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Estrutura social e intelectual da disciplina

No documento O BRASIL NO MUNDO E O MUNDO NO BRASIL (páginas 130-134)

CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA GRADUAÇÃO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO BRASIL

3.3. Atividades intelectuais em Relações Internacionais

3.3.1. Estrutura social e intelectual da disciplina

Ao utilizar a idéia de estrutura para interpretar a área de RI somada ao uso dos qualificativos social e intelectual, o objetivo é compreender o modo pelo qual esta foi e está sendo organizada pelos principais atores interessados no tipo de conhecimento produzido. Assim, afirma-se, por um lado, a característica social deste conhecimento, influenciada, pois pela sociedade em que essas atividades ocorrem. Por outro, aspectos relativos à própria dinâmica do trabalho intelectual, dentre as quais se destacam fatores como a produção acadêmico-científica, a divulgação desta nos espaços e nos canais próprios – tais como periódicos, livros, eventos científicos, entre outros -, o reconhecimento externo e por parte do grupo formado pelos especialistas da área – a comunidade acadêmica -, e as iniciativas associativas.

Posto isso, o primeiro elemento a ser destacado é a distribuição regional das atividades intelectuais da área no Brasil. É possível observar uma relação entre a presença de instituições acadêmicas e de pesquisa de RI e sua concentração nas regiões economicamente mais desenvolvidas, notadamente Sudeste e Sul do país. Dessa forma, o padrão hierárquico de diferenciação entre as cinco regiões brasileiras se mantém na divisão do trabalho intelectual da área.

Todavia, é preciso destacar que gradualmente novos centros estão se desenvolvendo em espaços fora do eixo Sul-Sudeste-Brasília, o que pode representar um elemento importante no conjunto mais amplo da tendência de crescimento

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quantitativo e de desenvolvimento da área no Brasil.

A pós-graduação específica em RI emerge também como um elemento relevante no cenário nacional. Ainda que esta esteja vinculada nominalmente a Ciência Política no sistema de credenciamento e, portanto, de financiamento da CAPES e do CNPq, e muitas pesquisas sobre questões internacionais sejam desenvolvidas nesta como uma sub-área do conhecimento, é possível identificar cursos que são organizados autonomamente. 243 Essas iniciativas são importantes tanto para a construção da especificidade da área quanto para sua legitimação científica perante as demais.

No tocante à dinâmica do trabalho intelectual, uma das questões mais significativas do ponto de vista do desenvolvimento da área é sua relação com a produção acadêmico-científica, sobretudo em termos de produção editorial especializada em RI. Com efeito, o crescimento quantitativo da área, e nos últimos vinte anos também qualitativo244, coloca uma demanda por publicações dedicadas exclusivamente ao tratamento de temas característicos das RI. Essa demanda, por sua vez, está relacionada tanto ao atendimento das necessidades da formação na área, especialmente no nível de graduação, quanto do interesse de outros setores da sociedade pelas questões internacionais, sobretudo àquelas que envolvem diretamente o Brasil. Como destacou Vizentini:

Num exame do contexto da evolução da produção editorial brasileira em relações internacionais, pode-se considerar que um dos grandes motores que impulsionaram seu crescimento, aceleração e diversificação relaciona-se à expansão dos cursos nessa área no país a partir da década de 1990 e à simultânea “abertura externa” que acompanhou a passagem do nacional- desenvolvimentismo à globalização, marcada no país pela agenda neoliberal. [...] A dinâmica dessas mudanças, somadas às transições da política mundial e brasileira, gerou demanda por um conhecimento específico sobre esses movimentos, incentivando a busca por profissionais capacitados e por análises especializadas.245

Outro ponto relevante que se relaciona diretamente com o tema das publicações são os espaços e os canais dedicados aos problemas específicos das RI. Entre estes, destacam-se as revistas e os periódicos, que inclusive possui sua experiência mais

243 O quadro dos cursos de pós-graduação específicos em Relações Internacionais está disponível no Anexo 2 desta dissertação.

244 LESSA, Antônio Carlos, 2005a e 2005b, op.cit. 245 VIZENTINI, Paulo Fagundes, 2005, op.cit., p. 18.

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consolidada anterior à própria institucionalização autônoma da área. Esse é o caso da

Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), publicada desde 1958 e vinculada ao Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI), fundado em 1954.

De acordo com Almeida, a criação da RBPI possuía um significado particular, relacionado de um modo mais amplo ao intenso debate intelectual da década de 1950 e ao incremento da atuação brasileira nas dinâmicas internacionais, das quais os Relatórios do Itamaraty não eram suficientes para informar a sociedade e seus interessados acerca desses assuntos internacionais que envolviam o país. Assim, essa publicação foi capaz de sobreviver até os nossos dias a despeito de todos os obstáculos intelectuais e ideológicos que perpassaram sua história, mantendo as características que marcam sua singularidade, a saber, o padrão de qualidade e a atualidade de seus debates.

Criada para ocupar um espaço então lacunar no âmbito da reflexão profissional e universitária em torno desses temas, (...) ela certamente cumpriu amplamente esse papel de instrumento “debatedor” e “informador” sobre a inserção internacional do Brasil, missão que lhe tinha sido atribuída pelo seu órgão patrocinador, o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, criado quatro anos antes, no velho Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro.246

Outras revistas também se destacam no cenário de publicações especializadas, tais como a Contexto Internacional, criada em 1985 e vinculada ao Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio, e a Política Externa, ligada à Editora Paz e Terra desde 1992. Algumas tiveram duração limitada, como a revista Política Externa

Independente, que circulou apenas três números vinculados à Editora Civilização Brasileira, a revista Política e Estratégia, alocada em São Paulo e em circulação entre 1983 e 1991; o boletim Carta Internacional, ligada ao Núcleo de Política e Relações Internacionais (NUPRI) da USP. 247

Contemporaneamente, novas iniciativas vêm surgindo, beneficiadas pela disseminação da internet como ferramenta eficiente de divulgação de conhecimento e informações. São os casos das revistas eletrônicas, entre as quais se destacam

Mundorama e Meridiano 47- Boletim de Análise de Conjuntura em Relações

Internacionais, ambas sob responsabilidade da UnB.

246 ALMEIDA, Paulo Roberto, 1998, p. 42.

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Ainda sobre os canais de publicação, Vizentini destaca as obras lançadas pelas editoras universitárias e órgãos do executivo, tais como a Editora da UnB, da PUC/MG, da UFRGS e da UNESP, e a Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao MRE. Além disso, menciona o interesse das editoras comerciais em lançar em seus catálogos obras especializadas, tais como a Editora Vozes, Unijui, Record, Contraponto, Juruá, Manole, Alfa Ômega, Leitura XXI e Elsevier/Campus, algumas delas contando com coleções de RI. 248 Outra editora que recentemente vem se interessando em RI é a Editora Saraiva, publicando obras de grande repercussão na área como Inserção Internacional:

Formação dos Conceitos Brasileiros, de Amado Luiz Cervo.

No que diz respeito aos eventos, além dos encontros nacionais em que são colocados espaços temáticos voltados ao estudo do internacional, tais como o Encontro Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), Encontro Nacional de História (ANPUH), Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), algumas iniciativas voltadas especificamente à área de RI tem emergido.

Esse é o caso de encontros tais como o Encontro da Pós-Graduação em Relações Internacionais, promovido pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas; a Semana de Relações Internacionais da UNESP, promovida pelas unidades de Franca e Marília; os Seminários Nacionais e Internacionais promovidos regularmente pelo Instituto de Relações Internacionais da UnB; e o Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI). Esses eventos contam com chamadas para apresentação e publicação de artigos, bem como em algumas oportunidades geram publicações, voltadas a um público maior, no formato de livros, como é o caso das experiências da UnB.

Alguns autores como Almeida não observam com tanto otimismo os vínculos associativos e sua relação com o conjunto mais amplo do desenvolvimento institucional das RI no Brasil. De acordo com o autor:

muita coisa mudou desde o final da década precedente, mas os progressos podem ser considerados lentos ou irregulares, uma vez que a revolução didática foi mais quantitativa do que qualitativa e não encontrou correspondência numa progressão similar da produção especializada; esta, por sua vez, ainda assim cresceu mais do que os vínculos agregativos entre os pesquisadores da área. 249

248 VIZENTINI, Paulo Fagundes, 2005, op.cit.

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No entanto, é preciso ressaltar que essas oportunidades de encontro entre os especialistas da área e os canais de publicação, ainda que “lentos e irregulares”, acabam por estimular as atividades intelectuais específicas em RI e, nesse sentido, colaboram para a construção do sentimento de pertencimento a uma comunidade acadêmica distinta. Dessa forma, a socialização proporcionada por esses encontros e publicações, bem como as possibilidades de debates acadêmicos e discussões científicas que estes colocam, são elementos importantes na construção de uma comunidade de especialistas em RI no país.

Por fim, cabe ressaltar que desde setembro de 2005 o Brasil conta com iniciativa pioneira no sentido de fomentar o associativismo na área, a Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI). A ABRI tem se dedicado a promover as RI brasileiras por meio da realização de encontros nacionais, atuando como pólo agregador, além de apoiar e divulgar eventos realizados pelas instituições da área tanto nacionais quanto internacionais. A Associação também publica informações relacionadas a concursos específicos, notícias, lançamentos de livros, revistas, entre outros.250

Em suma, desde o início da institucionalização da área em 1974 com o primeiro curso de graduação, tem crescido as oportunidades de construção de autonomia da área pautada no incentivo as atividades intelectuais reconhecidas como específicas de RI.

No documento O BRASIL NO MUNDO E O MUNDO NO BRASIL (páginas 130-134)