, a pressão de um filho que não podia querer outra coisa senão controlar questões testamentárias do marquês, que, mesmo tendo vendido propriedades, ainda era um nobre de posses. É seu filho do meio quem vai lá, pois o primogênito havia morrido. E lá eu crio o embate, em meio a hipocrisias e disfarces, ideologias e conceitos, bem como exponho – através do filho de Sade – o surgimento do pensamento capitalista, quase irmão gêmeo das revoluções burguesas que tiraram a nobreza do trono e colocaram, ao invés da propagada razão, o capital em seu lugar.

A cena serve de apresentação por estes motivos, e penso que é uma cena perigosa. Perigosa porque Sade está em desvantagem, e, por mais que diga coisas

infames, temos a inevitável compaixão pelo sofredor, pelo desfavorecido, ficamos sempre do lado do mais fraco. E Sade está assim, neste momento. Não dita mais nada, não tem mais sua exuberância, seu dinheiro, está desmoralizado por treze anos de prisão, após uma revolução que retirou da nobreza seu poder e, depois, do povo, seus direitos, levando, numa conseqüência cruel, Napoleão ao poder e a França ao despotismo contra o qual tanto lutou e foi motivo inicial do movimento revolucionário.

Colocá-la ao final da peça, cronologicamente, poderia tirar do espectador um sentido crítico, distanciado, levando-o a se condoer com o pobre moribundo, fazendo com que saísse do teatro com a sensação de que o pobre Sade foi um sofredor, que ele pagou mais do que devia pelos crimes que cometeu.

A questão do fim de uma peça é delicada. Pode salvar ou estragar com uma obra. É um momento de redenção ou de destruição do objeto artístico ou literário, pois pode transubstanciar o que foi dito, o que foi discutido, em algo próximo ao sublime ou ao ridículo, parodiando Napoleão.

Penso que, se fizéssemos a peça sobre a vida de um criminoso e colocássemos – no final – uma cena em que a sociedade o massacrasse, ele sofresse torturas – sejam psicológicas ou físicas –, correríamos o risco de criarmos uma compaixão na platéia. O contrário também é verdadeiro, pois se colocássemos um grande homem, no final de um espetáculo, cometendo um ato completamente deplorável, penso que a platéia imediatamente criaria um asco em relação a ele, ficaria revoltada e rechaçaria o personagem como alguém abjeto.

Esta é uma das provas do que falo em relação à não-inocência do que se diz num palco. Podemos mudar a opinião de pessoas com um simples coup de théatre91. Através do encanto da cena, do diálogo, até mesmo da mais baixa forma de arte, que por ser

91

Termo francês que simboliza as reviravoltas cênicas que prendem o espectador. As peripécias, as surpresas, as revelações, macetes da dramaturgia para empurrar a trama até o final, mantendo a atenção

baixa, rasteira, atinge mais fácil e comove, enternece mais ainda um público quase sempre rendido à estética melodramática televisiva e roliudiana, podemos conduzir as pessoas a sentir, às vezes até a pensar como a gente.

Em seu Psicologia de massas do fascismo92, Reich aponta as ferramentas utilizadas para conduzir o pensamento do homem médio, suscetível de ser influenciado e à espera de definições que não partam dele. Falando do trabalhador médio (este pequeno-burguês, pode-se pensar, este homem que vive o dia-a-dia do trabalho, televisão e sexo nos fins-de-semana – como bem analisa Marcuse), ele escreve:

Teria sido mais realista constatar que o trabalhador médio tem em si uma contradição; que ele não é nem nitidamente revolucionário nem nitidamente conservador, mas está dividido. Sua estrutura psíquica resulta, por um lado, da situação social (que prepara o terreno para atitudes revolucionárias) e, por outro, da atmosfera geral da sociedade autoritária – dois fatores que não se irmanam93.

É um livro que pretende estudar, como ele mesmo diz, “por que motivo as massas se mostraram receptivas ao engodo, ao embotamento ou a uma situação psicótica”94 e “por que motivo as massas se deixam iludir politicamente”95. É um livro que vai a fundo ao que tanto Reich quanto Marcuse e toda uma escola marxista afirmam: as massas são massas de manobra. Conscientes disto, muitos usaram a arte para promover o fascismo, o autoritarismo e até mesmo o comodismo. Através de obras aparentemente inocentes, ou, ao contrário, de um dogmatismo adestrador, muitas obras vedaram o acesso da consciência coletiva às profundezas da problemática social,

92

REICH, Wilhelm. Psicologia de massas do Fascismo. Martins Fontes Editora. São Paulo. 2001. 93

Idem, p.20. 94 Ibidem, p.35. 95

política e sexual. Sade fez o contrário e, por isso – também e para além de um simples pornográfico –, foi proibido, encarcerado, castrado.

QUADRO II – FUGA NA ITÁLIA (1772) CENA I E CENA III

É justamente minha preocupação com relação de forças, de poderes, de opressão e rendição que me fez emendar o primeiro quadro com o quadro da viagem à Itália.

Sem adiantar, muito, questões do último capítulo, começo registrando o fato de que a atriz que interpreta Madame Quesnet, cúmplice do marquês, volta como a cunhada que dá uma rasteira nele e o ator que interpreta seu filho, que o subjuga, volta fazendo o personagem do criado.

Outro mito cai por terra neste quadro, juntamente com a troca de papéis. Afora os personagens femininos de Sade, que em sua maioria eram deliciosos pervertidos, com os quais – imagino – ele se deliciava, a mulher sempre passou pela vida do marquês como um objeto. Sem voltar à questão sentimental do início de sua vida, e excluindo Madame de Montreuil, que representou para ele o inferno em vida, Sade não dedicou os maiores respeitos pelas mulheres; usou-as e abusou delas em seus atos lúbricos.

Imaginamos, então, o mulherengo, sacana, sádico (por mais redundante que seja) Marquês de Sade e começamos a enfileirar em nossas cabeças tudo o que ele fazia ou queria fazer com as mulheres, e facilmente ele se torna um exemplo do comportamento social – que hoje atinge homens e mulheres em igual escala – em que o outro pouco importa, o que se quer é gozar. Poderíamos dizer que ele teria uma forte tendência a se tornar o herói dos machistas.

Pois o mito cai por terra quando – neste quadro – sua cunhada vem lhe avisar que vai voltar pra França. Ela assume um discurso completamente perverso e cínico, no qual consegue deixar o marquês balançado, enfraquecido enquanto garanhão, Don Juan, perfeito sedutor, que ele pensava ser.

Este quadro não mostra mais Sade como coitado; a relação é equilibrada e o jogo é justo. Não existe covardia nem preponderância. Fiz questão de deixar o ambiente da cena – através dos diálogos – confortável para que ambos os atores que fizessem os personagens se sentissem em pé de igualdade, por mais que soubessem o fim do quadro. A única questão que realmente enfraquece Sade é o fato de ele estar escondido, fugido e com um nome falso, mas, em momento algum, ele deixa de enfrentar sua cunhada por conta disto. As idéias são expostas, e vê-se que ninguém presta, com a pequena diferença que Sade – e este é seu mal e seu algoz – não compactua da hipocrisia com que Anne-Prospère conduz seu diálogo e, daí por diante (segundo a escolha de criação da peça), a sua vida.

QUADRO II – CASA DOS MONTREUIL (1763) CENA II

No meio do quadro, introduzo uma cena na qual Sade encontra com sua futura sogra para acertar detalhes do casamento, pedir a mão da filha, aquela formalidade toda que a maioria das famílias continua fazendo. Ela aparece em cena, neste momento, como uma espécie de apresentação, uma amostra do que será Madame de Montreuil na vida do marquês e no quadro final da peça, em que ela aparecerá para o julgamento.

É uma cena construída para mostrar como tudo, desde o início, começou errado. Aceitando a hipótese de Sade ter se equivocado quanto à candidata a esposa, pensando que Anne-Prospère era Reneé-Pelagie, temos um primeiro erro. O segundo, sendo o fato

de o pai de Sade achar que o casamento redimiria o filho, colocaria no bom caminho um desajustado que, no bom caminho, nunca pretenderia andar – fosse por escolha própria, a maioria das vezes, ou por imposição do sistema. E o terceiro erro, o maior de todos, que foi Sade pensar que poderia manipular, confiar e seduzir uma família inteira, ingenuamente achando que alguma mãe consciente deixaria suas filhas se meterem em tão graves atos, bem como uma dama da sociedade iria se deixar humilhar perante a sociedade, pondo o nome de sua família no lixo por conta de atos lúbricos de um genro.

QUADRO III – O CASTELO DE LA COSTE (1777)

Este quadro e o seguinte terão uma seqüência cronológica, pois – como já falei no capítulo 1 – esta seqüência de ações e acontecimentos é a construção do homem que chegou até nossos dias.

Procurei tratar, ainda dentro do tema feminino, como ele se valia das mulheres e o que elas significavam pra ele. Juntamente, trouxe o personagem Marais, um chefe de polícia que realmente existiu e que perseguiu o marquês durante um bom tempo, e o soldado Jean, personagem que será mais desenvolvido na cena seguinte.

Não quis cair no óbvio de retratar uma cena de tortura gratuita de Sade com mulheres. Na verdade, quem tortura as mulheres na cena é o inspetor, o chefe de polícia, e a cena serve para evidenciar o lado truculento e despótico que envolve alguém que tenha um cargo minimamente importante96. Sade assiste a tudo passivamente, de forma fria. Fiz a cena assim para expor o lado sórdido do marquês, através da sua passividade e das denúncias feitas que o levam à cadeia e são verdadeiras. Sade realmente promoveu orgias em seu castelo neste período, realmente engravidou Nanon, apesar de a cena ser

retratada de forma ficcional, e realmente foi preso neste ano, sendo solto somente em 1790. São os primeiros treze anos de cadeia. Mais treze virão depois da Revolução97.

Após ter esboçado, na primeira cena, o que Sade se tornou no final da vida, e depois de demonstrar como ele se viu, aos poucos, encurralado em uma situação, vemos agora o marquês na última cena gozando ainda de liberdade, antes do período revolucionário.

Há um laivo de revolta, já latente no marquês, que ele extravasa nesta cena. Quis demonstrar que Sade já vinha sofrendo, há algum tempo, a brutalidade da justiça, dos interesses e do dinheiro, bem como da família. Não podemos esquecer o fato de que Sade já havia sido preso, já havia fugido pra não ser julgado, já havia sido condenado à morte e penalizado em efígie e já havia tido todos os atritos possíveis e imagináveis com a família Montreuil (e, para isso, é bem útil que o quadro II seja anterior a este, pois este se torna um complemento, já que a volta da viagem é a ruína construída por ele, por mais barroca que pareça esta conclusão).

Contudo, sua revolução é sempre individual. Analisando Sade, Bataille afirma: “Quem admite o valor do outro necessariamente se limita”98. Nesta cena, vemos o marquês preocupado consigo e, a partir daí, ele discursa sobre os outros. Mais abaixo, Bataille nos diz:

A solidariedade em relação a todos os outros impede um homem de ter uma atitude soberana. O respeito do homem pelo homem

97

É interessante, e só me dei conta agora, que há uma coincidência numérica de anos na prisão, pelo menos em relação aos anos seguidos, já que Sade ainda é preso outras vezes. É mais interessante ainda saber deste espelho entre os treze anos de prisão antes da Revolução e os treze de depois pelo fato de o marquês ser obsessivo por números e datas. Esta foi uma de suas distrações durante o tempo de prisão, e já se manifestava pelos números cravados nas paredes de seus aposentos, que – segundo muitos achavam – indicavam o número de chibatadas ou de cortes feitos por ele ou sofridos por ele. Barthes desenvolve um pequeno estudo sobre esta obsessão de Sade, mas não me aterei a este fato por eu não ter tratado desta questão de forma explícita. Contudo, faço questão de pontuar que esta mania de cálculos e contas está inserida na peça em diálogos e referências.

98

determina um ciclo de sujeição no qual só vivemos momentos subordinados...99

Sade se utiliza de um discurso pra provocar o soldado, mas também para anular o sofrimento daquelas duas criaturas que estão ao canto na cena. O quadro mostra este marquês que – para além do erótico – é despótico. Mostra que ele é um aristocrata, pertence à nobreza, e tem o desprezo que toda nobreza tem pelo povo. Seu caso só é diferente porque a própria nobreza, a partir do momento que o persegue, passa a ser sua inimiga também.

Michel Foucault analisa bem a questão do poder em Sade, dando preponderância, em sua obra Os anormais, à questão do poder que o marquês possuía enquanto aristocrata da corte francesa. É uma visão que é constantemente obnubilada pelo endeusamento de Sade que fazem certos autores do século XX, que vêem o

No documento Sade: Criação e processo do drama (páginas 98-118)

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