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CAPÍTULO 2: A AUTONOMIA NO ENSINO-APRENDIZAGEM.

2.1 ESTUDANTES E PROFESSORES AUTÔNOMOS

Durante as entrevistas no IAENE e na UNEB, ao perguntar o que os estudantes entendiam sobre autonomia, obtive respostas que variavam de isolamento até egoísmo. Agora faço essa pergunta para mim. O que eu entendo por autonomia? Penso que é a capacidade de o indivíduo agir consciente de que as suas decisões foram projetadas e assumidas por ele. Autonomia é a condição que a pessoa exerce sabendo que está a instituir a sua capacidade de assumir riscos tomar decisões para alcançar os seus objetivos.

Ruth Rocha (1996) define autonomia como a faculdade de dirigir-se livremente, de acordo com sua própria vontade e independência de qualquer ordem. O indivíduo autônomo é o que se rege por leis próprias, independentes. Para tanto, ele precisa ter consciência delas e saber como utilizá-las nas atividades que lhes exigem determinação e prudência, sem se sentir oprimido.

Autonomia deve ser entendida como uma condição do indivíduo relativa ao meio em que se encontra e com o qual ele se sinta capaz de interagir. Indico a liberdade como condição principal para o exercício da autonomia. O amadurecimento intelectual e emocional é uma característica própria daqueles que se inquietam com as arbitrariedades. Para agir dessa forma, a conscientização da liberdade é fundamental para levar o indivíduo a tomar iniciativas.

Não existe a autonomia pura, como se fosse uma capacidade absoluta de um sujeito isolado. Por isso, só é possível realizá-la como processo coletivo e que implica relações de poder não autoritárias. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS , 1998, p. 35) De acordo com Freire (1996), na sala de aula, o estudante deve encontrar meios que propiciem a sua autonomia para que ele se torne também um colaborador e um associado dos projetos montados para a aula. A tendência, então, do educador – educando (FREIRE, 2004, p. 72) como dos educados – educadores é estabelecerem uma forma autêntica de pensar e atuar. Pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultaneamente,

sem dicotomizar este pensar da ação. E levar o aluno a fazer parte deste pensar a fim de contribuir mais com enriquecimento dos seus estudos.

A pesquisadora Diane Houghton (1991) diz que o estudante autônomo, autodirecionado, no aprendizado da língua, como disciplina acadêmica, pode ser considerado um modelo de autonomia. Ser um estudante autônomo também significa não permitir ser oprimido por quem quer que seja o opressor. As palavras mansas dissimuladas e as atitudes centralizadoras podem indicar quando se quer oprimir ou alguém está prestes a ser oprimido.

Uma reflexão mais apurada de Freire (2004) chama a atenção para o fato de que a condição de ser oprimido ou opressor denota a nossa inabilidade de lidarmos com o medo da liberdade, de que se fazem objeto os oprimidos. O perigo está em, consciente ou inconscientemente, pretendermos ser opressores ou mantermos os que no cercam presos à condição de oprimidos.

No aprendizado de língua inglesa, a prática interativa, construtiva e o poder de escolha são posturas muito úteis para o surgimento da autonomia. Portanto, essa é a condição básica para conviver com os riscos, as incertezas e os conflitos. Sem ela, assumir posturas construtivas torna-se difícil porque a pessoa perde a confiança em si. Dessa forma, a autonomia tornou-se condição de sobrevivência para todos.

Dickinson (1994) vê autonomia como um processo no qual a atitude em relação ao aprendizado é mais marcante do que a própria metodologia envolvida. Segundo a autora, muitos pesquisadores se arvoram em definir autonomia, mas isso não vai possibilitar um entendimento maior. O importante é fazer dessa condição um instrumento para favorecer novas propostas e entendimentos no desenrolar do processo em sala de aula.

Para Dickinson (1994) a autonomia não é uma licença para que o estudante se comporte sem qualquer limitação. No entendimento da autora, é importante mostrar que sua autonomia não lhe dá o direito de fazer na ou da aula o que bem entender. Pois, no cotidiano somos levados a conhecer os nossos limites e deveres. Por isso, temos regras sociais de convívio que regulam estes limites.

Fiori (2004) diz que o exercício das qualidades inerentes ao ser humano, não é adaptação: o homem não se naturaliza, e sim, humaniza o mundo. A hominização não é processo biológico, mas é um processo histórico-social.

Quando estes comportamentos destoam dos que são esperados para um bom convívio, fica caracterizado o desrespeito às individualidades, ao etho (costume) e ao espaço do outro.

Todo o envolvimento do indivíduo com quaisquer ações na sociedade, no seio da família, na empresa onde trabalha, no clube que freqüenta, na igreja onde exercita sua fé, é baseado em valores éticos e comportamentais característicos do homem social, distante da selvageria.

Na sociedade moderna, as relações hierárquicas mostram-se mais fortes à medida que o homem se percebe mais vinculado aos propósitos de manutenção da sua espécie e da sua subsistência.

Ao entender o poder como possibilidade de atuação, de interferência e determinação de rumos na sociedade, verifica-se que, para haver uma sociedade democrática, o exercício do poder deve se dar numa perspectiva de pluralidade. (PCNs, ensino fundamental, 1998, p. 55) A perspectiva da pluralidade representa a ação do indivíduo querendo sobreviver não pela força bruta, mas pela habilidade de negociar espaços, idéias e costumes para uma convivência salutar. A sala de aula, como representação desse mundo social maior, é o espaço onde podemos aprender a exercer os nossos princípios com o intuito de valorizarmos as diferenças entre hábitos, experiências e outras realidades e, dessa forma, interagindo com mais consciência em relação aos nossos direitos e deveres

Durante a fase de observações e de entrevistas, ficou evidenciado que a maior parte dos estudantes não tinha uma noção exata do que significa ser autônomo. Para estes, o principal entendimento sobre autonomia era o que faz o aluno “esquecer que o professor existe” e cuidar do seu próprio aprendizado. O professor funcionaria apenas como um “posto” de recebimento dos trabalhos e pesquisas, bem como para dar as notas finais da disciplina.

Freire (1996) pergunta: como ser educador, sobretudo numa perspectiva progressista, sem aprender com maior ou menor esforço, a conviver com os diferentes? Como ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou parte?

Vê-se que, apesar de já se ter escrito muito sobre autonomia e haver debates sobre o tema, o entendimento de como a autonomia pode ser exercida é ainda

distorcido. Talvez, por isso, ainda seja difícil encontrar salas de aula e estudantes verdadeiramente autônomos.

No Instituto Adventista de Ensino do Nordeste - IAENE, o mecanismo em todo o processo de ensino-aprendizagem é mantido por uma rígida estrutura didático- pedagógica, representando a hierárquica das instituições mais tradicionais. Não existem arbitrariedades declaradas. Entretanto, as hierarquias são muito bem montadas e fortes. Como fica retratado nas seguintes palavras:

Grande parte da identidade pedagógica de uma Unidade ou Rede Escolar repousa sobre as características metodológicas do trabalho docente nela realizado. Seus princípios devem estar em harmonia com sua filosofia. [...] os princípios e as orientações didático- metodológicas são apresentados para orientar e respaldar o planejamento do educador e caracterizar o caminho que deve seguir o seu trabalho. (PEDAGOGIA ADVENTISTA, 2004, p. 9)

A autonomia exercida pelos estudantes daquela unidade de ensino atende somente à questão funcional, pois, segundo Penna (2001, p. 63), ela se sustenta apenas na persistência em determinada conduta, mesmo quando a motivação intrínseca que a justificava já não existe mais. No caso em questão, o desejo de estudar inglês, de passar no vestibular, entre outros.

Outra questão fundamental (PCNs, 1998, p. 36) para o contexto escolar é a da relação entre autonomia e autoridade: permitir que valores e normas sejam discutidos, avaliados e reformulados não significa abolir, negar ou qualificar negativamente a autoridade dos educadores. Pelo contrário, reconhecê-la é fundamental uma vez que é nela que se apóia a garantia de direitos e deveres no contexto escolar.

Ter o conhecimento dos limites entre autoridade e autoritarismo significa saber monitorar a nossa prática até o ponto em que ela não agrida a liberdade e escolha do outro. É sabermos recuar quando percebemos que estamos a invadir os territórios de outras identidades. Isto é, não permitindo a ação arbitrária e individualista. Sobre esse aspecto, Freire (1996) diz o seguinte:

É o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo não é sinal de autoritarismo de minha parte. É a minha autoridade cumprindo o meu dever. Não resolvemos bem ainda, entre nós, a tensão que a contradição autoridade – liberdade nos coloca e confundimos quase sempre autoridade com autoritarismo, licença com liberdade. (FREIRE, 1996, p. 68)