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Notas sobre o recorte temporal: 1930 a

No documento O BRASIL NO MUNDO E O MUNDO NO BRASIL (páginas 52-55)

OS ANTECEDENTES DA GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO BRASIL (1930-1974)

2.1. Notas sobre o recorte temporal: 1930 a

A identificação e a análise histórica dos antecedentes da experiência institucional de RI no Brasil impõem a delimitação de um anteparo temporal por razões de ordem metodológica e argumentativa.

Com relação ao primeiro aspecto, é importante reconhecer o esforço de diálogo deste estudo com sua dimensão historiográfica. Com efeito, um dos desafios foi trabalhar o objeto de pesquisa no âmbito das discussões da área de História das Relações Internacionais. Para que tal iniciativa fosse possível, empreendeu-se uma perspectiva que buscasse relacionar o objeto a um contexto mais abrangente, a saber, a História da Política Exterior do Brasil.

Os estudos sobre a política exterior brasileira estabelecem uma conexão com a historiografia - sobretudo a historiografia francesa -, ao incorporarem conceitos e abordagens que, por um lado, destacam sua especificidade e, por outro, colocam-na em um horizonte temporal mais amplo, relacionado ao espectro da colonização que funda o Estado e as dinâmicas que daí decorreram até a formatação autônoma da Nação brasileira.

Assim sendo, a primeira aproximação entre esses dois elementos partiu da reflexão sobre o papel do Estado e sua historicidade, buscando compreender a complexidade de suas funções na sociedade brasileira e, por conseqüência, relativizando as abordagens que o considera em termos de ator unitário e racional.

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variáveis de ordem política, econômica, social e cultural que poderiam ser relacionadas a um ambiente favorável à implementação de uma formação de nível superior de RI encontrariam suas raízes mais profundas nas transformações vivenciadas pela sociedade e pelo Estado brasileiro a partir de 1930.

O ano de 1930 é considerado pela historiografia brasileira, inclusive a especializada em História da Política Exterior, como um marco relevante. A narrativa que emerge a partir deste referencial tem como tônica a expressão de um país que, após passar por um intenso processo de transformação política, econômica e social desde o advento da República, poderia ser considerado, nas devidas proporções, um país que caminhava para o status de moderno.

Essa modernidade possuía, naquele momento, um significado particular. Como país colonizado, que conseguira engendrar instituições republicanas apesar de uma trajetória monárquica e escravista, percebia-se que, de fato, havia uma dinâmica política e social articulada às gradativas transformações econômicas - na qual ainda predominava o perfil agroexportador, mas que já sinalizavam iniciativas industriais- indicando uma mudança na sociedade brasileira.

Boris Fausto refletiu sobre essa mudança ao debruçar-se sobre o episódio da Revolução de 1930, central para o esclarecimento de determinados rumos do país no período107. Naquela oportunidade foi possível constatar a diversidade de grupos e de interesses envolvidos nas disputas políticas, que não eram apenas de ordem geográfica – ou seja, relacionado à dinâmica política dos estados e suas eventuais alianças -, mas também de categorias ou classes sociais que comungavam uma identidade no que diz respeito a um olhar sobre o Brasil, como os militares, os industriais, os agroexportadores, os intelectuais, uma classe média incipiente, entre outros.

De certa forma, além dos fatores econômicos que concentravam as preocupações dos dirigentes e dos grupos participantes da política da época, percebia-se um processo que havia sido iniciado simbolicamente pelo movimento modernista nas artes e na literatura na década de 1920, e que na década de trinta tomava forma de modo mais consistente: a conscientização nacional, entendida aqui como um incremento da percepção coletiva e de uma reflexão, ainda que simplificada, sobre qual o significado do Brasil e seu lugar no mundo.

107 FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. História e Historiografia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1978, 5º edição.

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Essa maior diversificação das classes e grupos sociais em conjunto com a conscientização nacional fomentara um ambiente adequado para uma nova concepção de interesse nacional. A eleição de Getúlio Vargas para a Presidência da República sintetizava essa multiplicidade de setores interessados nos rumos do país, bem como a necessidade de ampliar o alcance social de determinadas condutas políticas para uma população cada vez mais urbana.

Em síntese, esse momento é particularmente interessante para a história do país e sua política exterior e marca a historiografia brasileira porque nele estão vinculadas de modo até então pouco usual as dimensões política, econômico e social, que culminaria nas bases de um projeto que ficou conhecido como o Estado Desenvolvimentista108.

Outro fator relevante, igualmente de caráter argumentativo e que justifica o recorte temporal proposto para este capítulo diz respeito à ambiência universitária do Brasil no período.

No ano de 1930 foi criado o Ministério da Educação e da Saúde, sendo no ano posterior implementada uma reforma educacional – a Reforma Francisco Campos, decreto n. 19.851 de 11 de abril de 1931-, que estabeleceu regras para a universidade, o Estatuto da Universidade Brasileira109.

Esse evento é significativo na medida em que sugere o interesse do Estado, expresso em uma intencionalidade institucional, de organizar o ensino universitário no país em resposta a uma demanda por formação de nível superior que vinha tomando forma já a partir dos anos 1910. Entre elas, as iniciativas da Escola Livre de Manáos em 1909, transformada em Universidade de Manáos em 1913; a Universidade do Paraná em 1912, desautorizada em 1915 devido a um decreto federal que previa uma população de cem mil habitantes como condição de reconhecimento de uma instituição universitária; e a Universidade do Rio de Janeiro, datada de 1920, criada a partir da fusão da Escola Politécnica com as Faculdades de Medicina e Direito pré-existentes110.

Essa mesma intencionalidade esteve presente nos projetos de ampliação da oferta de educação superior fomentadas durante o período em que os militares assumiram o governo no Brasil. O projeto incluía a concentração em áreas ligadas à tecnologia e à infra-estrutura, pois se acreditava que esses dois setores seriam

108 CERVO, Amado Luiz, 2008a, op.cit.

109MORHY, Lauro. “Brasil: Universidade e Educação Superior” In: MORHY, Lauro (Org.) Universidade

no Mundo – Universidade em Questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004, p. 27. 110Ibidem, p. 26.

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fundamentais para o desenvolvimento do país e, portanto, mereciam o apoio e o investimento federal. 111

Dessa forma, o robustecimento do sistema universitário brasileiro entre as décadas de 1960 e 1970 esteve estritamente relacionado ao projeto de desenvolvimento nacional, pedra angular do regime militar no país. E, por essa razão, esse aspecto deve ser igualmente levado em consideração na definição do anteparo temporal sobre os antecedentes da graduação de RI no Brasil.

Diante dos argumentos expostos, parece razoável localizar a análise do que se denominou antecedentes tendo como ponto de partida o ano de 1930 e, como limite, o ano de 1974, no qual é lançada a experiência institucional pioneira de graduação em RI na UnB.

No documento O BRASIL NO MUNDO E O MUNDO NO BRASIL (páginas 52-55)