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Estruturas sociais de cooperação

1 INTRODUÇÃO

3.3 O potencial cívico

3.2.2 Estruturas sociais de cooperação

Certas estruturas e práticas sociais incorporam e reforçam as normas e os valores da comunidade cívica. Ao analisar as condições sociais que sustentavam a Democracia na América, Tocqueville (2004) atribuiu grande importância à propensão dos americanos para formar organizações civis e políticas, afirmando que americanos de todas as idades, de todas as condições e de todos os temperamentos estão sempre formando associações. Para Putnam (2007), as associações civis contribuem para a eficácia e a estabilidade do governo democrático, não só por causa de seus efeitos "internos" sobre o indivíduo, mas também por causa de seus efeitos "externos" sobre a sociedade.

Para o autor, no âmbito interno, as associações incutem em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público.

Diz-se que as associações civis contribuem para a eficácia e a estabilidade do governo democrático, não só por causa de seus efeitos "internos" sobre o indivíduo, mas também por causa de seus efeitos "externos" sobre a sociedade (PUTNAM 2007, p. 103).

Segundo Tocqueville (2004), a ação que os homens exercem uns sobre os outros renova os sentimentos e as ideias, engrandece o coração e promove o entendimento, que é corroborado por dados extraídos de pesquisas sobre cultura cívica, desenvolvidas por Putnam (2007), realizadas com cidadãos de cinco países, incluindo a Itália, mostrando que os membros das associações têm mais consciência política, confiança social, participação política e "competência cívica subjetiva".

A participação em organizações cívicas desenvolve o espírito de cooperação e o senso de responsabilidade comum para com os empreendimentos coletivos. Além disso, quando os indivíduos pertencem a grupos heterogêneos com diferentes tipos de objetivos e membros, suas atitudes se tornam mais moderadas em virtude da interação grupal e das múltiplas pressões. Tais efeitos, na opinião do autor, não pressupõem que o objetivo manifesto da associação seja político; fazer parte de uma sociedade olfeônica ou de um clube de ornitófilos pode desenvolver a autodisciplina e o espírito de colaboração (PUTNAM, 2007).

No âmbito externo, a "articulação de interesses" e a "agregação de interesses", como chamam os cientistas políticos deste século, são intensificadas por uma densa rede de associações secundárias. Para Tocqueville (2004), quando uma associação representa alguma corrente de opinião, ela tem que assumir uma forma mais definida e mais precisa; tem seus adeptos e os engaja

em sua causa; esses adeptos travam conhecimento entre si e, quanto maior o seu número, maior o entusiasmo.

Uma associação congrega as energias de espíritos divergentes e firmemente os orienta para um objetivo claramente definido. De acordo com essa tese, uma densa rede de associações secundárias ao mesmo tempo incorpora e promove a colaboração social. Assim, contradizendo o receio de sectarismo manifestado por pensadores como Jean-Jacques Rousseau, numa comunidade cívica, as associações de indivíduos que pensam da mesma forma contribuem para um governo democrático eficaz (PUTNAM, 2007).

Tendo como ponto de partida o Manuscrito de 1843, de Marx, que considera o Estado incapaz de oferecer autonomia ao Homem, cabendo à sociedade civil o papel de defesa e manutenção dos processos democráticos, visitando o liberalismo e o neoliberalismo com destaque para a terceira via que reduz o governo à responsabilidade de assumir a promoção do dinamismo social e a capacitação do mercado e da sociedade civil para a disputa e garantia de suas necessidades e, finalmente, buscando suporte na Teoria Crítica e na proposta da gestão pública societal que afirmam que só é possível elaborar ideias e ferramentas adequadas ao interesse coletivo por meio da participação popular, constata-se que há um consenso para a negação da intervenção monística do Estado ou do mercado como promotores do desenvolvimento local. Sendo assim, atenção especial deve ser delegada à organização da sociedade civil e suas articulações, direcionando a ação coletiva como trajetória obrigatória para a conquista do desenvolvimento integrado e democrático.

Nesta perspectiva, os conceitos de comunidade cívica e capital social contribuem para a avaliação e a distinção das relações sociais endógenas e exógenas que valorizam a cultura cívica e sua responsabilidade pelo fortalecimento ou pela fragilidade do processo democrático. Segundo Figueiredo (2001), o ponto de partida para investigar se os conselhos gestores de saúde

poderiam incidir no fomento de um círculo virtuoso no seu território de ação baseia-se no pressuposto de que existe uma estreita relação entre o nível cívico alcançado por uma comunidade e a consolidação do processo democrático. Desse modo, instituições que incentivam a participação dos cidadãos na discussão e na resolução dos problemas comuns promoveriam o desenvolvimento de comunidades cívicas.

Para este autor, mudanças institucionais, benéficas para a formação cívica dos cidadãos, que propiciam práticas participativas nas decisões públicas e incentivam a organização dos interesses coletivos levam à inclusão da população tradicionalmente excluída da ação coletiva e promove a participação nos espaços e públicos. Portanto, essa dinâmica propicia um acúmulo de estoque de capital social e a sua disseminação em meio aos estratos sociais, incentivando, assim, o controle da sociedade civil sobre as ações de governo, promovendo o fortalecimento de comunidades cívicas, constituindo-se em um autêntico círculo virtuoso.

Todas as sociedades necessitam do desenvolvimento de ações coletivas e o êxito delas depende da amplitude do contexto social, político e econômico, que determina o rumo das disputas que ocorrem em seu interior. Assim, Figueiredo (2001) chama a atenção para o caso da maior parte dos países em desenvolvimento, cujo passado histórico recente foi caracterizado por um déficit de participação em função dos longos períodos de dominação autoritária, tendo como consequência a desarticulação das relações entre o Estado e a sociedade civil e a exclusão social.

No que diz respeito ao desenvolvimento da consciência cívica, o aprofundamento da discussão sobre democracia participativa, comunidades cívicas, cultura cívica e associativismo permite entender em que medida as alterações das regras do jogo impostas pela criação dos Conselhos gestores desempenham papel relevante nas mudanças de comportamento, atitudes e

práticas sociais, ao contribuir para reforçar a dinâmica associativa, o surgimento de uma cultura participativa e, em última instância, de comunidades cívicas no Brasil.

No contrato social, Rousseau (1973) prescreveu para a saúde da vida social uma receita que propunha encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada membro com toda a força comum, assim, cada um, unindo-se a todos, só obedece a si mesmo, permanecendo assim como antes.

Para Abramovay (2000), as estruturas sociais devem ser vistas como recursos e ativos de capital de que os indivíduos podem dispor e, assim, as pessoas podem utilizar o capital social para convertê-los em alguma forma de benefício. Nesta concepção é imprescindível a existência de confiança, normas e sistemas que contribuam para o desenvolvimento local. Portanto, o desenvolvimento territorial apoia-se na formação de uma rede de atores trabalhando para a valorização dos atributos de certa região que, por meio do fortalecimento dessa rede por um objetivo comum, provoca alterações na dinâmica organizacional deste território. Desse modo, o capital social é construído pela capacidade dos atores em estabelecer relações organizadas, que favoreçam a troca de informações e a conquista conjunta de certos mercados, mas também a pressão coletiva pela existência de bens públicos e de administrações capazes de dinamizar a vida regional.

Dahl (2001) propõe o associativismo para a democratização das relações sociais e identifica na participação o ponto central para a sua consolidação. Assim, reforça a importância de que todos os membros estejam em condições de igualdade na tomada de decisões de uma organização desta natureza e destaca cinco itens para que se satisfaça à exigência democrática no processo: participação efetiva, igualdade de voto, entendimento esclarecido, controle do programa de planejamento e inclusão dos adultos. O autor insiste no fato de que

uma democracia deve proporcionar oportunidades para que esses critérios se consolidem e para que os membros sejam politicamente iguais. Assim, no princípio da igualdade política, todos os membros devem estar igualmente qualificados para participar das decisões, desde que tenham iguais oportunidades de aprender pela investigação, discussão e deliberação.

Outra contribuição importante para a busca do bem público à custa do interesse individual e particular é dada pelos arranjos produtivos locais (APL). Kraemer (2005) destaca essa forma de relação na sociedade que vem gerando a promoção de aglomerações produtivas em favor do crescimento e do desenvolvimento sustentável, precisamente pelo esforço comum dos concidadãos de um determinado espaço geográfico.

Lastres e Cassiolato (2003b) definem APLs como aglomerações

territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais que apresentam vínculos mesmo que incipientes. Os elementos de confiança são as principais fontes de

competitividade, solidariedade e cooperação entre as empresas, resultante de relações muito estreitas de natureza econômica, social e comunitária. Neste contexto, os atores devem ter identidade social e cultural em função da necessidade de cooperação entre os agentes em todo o arranjo, pois o processo envolve a participação e a interação de empresas e diversas instituições públicas e privadas voltadas para a formação e capacitação de recursos humanos, pesquisa, desenvolvimento, política, promoção e financiamento.

Putnam (2007) descreve um exemplo de cooperação gerando desenvolvimento local na concorrência de mercado em distritos industriais descentralizados, porém, integrados da Itália, onde a estrutura econômica peculiarmente produtiva tem por fulcro um conjunto de mecanismos institucionais que possibilita a coexistência da competição com a cooperação, na medida em que impede o oportunismo. As empresas competem, no campo da eficiência e da inovação em produtos e cooperam nos serviços administrativos,

na aquisição de matéria-prima, no financiamento e na pesquisa, combinando baixa integração vertical com alta integração horizontal, subcontratando concorrentes temporariamente subempregados para trabalho extra. Nestes distritos, as associações industriais prestam assistência administrativa e até mesmo financeira, enquanto os governos locais propiciam a infraestrutura e os serviços sociais indispensáveis, como treinamento profissional, informação sobre mercados de exportação e tendências mundiais da moda, etc. O resultado é uma estrutura econômica tecnologicamente adiantada e altamente flexível, que se mostrou a mais indicada para competir no dinâmico mundo econômico dos anos 1970 e 80. O fundamental nesses distritos de pequenas indústrias, segundo a maioria dos observadores, é a confiança mútua, a cooperação social e o forte senso do dever cívico.