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Responsabilidade tributária decorrente de causa mortis

7.3. Responsabilidade pessoal dos sucessores

7.3.2. Responsabilidade tributária decorrente de causa mortis

Até agora, foram tratadas as hipóteses de responsabilidade dos sucessores decorrente de atos praticados inter vivos.

Os incisos II e III do artigo 131, contudo, cuidam da responsabilidade pessoal dos sucessores decorrente de causa mortis.

Com a morte do contribuinte, sujeito passivo da relação jurídica tributária, há a transmissão dos débitos fiscais do falecido para seus herdeiros, legatários e para o meeiro, que passam a ser responsáveis, pessoalmente, pelo pagamento dos valores relativos aos tributos.

Todavia, o Código Tributário Nacional também confere responsabilidade ao espólio, pelos tributos devidos pelo falecido até a data da abertura da sucessão.

A análise dos dois incisos mencionados será realizada, no presente trabalho, conjuntamente, já que ambos estão intimamente ligados e correspondem a momentos temporais sucessivos, não havendo justificativa, portanto, para que o estudo seja estanque.

Com relação, especificamente, ao tema da sucessão causa mortis, tem-se

que o momento da abertura da sucessão hereditária ocorre com a morte de uma pessoa, conforme determina o artigo 1.784 do Código Civil159.

159

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e

testamentários. De acordo com os ensinamentos de Mauro Antonini (Código Civil Comentado –

Doutrina e Jurisprudência. Coordenação de Cézar Peluso. Manole. 2007. São Paulo. p. 1772):

“Aberta a sucessão, a herança se transmite, desde logo, aos herdeiros legítimos ou testamentários. A

expressão desde logo significa que a transmissão da herança aos herdeiros acontece no instante da

morte. O intuito é que o patrimônio não fique sem titular sequer por um momento. A transmissão da

A partir do momento em que há a morte de determinada pessoa, o conjunto de bens e direitos do de cujus passa a ser denominado espólio.

Nas lições de Antonio Carlos Marcato160:

“Aberta a sucessão hereditária (CC, art. 1.784), o correspondente acervo deverá ser inventariado e totalmente partilhado entre os herdeiros (ou adjudicado, havendo apenas um sucessor); ate que tal ocorra, ele constitui o espólio, entidade sem personalidade jurídica e representada, judicial e extrajudicialmente, pelo inventariante, ou, antes dele, pelo administrador provisório (CPC, arts. 12, V e § 1º, 985 e 986).”

Portanto, até que o patrimônio do falecido seja inventariado e partilhado entre os sucessores, o espólio, representado pelo inventariante, passa a ser o responsável pelo pagamento das dívidas do de cujus, inclusive as de natureza tributária.

Após a partilha, o patrimônio do falecido é transferido aos sucessores e o espólio, por óbvio, passa a não mais existir.

No entanto, podem ocorrer situações em que as dívidas do falecido não eram conhecidas ou não foram levadas ao inventário pelos sucessores. Nestas hipóteses, as dívidas somente serão discutidas e eventualmente cobradas após a ocorrência da partilha e, portanto, quando o espólio já se esvaiu161.

Neste caso, de acordo com o Código Tributário Nacional, quando isto ocorre, os sucessores é que responderão pelos débitos deixados pelo falecido, na época de sua morte.

Referida sucessão pode ser a título universal ou a título singular, como ensina Sílvio de Salvo Venosa162:

160 MARCATO, Antonio Carlos.

Procedimentos Especiais. 13ª edição. Atlas. 2007. São Paulo. p. 205.

161 A jurisprudência do Conselho de Contribuintes é pacífica neste sentido, como pode ser verificado a

partir da Ementa do julgamento proferido no Acórdão 104-21545, de 26/04/2006: “ERRO NA IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO - PARTILHA - Após a homologação da partilha descabe o lançamento contra o espólio, devendo ser feito contra os herdeiros, individualmente. Recurso provido”.

162 VENOSA, Sílvio de Salvo.

Direito Civil – Direito das Sucessões – Volume VII. Atlas. 2004. São

“Assim como entre vivos a sucessão pode-se dar a título singular (num bem ou em certos bens determinados), ou a título universal (como, por exemplo, quando uma pessoa jurídica adquire a totalidade do patrimônio de outra, direito e obrigações, ativo e passivo), também no direito das sucessões, que ora passamos a estudar, existem os dois tipos de sucessão. Quando, pela morte, se transmite uma universalidade, ou seja, a totalidade de um patrimônio (ver noção do instituto no v. 1 desta obra), dá-se a sucessão hereditária, tem-se a herança, que é uma universalidade, pouco importando o número de herdeiros a que seja atribuída. A sucessão a título singular, no direito hereditário, ocorre, por via de testamento, quando o testador, nesse ato de última vontade, aquinhoa uma pessoa com um bem certo e determinado de seu patrimônio. Cria, assim, a figura do legatário o titular do direito, e o legado, o objeto da instituição feita no testamento.”

A partir de tais lições, é possível verificar a existência dos herdeiros, a quem o patrimônio é transferido a título universal e dos legatários, que são aqueles que recebem bens determinados do patrimônio do falecido, através de um testamento por este celebrado.

O importante a se destacar, nesta hipótese, é que os herdeiros e legatários somente serão pessoalmente responsáveis pela dívida do falecido, até o limite que tenham recebido a título de quinhão ou legado.

Isto quer dizer que o patrimônio que responderá pelo débito tributário será aquele que tais pessoas tenham recebido pela morte do de cujus.

Conseqüentemente, jamais o patrimônio pessoal dos herdeiros ou legatários poderá ser utilizado para o pagamento de débitos existentes com o fisco, que eram de responsabilidade do falecido.

Situação interessante é a do cônjuge sobrevivente.

Atualmente, de acordo com os dispositivos constantes no Código Civil, o cônjuge supérstite pode figurar na condição de meeiro, herdeiro ou ambos163.

163

Da mesma forma, nas hipóteses em que o cônjuge sobrevivente seja herdeiro, responderá pelas dívidas deixadas pelo falecido, até o limite do patrimônio que tenha recebido do de cujus.

Com relação à meação, o cônjuge supérstite responderá pelas dívidas tributárias relativas tão somente a sua meação. Indispensável afirmar, que na meação não há qualquer transmissão do patrimônio do falecido para o cônjuge sobrevivente. Há tão somente a declaração de que metade do patrimônio já pertencia ao cônjuge supérstite, sendo que a outra metade é partilhada entre os sucessores.

O ponto controvertido na responsabilidade pessoal dos sucessores decorrente de causa mortis diz respeito a abrangência do termo “responsabilidade”.

Os incisos II e III do artigo 131, do Código Tributário Nacional, dispõem que o espólio e os sucessores serão responsáveis pelos tributos devidos pelo falecido. Em nenhum momento, referido dispositivo legal determina que tais pessoas devam responder também pelas penalidades pecuniárias decorrentes dos tributos devidos.

Grande controvérsia paira a respeito deste tema.

O Conselho de Contribuintes, órgão máximo de julgamento da esfera administrativa federal, tem posicionamento pacífico no sentido de que os sucessores somente devem responder pelos tributos devidos e não por eventuais multas e outras penalidades pecuniárias que eventualmente possam existir no caso concreto, exceto, obviamente, as de caráter moratório.

O entendimento pacífico de tal órgão é claramente demonstrado pela Ementa abaixo transcrita164:

ESPÓLIO - RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA - MULTA DE LANÇAMENTO DE OFÍCIO - O sucessor a qualquer título e o

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.”

164 Primeiro Conselho de Contribuintes, Acórdão nº 104-20.477, 4ª Câmara, Rel. Nelson Mallmann,

cônjuge meeiro são responsáveis pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha, limitada a responsabilidade ao montante do quinhão ou da meação. Entretanto, nestes casos, não cabe o lançamento de multa de ofício, sendo os herdeiros responsáveis apenas pelo imposto apurado, com a devida correção monetária, quando for o caso, e dos juros de mora, descabida a aplicação de penalidade.

De acordo com o entendimento de referido órgão, não há disposição expressa na legislação no sentido de que os responsáveis devam responder pelas penalidades impostas pelo descumprimento da obrigação principal. Se tais pessoas tivessem que responder pelas multas, estaria ocorrendo uma violação ao princípio da pessoalidade da pena, já que o espólio e os sucessores responderiam por comportamento ilícito praticado por terceiros.

Em sentido totalmente oposto caminha a jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça. Para tal Tribunal, os responsáveis tributários devem responder tanto pela dívida do tributo em si, quanto pelas multas dele decorrentes.

Fica evidente o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça pela análise da seguinte Ementa165:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. ESPÓLIO.

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA.

MULTA. TAXA SELIC. INCIDÊNCIA SOBRE O DÉBITO

TRIBUTÁRIO.

1. O espólio sucede o de cujus nas suas relações fiscais e nos processos que os contemplam como objeto mediato do pedido. Conseqüentemente, espólio responde pelos débitos até a abertura da sucessão, segundo a regra intra vires hereditatis.

2. "Na expressão créditos tributários estão incluídas as multas moratórias."(RESP 295.222/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ

165 REsp 499.147/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/2003, DJ

10/09/2001), posto imposição decorrente do não pagamento do tributo na época do vencimento.

3. Incidência da Taxa SELIC sobre os débitos tributários a partir de 01/01/96. Precedente da Egrégia Primeira Seção (ERESP 425709/SP).

5. Precedentes do STF: RE 74.851, RE 59.883, RE 77.187-SP e RE 83.613-SP. Precedente do STJ: Resp 3097-90/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 1.11.90, pg. 13.245.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

O fundamento do Tribunal Superior para adotar referida posição é o de que o artigo 129 do Código Tributário Nacional determina que as regras de responsabilidade se aplicam aos créditos tributários. Nesse sentido, crédito tributário deve compreender tanto os valores devidos em relação ao tributo, quanto os valores referentes às penalidades pecuniárias, sejam de cunho moratório ou punitivo.

Por tal motivo, não se poderia realizar interpretação literal dos incisos II e III do artigo 131, do Código Tributário Nacional, que menciona a responsabilidade tão somente com relação aos tributos, sob pena de esvaziar o sentido da norma jurídica, que deve ser extraído de uma interpretação sistemática dos textos legais.

Como já salientado ao longo do presente trabalho, realmente a interpretação literal deve ser evitada, pois não condiz com a realidade e as expectativas decorrentes da sociedade, com relação aos dispositivos legais introduzidos no sistema do direito positivo.

A interpretação sistemática, sem dúvida, é aquela que melhor se adequa aos desideratos do legislador, bem como da doutrina.

No entanto, além da forma de interpretar, devem ser levados em consideração outros pontos, quando da análise de dispositivos legais que ensejam dúvidas e questionamentos no momento de sua real aplicação.

Há que se levar em conta, antes de tudo, os princípios jurídicos que norteiam o sistema do direito positivo, princípios estes que já foram analisados no primeiro capítulo deste trabalho.

Desta forma, é necessário questionar: até que ponto o sucessor responsável em decorrência de causa mortis deve responder por dívidas do falecido, dívidas

estas que extrapolam o campo tributário e partem para o cunho sancionatório? É certo que desprezar o disposto no artigo 129 do Código Tributário Nacional poderia trazer severos prejuízos ao fisco e incentivar a fraude por parte dos contribuintes e responsáveis. Entretanto, admitir que as penalidades pecuniárias devam incidir em todas as hipóteses de responsabilidade dos sucessores em decorrência de causa mortis seria temerário e acarretaria violação a princípios

constitucionais, que devem ser salvaguardados.

Assim, a análise deve ser efetuada levando-se em consideração dois momentos distintos: (i) o lançamento do tributo e das penalidades pecuniárias já tiver ocorrido antes do falecimento do de cujus; e, (ii) o lançamento do tributo e das

penalidade ocorrer após o falecimento do de cujus, mesmo que o fato jurídico

tributário tenha se efetivado antes da morte da pessoa.

Na primeira hipótese, o crédito tributário, composto do valor relativo ao tributo e do montante referente às penalidades pecuniárias, já se encontra definitivamente constituído antes do evento morte e, portanto, já faz parte do patrimônio do de cujus.

Além disso, os sucessores já têm conhecimento de tais fatos, não podendo alegar violação a qualquer princípio constitucional atinente à matéria.

Por essa razão, não há porque não responsabilizar os sucessores do falecido pelo pagamento tanto dos valores referentes ao tributo, quanto dos montantes relativos às penalidades pecuniárias, já que, caso contrário, haveria uma verdadeira anistia em favor de tais pessoas, o que não é admitido no ordenamento jurídico brasileiro.166

Contudo, com relação à segunda situação, não parece ser este o entendimento mais acertado.

166 O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Delgado, em voto proferido no Recurso Especial

nº 592.007/RS, julgado em 16/12/2003, DJ 22/03/2004 p. 256, se manifesta da seguinte maneira: “A meu ver, inexiste dúvida de que os referidos dispositivos legais impõem ao sucessor a responsabilidade integral, tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável.

Ora, apesar da ocorrência do fato jurídico tributário ter se efetivado antes da morte do contribuinte, tal fato somente passa a ter relevância para o mundo do direito, quando convertido em linguagem.

A conversão de tal fato em linguagem, nesta hipótese, somente ocorre com o lançamento.

Portanto, se o lançamento ocorrer após o falecimento do contribuinte, apesar dos fatos jurídicos tributários relatarem eventos anteriormente ocorridos, o crédito tributário somente restará definitivamente constituído após a morte do sujeito passivo principal.

Neste caso, a imposição do pagamento das penalidades pecuniárias para o sucessor responsável viola o princípio da segurança jurídica e da certeza do direito, já que traz evidente instabilidade para as pessoas, bem como gera inúmeras surpresas aos responsáveis, que se virão obrigados a saldar penalidades pecuniárias que não concorreram para acontecer.

As penalidades pecuniárias, nestas situações, foram cometidas exclusivamente pelo falecido e, apesar de decorrentes de fatos ocorridos antes da morte do contribuinte, jamais integraram o patrimônio do de cujus, não devendo ser,

portanto, repassadas aos sucessores.

Não há dúvidas de que com relação aos valores devidos a título de tributo, os sucessores devem responder integralmente pelo pagamento. No entanto, não podem ser responsabilizados pelo pagamento de sanções que não deram causa.

Percebe-se, desta feita, que o momento da constituição definitiva do crédito é de crucial importância para a responsabilidade ou não dos sucessores no que tange ao pagamento das penalidades pecuniárias. Isto se dá, justamente pelo fato do crédito tributário já estar ou não integrado ao patrimônio do de cujus. Se, no

momento da morte, o crédito tributário já estava integrado ao patrimônio, os sucessores devem responder por sua integralidade, seja valores de tributos ou multas. Agora, se o crédito tributário for constituído definitivamente após a morte do contribuinte, somente os valores relativos ao tributo é que passarão a integrar o patrimônio a ser partilhado, motivo pelo qual, os sucessores não devem responder pelo pagamento das multas.

Na esteira do entendimento exposto pelo Conselho de Contribuintes, a pena não pode transgredir a pessoa que a cometeu, justamente para que não haja violação do princípio da pessoalidade da pena.

Importante, destacar, por fim, que seja em uma ou outra situação, os sucessores somente respondem pelas dívidas, até o limite daquilo que receberem, conforme determina o dispositivo legal sob comento.