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Participação e os espaços da esfera pública

1 INTRODUÇÃO

3.3 O potencial cívico

3.3.1 Participação cívica

3.2.1.2 Participação e os espaços da esfera pública

A esfera pública é um espaço, definido por Habermas, no qual todos os indivíduos, principalmente as minorias e excluídos dos benefícios sociais, podem problematizar sua condição de desigualdade na esfera privada, permitindo o questionamento sobre a sua exclusão de arranjos políticos por meio de um princípio de deliberação societária nas ações em público (SANTOS; AVRITZER, 2002).

Oliveira, Pereira e Oliveira (2008) reafirmam a importância das novas relações entre sociedade e Estado, pautadas pelo equilíbrio e pela dialogicidade exigidas na formulação e na condução de políticas públicas inovadoras, buscando a consolidação de espaços públicos não-estatais capazes de sustentá-la. Nesta construção político-institucional, o autor destaca o papel dos conselhos gestores no âmbito municipal. Os autores observaram que os conselhos gestores podem contribuir para a democratização da gestão pública, para a ampliação quantitativa e qualitativa da participação, para a condução coletiva de políticas sociais, para a responsabilização de governantes (“accountability”), para o controle social pró-ativo e para o intercâmbio de informações entre população e poder local. Entretanto, segundo o autor, eles podem também servir como órgãos cartoriais, com o papel de referendar as decisões do executivo, legitimando o discurso governamental ou apenas em estruturas formais que não exercem as condições básicas para a participação, como a ausência de reuniões frequentes,

programas de trabalho, representatividade social, vigor argumentativo, rotinas de capacitação e acesso aos poderes instituídos.

Tenório (2007) se refere à esfera pública ampliada como aquela em que distintos atores da sociedade civil, do mercado e do poder público atuariam de modo concertado em prol do desenvolvimento local. Tal perspectiva pressupõe a existência de um espaço público (identificado com o conceito de esfera pública de Habermas) como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões. Assim, o processo de comunicação ocorre com liberdade e igualdade de direitos civis, políticos e sociais, produzindo consensos pela reflexão e o debate, os quais são assumidos na prática por todos os envolvidos. Neste espaço, portanto, são consolidadas as alternativas de promoção e inclusão, o pluralismo, a igualdade participativa, a autonomia e a conquista do bem comum.

O espaço público, para Tenório, busca o entendimento mútuo entre os atores sociais, pressupondo a igualdade de direitos civis, políticos e sociais. É o espaço de identificação, compreensão e problematização, onde se propõe soluções aos problemas da sociedade para a definição das políticas públicas. No processo político de construção de uma nova lógica de desenvolvimento, este cenário tem como protagonista a sociedade civil organizada. Entretanto, não deixa de lado o poder público e a iniciativa privada. Assim, as orientações para o mercado e a visão tecnocrática do poder público deixam de ser os condutores únicos da definição de soluções para o conjunto da sociedade, fortalecendo o exercício da cidadania deliberativa em oposição ao modelo tradicional de democracia representativa, que reforça as instâncias formais de decisão. Desse modo, a participação política cidadã ocupa o seu devido espaço, garantindo o bem da coletividade e não de indivíduos ou grupos.

Segundo Pereira e Grau (1999), a ampliação de espaço público no Brasil adquire máxima importância porque partidos políticos e o parlamento se

revelaram insuficientes para o exercício da cidadania. Desse modo, a esfera pública deverá transcender cada vez mais os limites do Estado por meio do controle social. Para Tatagiba (2002), a década de 1990 foi envolta pela movimentação de forças sociais e atores para o desenvolvimento de novos formatos e desenhos de políticas. A autora tinha expectativa de que, por meio da participação cidadã nos espaços institucionais, seria possível reverter o padrão centralizador, autoritário e excludente do planejamento das políticas públicas no Brasil. Esta mudança seria possível por meio do tensionamento das agências estatais, provocado pela participação de outros atores, tornando-as mais transparentes e responsáveis pelo controle da sociedade.

Um tema de crescente relevância na discussão acadêmica, principalmente nos países de redemocratização recente, é a dimensão associativa da ordem social. Isto se deve à revitalização da ação societária e à restauração das mediações entre Estado e sociedade. Na argumentação de Labra, a questão das “facções” é antiga, tendo recebido atenção desconfiada dos iluministas e a admiração de outros, como Tocqueville, quando observou a preocupação do cidadão norte-americano com os assuntos da vida cívica. Os autores citam, ainda, a preocupação de pensadores, como Hegel e Durkheim, com a perspectiva de uma sociedade organizada em “corpos orgânicos”, funcionais ao Estado e também a contribuição da Igreja Católica com a encíclica Rerum Novarum, passando a prescrever a incorporação dos “corpos intermediários” da sociedade às instâncias de governo, como uma forma de controlar o conflito social (LABRA; FIGUEIREDO, 2002).

Oliveira, Pereira e Oliveira (2008), estudando os espaços públicos não estatais, definidos pela Constituição brasileira de 1988, chamam a atenção para a importância das novas relações entre sociedade e Estado e para o equilíbrio e a dialogicidade exigidos na formulação e na condução de políticas públicas inovadoras que buscam a consolidação de espaços públicos não-estatais capazes

de sustentá-las. Os autores destacam, nessa construção político institucional, a contribuição que pode ser dada pelos conselhos gestores à gestão colegiada de políticas públicas, no âmbito municipal, para a democratização da gestão pública, para a ampliação quantitativa e qualitativa da participação, para a condução coletiva de políticas sociais, para a responsabilização de governantes (“accountability”), para o controle social pró-ativo e para o intercâmbio de informações entre população e poder local.

Pela definição de Avritzer (2009), os conselhos gestores representam meios públicos de deliberação criados para promover a participação social, tendo como atribuições a tomada de decisões sobre as políticas locais e a regulação dos atos do governo, possibilitando que a aplicação dos orçamentos contemple os bens e serviços prioritários para a comunidade.

Cordoni Junior, Lopes e Gutierrez (2006) pesquisaram a situação de quinze conselhos de saúde de municípios pertencentes à 17ª Regional de Saúde do Estado do Paraná e constataram que: apenas em 40% deles a participação entre usuários e demais segmentos é paritária, 1/3 dos conselhos não se reúne periodicamente, 2/3 não possuem comissões técnicas e 80% não possuem secretaria executiva. Neste estudo também ficou evidente que a divulgação das atividades dos conselhos é precária, 40% não participam da elaboração dos planos municipais de saúde e 40% não têm controle sobre o fundo municipal de saúde.

Para Nogueira (2005), existe sempre o risco de a participação gerencial sobrepor-se à participação política nos conselhos gestores, principalmente quando:

a) os conselheiros não têm vínculos fortes com organizações sociais; b) as organizações sociais relacionam-se tangencialmente com

c) os movimentos populares não têm lastro histórico ou comunitário; d) os poderes locais agem estrategicamente para não partilhar poder; e) os poderes locais não consideram os conselhos legítimos ou

relevantes;

f) os conselheiros desconhecem os sistemas de políticas sociais, a máquina pública e os meios para viabilizar suas decisões;

g) os processos de “empoderamento” de conselheiros são negligenciados.

Amorim (2007) identificou, em uma pesquisa realizada em Porto Alegre, RS e Toledo, PR, a precariedade da cidadania e a ausência de cultura política participativa, portanto, a limitação da condição para a consolidação de práticas democráticas. Desse modo, ocorre o favorecimento de práticas pautadas em princípios particularistas e individualistas com aumento da pobreza e da exclusão social, acrescido do enriquecimento ilícito de políticos e do desvio de recursos públicos.