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Em Julho de 2012, por uma semana, estivemos juntos, Marcos Pimentel e eu, em Sagres, Portugal. Se Minas Gerais era nossa casa para imaginar a partida do filme, era preciso olhar para o lugar objetivado como chegada: o mar do Algarve, em Portugal. A viagem foi para descobrir como poderíamos contar uma história da Cia. Ormeo, em seus dez anos de existência, a partir da relação Brasil e Portugal que se tornou cada vez mais forte pelo nosso encontro com o Cineport.

Eu tinha uma certa convicção de que Sagres nos traria o conceito de travessia do filme pela história mítica de que ali teria sido criada a Escola Naval de Sagres, fundada pelo Infante D. Henrique, a qual deveria ter formado grandes navegadores. Esta invenção, esse mito, trazia um imaginário potente em mim: pensava sobre a experiência da navegação. Imaginava, criava a ideia de partida daquele que se dispunha a navegar, e podia sentir em meu corpo, por estar ali: o vento, a vertigem, a amplitude do mar e do horizonte que já me transformavam antes mesmo do filme, ou do roteiro, serem construídos. O impulso para a escrita era o corpo, mas estar ali deu carne ao corpo e mostrou, um pouco, do que essa experiência traria de desafio, do desconhecido, do risco, do acaso, da ruína.

Percebi que era ali, pelo vento que não cessa de mover-se, que também seríamos movidos, que poderíamos descobrir outras conexões de tempos, espaços e corpos. Que o mito estava ali para nos trazer imaginários, para nos mostrar sua invenção como um sonho, ou sua queda como um outro modo de ver o mundo, um outro modo de olhar para nos mesmos. O filme se serve de Sagres, não pelo mito, mas pelo que o lugar carrega como possibilidade de

152 invenções. E, também, a imensidão da natureza e o pequeno em dimensão relativa que o corpo apresenta, podendo ser lidos sob vários prismas. Estava em Sagres a relação corpo e ambiente que eu buscava para o filme (Figura 108). Entendi que ali, lugar das narrativas míticas, estaríamos levantando indicações preciosas para o roteiro, não pela eloquência e dimensão da invenção do mito da navegação, mas pelas ruínas da história, pelos seus entre espaços, entre linhas, pelo seu desmanchar, sua desconstrução que mobiliza outros modos de existência, outras histórias.

Figura 108 – Cena de Daniela Guimarães no filme vaga-LUMES – Sagres - Portugal, 2013

153 Com a Cia. Ormeo estive em Lagos, Portugal, pela segunda edição do Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa (Cineport), no qual dançamos em sua abertura e encerramento. Não conheci Sagres nessa ocasião, que fica no máximo a cinquenta quilômetros de lá. Sabia da dimensão daquele lugar, de sua história, de suas falésias de 80 a 100 metros de altura, de um mar que se via por 180 graus, e era ali que eu sempre imaginava os corpos em sua pequeneza diante da força da natureza. Sobre isso eu queria falar, trazer essa sensação da nossa minúscula dimensão do corpo diante do entorno gigantesco da natureza. Estando ali dois anos depois, como descrevi acima, o lugar do corpo e do tempo, presente no corpo, foi redimensionado para a escrita do roteiro. O desejo estava em trazer essa dimensão da imagem para os nossos corpos, externa (a imagem escrita ou take) e internamente (estímulos sensoriais que se desdobrariam em qualidades corporais) no filme, para poder gerar reflexões sobre o que estas sensações mobilizavam em nós e no entorno.

Visitamos praias variadas, estudamos acessos, autorizações devidas, olhamos da terra para o mar e do mar para terra. Pensamos em filmar estando à deriva, uma ideia descartada depois da experiência de uma viagem de barco em Sagres. Do mar, a dimensão das falésias se perdia, as dimensões diminuíram, ainda grandes, mas menores do que quando o corpo, do topo de quase 100 metros, sentia o vento, a altura e uma espécie de falta de ar e sedução. A amplitude, de estar no alto das falésias olhando a imensidão do mar, daria à imagem a ideia de liberdade e medo.

Entendemos também como seria filmar naquela mesma época, já que as filmagens estavam previstas para o ano seguinte no verão de Portugal: o sol, o vento, a temperatura da água, os acessos às locações, era importante sondar tudo. A luz do sol durava quase 18 horas nestes dias quentes, e as águas, muito frias, pelo encontro entre o Atlântico e o Mediterrâneo. Dados importantes para pensarmos no plano de filmagens, em tornar possível aquilo que ainda iríamos criar como roteiro.

Desta viagem, saímos com diferentes registros, escritos, fotográficos, videográficos, com sensações experimentadas e impressas no corpo e com uma ideia de roteiro, um esboço, uma estrutura do filme que segue logo abaixo. Começava assim nosso jogo em correlacionar s p l vr s s im g ns qu m rgir m st stu o o lug r m r s nti o “ o qu somos o qu nos ont ”. BONDÍA, 2015, p.17).

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Pesquisa PORTUGAL (Julho, 2012) - ESBOÇO DE ESTRUTURA

1. BRASIL

Construção de um barco

Intenção das personas: chegar a algum lugar - Nascimento e construção de desejos

- AÇÕES que transmitam diferentes sentimentos: Força/Dor/Opressão/Solidão/ Vazio

BARCO  símbolo da construção de um desejo comum.

MOVIMENTO  desejos precisam se movimentar: o barco tem que ser

construído

2. MAR

2.1) BARCO: desejos à deriva

Reunião das 7 personas que antes eram vistas separadamente.

MOVIMENTO  Barco está em constante movimento.

A convivência os leva a conflitos  explosão de desejos (desejos não

suportam a convivência)

2.2) NAUFRÁGIO: acaso

Narrado somente com tela negra e banda sonora. Desejos se perdem, se esvaem, se diluem no mar...

3. PORTUGAL

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Ao estarem sozinhos novamente, caminham para nova reunião do grupo. O instinto de sobrevivência leva à reconstrução do AFETO.

Desejo de estarem juntos novamente.

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