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2.2. As normas jurídicas

2.2.1. Estrutura interna da norma jurídica

Muito se discute acerca da estrutura interna da norma jurídica.

Hans Kelsen entendia que as verdadeiras normas jurídicas eram aquelas que fixavam sanções (normas primárias), ao passo que as demais normas (normas secundárias), que fixavam competência, tratavam do processo, traziam permissões, não eram autônomas, pois deveriam se subsumir às primárias.

“Se uma ordem jurídica ou uma lei feita pelo parlamento contém uma norma que prescreve uma determinada conduta e uma outra norma, que liga à não observância da primeira uma sanção, aquela primeira norma não é uma norma autônoma, mas está essencialmente ligada à segunda; ela apenas estabelece – negativamente – o pressuposto a que a segunda liga a sanção. E, quando a segunda norma determina positivamente o pressuposto a que liga a sanção, a primeira torna-se supérflua do ponto de vista da técnica legislativa. Se, por exemplo, um código civil contém a norma de que o devedor deve restituir ao credor, de acordo com as estipulações contratuais, o empréstimo recebido, e a norma segundo a qual, quando o devedor não restituir ao credor a soma emprestada, de conformidade com as estipulações contratuais, deve ser realizada sobre o patrimônio do devedor, a requerimento do credor, uma execução civil; tudo o que a

subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação. Para que se instaure um fato relacional, vale dizer, para que se configure o enunciado pelo qual irrompe a relação jurídica, são necessários dois elementos: o subjetivo e o prestacional. No primeiro, subjetivo, encontramos os sujeitos de direitos postos em relação: um, no tópico de sujeito ativo, investido do direito subjetivo de exigir certa prestação; outro, na posição passiva, cometido do dever subjetivo de cumprir a conduta que corresponda à exigência do sujeito pretensor. Ambos, porém, necessariamente sujeitos de direito. Nada altera tratar-se de pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, nacional ou estrangeira.

Ao lado do elemento subjetivo, o enunciado relacional contém uma prestação como conteúdo do direito de que é titular o sujeito ativo e, ao mesmo tempo, do dever a ser cumprido pelo passivo. O elemento prestacional fala diretamente da conduta, modalizada como obrigatória, proibida ou permitida. Entretanto, como o comportamento devido figura em estado de determinação ou de determinabilidade, ao fazer referência à conduta terá de especificar, também, qual é seu objeto (pagar valor em dinheiro, construir um viaduto, não se estabelecer em certo bairro com particular tipo de comércio, etc). o elemento prestacional de toda e qualquer relação jurídica assume relevância precisamente na caracterização da conduta que satisfaz o direito subjetivo de que está investido o sujeito ativo, outorgando o caráter de certeza e segurança de que as interações sociais necessitam. É nesse ponto que os interessados vão ficar sabendo qual a orientação que devem imprimir às respectivas condutas, evitando a ilicitude e realizando os valores que a ordem jurídica instituiu”.

primeira norma determina está contido negativamente na segunda, como pressuposto. Um código penal moderno não contém, a maior parte das vezes, normas das quais, como nos Dez Mandamentos o homicídio, o adultério e outros delitos estejam proibidos, mas limita- se a ligar sanções penais a determinados tipos legais (Tatbestande). Aqui se mostra claramente que a norma ‘Não matarás’ é supérflua quando vigora uma norma que diz: ‘Quem matar será punido’, ou seja, que a ordem jurídica proíbe uma determinada conduta pelo fato mesmo de ligar a esta conduta uma sanção, ou prescreve uma determinada conduta enquanto liga uma sanção à conduta oposta. Normas jurídicas não-autônomas são também aquelas que permitem positivamente uma determinada conduta, pois elas apenas limitam o domínio de validade de uma norma jurídica que proíbe essa conduta na medida em que lhe liga uma sanção. Já nos referimos à norma permissiva da legítima defesa. A conexão entre ambas as normas em questão surge com particular clareza na Carta das Nações Unidas que, no seu art. 2º, n. 4, proíbe a todos os seus membros o emprego da força como autodefesa individual ou coletiva enquanto liga a esse emprego da força as sanções estatuídas no art. 39, e no art. 51, permite o uso da força como autodefesa, limitando assim a proibição geral do art. 2º, n. 4. Os artigos citados formam uma unidade. A Carta poderia conter um único artigo proibindo aos membros das Nações Unidas o uso da força em que não fosse autodefesa individual ou coletiva, fazendo do emprego da força, assim limitado, pressuposto de uma sanção. Um outro exemplo: uma norma proíbe o tráfico de bebidas alcoólicas, isto é, fá-lo pressuposto de uma pena, sendo, porém, essa norma limitada por uma outra segundo a qual o tráfico de bebidas alcoólicas, quando feito com permissão da autoridade, não é proibido, isto é, não é punível. A segunda norma, através da qual o domínio da validade da primeira é limitado, é uma norma não-autônoma. Aquela apenas faz sentido em combinação com esta. Ambas formam uma unidade. Os respectivos conteúdos podem ser expressos numa norma do seguinte teor: quem

traficar bebidas alcoólicas sem permissão da competente autoridade será punido”.42

Para Kelsen, a norma é prescrição. No entanto, o mestre de Viena reduziu o ordenamento jurídico ao esquema de normas sancionantes, o que foi bastante criticado por alguns doutrinadores.

Geraldo Ataliba, por sua vez, entende que a estrutura de toda norma jurídica, portanto também a da norma tributária, é composta por três elementos fundamentais: hipótese, mandamento e sanção43.

Paulo de Barros Carvalho, por seu turno, não concorda com a inclusão da sanção na estrutura da norma jurídica. No seu entendimento a sanção configura outra norma jurídica, com antecedente e conseqüente próprios, diversos, portanto, daqueles existentes na norma primária44.

Na verdade, para referido autor, o antecedente da norma sancionatória, por ele denominada secundária, traria a descrição do descumprimento do comportamento previsto no conseqüente da norma primária, sendo que o conseqüente prescreveria a relação jurídica em que o Estado estaria autorizado a utilizar-se do emprego da coercitividade.

Posição semelhante é defendida por Lourival Vilanova45:

“Na primária, estatuem-se relações jurídicas deonticamente modalizadas como eficácia da realização dos pressupostos fáticos descritos no antecedente, impondo ao pólo passivo um dado

42 KELSEN, Hans.

Teoria pura do direito. 4ª Ed. Armênio Machado. 1976. Coimbra. pp. 88/89.

43 De acordo com este entendimento, Geraldo Ataliba (

Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed.

Malheiros. 2006. São Paulo. p. 42) afirma:

“Com efeito, a estrutura das normas jurídicas é complexa; não é simples, não se reduz a conter um comando pura e simplesmente. Toda norma jurídica tem hipótese, mandamento e sanção. Verificada a hipótese, o mandamento atua, incide.

Acontecido o fato previsto na hipótese da lei (hipótese legal), o mandamento, que era virtual, passa a ser atual e se torna atuante, produtivo dos seus efeitos próprios: exigir inexoravelmente (tornar obrigatórios) certos comportamentos, de determinadas pessoas”.

44 O autor assevera:

“caso a sanção passasse a integrar a estrutura lógica da norma jurídica, haveríamos de conceber a regra que tivesse uma hipótese, uma conseqüência, outra hipótese para o descumprimento dessa conseqüência e, finalmente, outra conseqüência a que chamaríamos de

sanção”. (Teoria da Norma Tributária. Lael, 1974, p. 40).

45 VILANOVA, Lourival.

Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. Noeses. 2005. São Paulo. p.

comportamento obrigatório, permitido ou proibido. Na secundária, preceituam-se conseqüências sancionadoras, no pressuposto do não cumprimento do estipulado na norma primária, determinante da conduta juridicamente devida. Tem-se, assim, o descumprimento da norma primária como pressuposto de incidência da norma secundária”.

Este posicionamento parece ser o mais adequado, eis que a partir do momento em que a norma secundária é uma norma, eminentemente, processual, no sentido de que o sujeito ativo da norma primária provoca o Poder Judiciário para ver prevalecer o seu direito que foi descumprido pelo sujeito passivo da norma primária, não há razão para se entender que a sanção deva fazer parte da estrutura de referida norma primária.

Óbvio que não existe norma jurídica completa sem sanção, mas esta deve estar prescrita em norma autônoma e não em uma única norma jurídica.

A norma primária em conjunto com a norma secundária formam a norma jurídica completa.