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ESTUDO COMPARATIVO ENTRE ARGENTINA E BRASIL

Esse capítulo trata de mostrar a importância do estudo comparativo, bem como fundamentar teoricamente essa comparação. Comparar Argentina e Brasil é comparar países vizinhos, com histórias de colonização próximas, com religião proximamente tipificada, no entanto, essas proximidades expressam-se com diferenças e distanciamentos. Diferenças a partir dos ideais de colonização e dos ideais dos colonizadores. Dessas diferenças surgiram especificidades interessantes como a separação oficial entre Igreja e Estado no Brasil e a separação da Igreja e Estado na Argentina. Na Argentina, a Igreja está organizada de maneira diferente de como ela se organiza no Brasil.

Concordando com Norberto Bobbio, entre as duas principais fontes para se estudar o Estado – “a história das instituições políticas e a história das doutrinas políticas” (2007, p. 53), opto pela história das instituições, em particular da Igreja como espaço privado, não estatal, e as decisões do Estado, público, não privado. Essa opção decorre do fenômeno de desprivatização da religião (Casanova, 2000) resultando na repolitização das esferas religiosas onde se encontra inserida a moral privada23. Quando a religião na Argentina e no Brasil, através da Igreja, desvincula-se do Estado, cuja característica de origem é a separação das esferas de ação entre sagrado e profano, está produzindo duas coisas: na Igreja, a perda do monopólio no mercado de bens simbólicos; no Estado, a ampliação de sua ação na sociedade civil (Bastian, 1988).

Exemplo disso é quando a Igreja, em união de interesses com outras denominações protestantes, pressionam parlamentares e até mesmo o judiciário, para não permitirem a descriminalização do aborto. A necessidade de se unir com outros grupos religiosos, como os protestantes, demonstra o empobrecimento no predomínio do controle dos bens simbólicos de salvação e a fragmentação do predomínio histórico desses bens. Pierre Birnbaum (1982) diz que é através do monopólio do sagrado que as instituições religiosas perpetuam seus interesses nos Estados. Quando a Igreja se une com outros grupos religiosos significa que perdeu, pelo menos em parte, esse

23 - A oposição entre religião e política deu-se a partir do iluminismo. Em reação ao iluminismo, as religiões reacenderam o ativismo religioso dos adeptos. A mobilização desse ativismo religioso também foi contra o secularismo, o que se julgava injusto e contra as desigualdades sociais, e é a partir dessa luta entre o espiritual e o material que se dão as relações entre religião e política. Neste sentido é que analiso Max Weber e acredito que nunca houve o desencantamento do mundo, e que a volta da religião, na atualidade, não é um reencantamento do mundo, mas a adequação da religião ao novo contexto de novas tecnologias, inclusive as do imaginário. Acredito ainda que é incorreto dizer “volta da religião”. Não existe a volta daquilo que nunca foi e que não deixou de existir.

monopólio do sagrado. A perda dessa hegemonia católica do sagrado contribui para aumentar a liberdade individual, de expressão, e dos direitos humanos; portanto, permite a consolidação democrática. Se o conflito de interesses será inevitável em algum momento, “a convivência pacífica dos grupos religiosos contribuirá para o bem- estar da sociedade, a diminuição dos conflitos, a harmonia entre os povos e o estabelecimento da paz” (Silva & Ribeiro, 2007, p. 175).

Esse equilíbrio de poder, ou menor desequilíbrio entre as instituições monopolistas do sagrado, repercute no governo dos Estados. Esses são obrigados pela nova conjuntura a reordenar e refazer as relações entre as esferas de poder24. Na esfera da política pública, a renormativização se dá com pressupostos religiosos como pensar a economia de mercado com solidariedade social, mesmo que isso destoe do capitalismo25. Nesses exemplos, a relação entre religião e política se torna indissociável, difícil de limitar suas fronteiras.

A dificuldade de delimitar fronteiras entre público e privado decorre da própria etimologia do termo, em latim status, expressando a categoria de pessoas que, estando sob as mesmas condições, estão sob os mesmos direitos e deveres políticos (Bobbio, Matteucci & Pasquino, 2003). Por estarem nas mesmas condições, essas pessoas elaboram e praticam formas de gestão representativas. Isso quer dizer que o caráter coletivo, público, suplanta de início qualquer iniciativa privada, particularizada.

O público assume, no final da Idade Média e superando o sistema feudal, o lugar do privado na formulação das políticas26. Quando à sociedade de categorias acrescentou-se a racionalização do poder e o monopólio da força legítima (Weber, 2000), originou-se o Estado na concepção moderna do termo. Contrapõe-se à concepção de Estado Moderno o pensamento político-religioso da Igreja, fundado especialmente na pretensão de sociedade perfeita, cujo monopólio da força legítima teria origem divina e concedido à ela como representante do supremo Senhor. A representação da política divina na terra, através da hierarquia eclesiástica, produz a ação intervencionista da Igreja nas políticas públicas. Isso é possível de ser observado na origem e no

24 - Utilizo “esfera” de modo semelhante a “campo” nos escritos de Paul Ricoeur.

25 - A Encíclica Centesimus Annus, do Papa João Paulo II, de 1991, em comemoração aos cem anos da Rerum Novarum. É uma repetição de diversos temas das encíclicas do período de cem anos, enfatiza a necessidade de perdoar dívidas e pede para que o sistema financeiro sacrifique parte dos lucros em prol dos mais carentes e dos marginalizados do processo econômico.

26 - Nesse período pré-capitalista a nobreza feudal foi substituída pelas monarquias absolutas, um dos resultados dos Estados Modernos. Nesse sistema aparece a classe burguesa, antes inexistente, intermediando a classe dos Nobres e o Povo. Foram os burgueses que patrocinaram as grandes viagens marítimas que resultaram no descobrimento do Novo Continente.

desenvolvimento dos Estados ibéricos e depois argentino e brasileiro. Nas Encíclicas produzidas pela Igreja, é possível constatar sua postura de superioridade assumida perante a política27.

Como até aqui observado, a associação de pessoas nas mesmas condições e sob os mesmos direitos e deveres, ao se institucionalizarem e delimitarem territórios comuns, forma o Estado Moderno. Se a sociedade medieval tinha como elemento aglutinador a religião, cujos documentos pontifícios reafirmavam a supremacia do espiritual sobre o material, o governo divino sobre o governo humano. Na formação do Estado Moderno, as Constituições, como resultado de consenso entre as pessoas, ou pelo menos de consenso de seus representantes, substituirão as Encíclicas na formulação das políticas públicas a serem implantadas. Isso não significa dizer que as Encíclicas não tenham poder de coagir, mas que sua importância, pela laicidade do Estado, é diminuída. A religião não estaria acima e nem ocuparia o mesmo lugar da política, mas seria convocada por esta para contribuir na garantia da paz e do bem estar social, como supõe a história e como constato na pesquisa. Nicos Poulantzas vai além e infere que as relações de poder ultrapassam, e muito, o Estado (2000, p. 27):

O Estado não pode sancionar e reproduzir o domínio político usando como meio exclusivo a repressão, a força ou a violência “nua”, e sim, lançando mão diretamente da ideologia, que legitima a violência e contribui para organizar um consenso de certas classes e parcelas dominadas em relação ao poder público. A ideologia não é algo neutro na sociedade, só existe ideologia de classe. A ideologia dominante consiste especialmente num poder essencial da classe dominante.

A classe ideológica dominante na Argentina e no Brasil foi, durante muito tempo, o clero católico. A hierarquia da Igreja até a proclamação da República fazia a agenda política, ditava o certo e o errado, e fazia garantir seus direitos privados (Rodrigues, 1981). Essa classe dominante tinha instrução nas ordens européias medievais e trazia daquele continente sua visão de mundo eclesiástica. Não havia interesse da Igreja, nos dois países estudados, de fazer a separação do Estado, mas antes, de impor sua vontade como soberana com a justificativa de ser divina.

27 - A Bula Unam Sanctam, do Papa Bonifácio, VIII, de 18 de novembro de 1302, define as duas espadas como a da Igreja e a do Estado. A espada da Igreja é superior e deve predominar sobre a espada do Estado. A Igreja tem a superioridade e a legitimidade de Deus, enquanto que o rei tem a legitimidade da Igreja. A Igreja se coloca fora da história, ela é eterna, enquanto que o Estado é limitado aos acontecimentos cronológicos. Não é o Estado quem perdoa ou salva, este poder só é dado à Igreja, logo, não há salvação fora da Igreja. A Igreja julga todo poder, mas não é julgado por qualquer outro, senão por Deus: “la potestad espiritual tiene que instituir a la temporal, y juzgarla si no fuere buena... Luego si la potestad terrena se desvía, será juzgada por la potestad espiritual; si se desvía la espiritual menor, por su superior; mas si la suprema, por Dios solo, no por el hombre podrá ser juzgada”.

Ao estudar a história de Espanha e Portugal, com suas peculiaridades, apesar de descenderem de um tronco comum e estarem tão próximas em algumas questões culturais, constato que a Igreja não influenciou da mesma maneira os dois países. Se a proximidade entre Espanha e Portugal pode ser constatada pela historiografia literária, onde, por exemplo, poetas do século XVI como Camões e Cervantes misturavam os idiomas em seus escritos. (Chacon, 1979), as peculiaridades religiosas que separavam os dois países são a profícua produção teológica e dogmática na Espanha e a inexpressiva, senão inexistente, teologia portuguesa.

Um dos aspectos que podem ter contribuído para essa diferente importância de produção teológica entre os dois países mencionados é a geografia. A geografia da península ibérica é cercada pelo Oceano Atlântico e pelo Mar Mediterrâneo, separada do restante da Europa, a nordeste, pelos Pirineus. A preocupação com a dogmática, na Espanha, advinha desse isolamento e da necessidade de união interna dos que lá viviam (Gonzaga, 1993, p. 170) e repercutiu nas relações entre Estado e Igreja na Argentina. Usando a mesma lógica, infiro que o descaso dogmático por parte de Portugal, por se esconder atrás das iniciativas espanholas, repercutiu nas relações entre Estado e Igreja no Brasil.

Em parte alguma da Europa, durante a Idade Média, assinala o historiador Alexandre Herculano (s/d, vol. 1, p. 109): “...o poder público favoreceu a raça hebréia como em Portugal”. Pelo que se depreende, a tolerância tinha origem nas finanças que os judeus possuíam, bem como seu controle sobre o comércio, resultando a conveniência política e os investimentos necessários para as navegações (Kayserling, 1971). Somente no século XVI tem início a perseguição aos judeus em Portugal, seguindo-se o exemplo espanhol. No entanto, as desavenças entre Dom João III e o Papa Clemente VII, na década de 1530, contribuiu para o enfraquecimento da perseguição contra os judeus. Nesse período Dom João III quase rompeu com a Igreja (Gonzaga, 1993, p. 229). Mesmo assim, Estado e Inquisição (Igreja) mantiveram-se unidos, durante o século XVI, contra as minorias diferentes28.

Depois, no trágico contexto do século XVII, a população da Europa experimentava o caos na saúde provocado pela Peste. O caos foi tamanho que chegava a afetar as atividades econômicas, sociais, políticas, religiosas, científicas e artísticas. A

28 - O papa Alexandre VI era espanhol, foi ele quem intermediou o conflito entre Portugal e Espanha pelas terras descobertas. Como os reis eram católicos estavam subordinados à autoridade papal, daí a necessidade do reconhecimento da Igreja na ocupação das novas terras. Sobre isso escreve Hans-Jurgen Prien, em La História del Cristianismo em América Latina, São Leopoldo, Sinodal, 1985.

peste dizimara, em algumas aldeias da Europa, de 35% a 40% dos seus moradores. O decréscimo populacional na Espanha fora considerável e maior que em Portugal (Van Bath, 1984). A Espanha passara pela crise de saúde pública sem ter vivenciado o renascimento, pois quando ele chegou até aquele país foi asfixiado pela preocupação com a contra-reforma, por isso não entendeu os problemas sociais à luz da Renascença, senão sob as sombras do seu misticismo teológico (Dubois, 1995), e essa visão de mundo foi transportada para a América espanhola. Acredito ser provável que o resultado das mortes na Espanha tenha levado a Igreja daquela região a tomar atitude mais agressiva com os considerados “diferentes”. Geralmente o mal é atribuido ao estranho ou estrangeiro. Apesar da distinção filosófica entre mal natural e mal moral, o mal na teologia católica é visto como resultado da desobediência a Deus, e quem não era católico seria desobediente a Deus e, portanto, responsável pelo mal29.

Por isso, a Espanha desenvolveu um catolicismo dogmático, com ortodoxia teológica e práxis radical contra não católicos. A Espanha teve “o conhecimento mais avançado, ligado ao que a Idade Média conseguiu produzir, teologicamente, de mais profundo” (Dreher, 1996, p. 116). Nos séculos XVI e XVII a preponderância da teologia espanhola sobre os demais países se evidenciava nos escritos do franciscano Osuna, do dominicano Luis de Granada, do agostiniano Luis de León, dos carmelitas Teresa de Ávila (1515-1582) e Juan de la Cruz (1542-1591), e de Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus. Portugal não tem teólogos destacados, não tem preocupações com pensamentos diferentes da Igreja, a preocupação maior era marítima e comercial, e para concretizar seus projetos dependia do capital dos comerciantes judeus e muçulmanos. O olhar de Portugal está para o futuro assim como o da Espanha está para o passado. Portugal pensa nas novas conquistas, Espanha quer entender o acontecido.

Outro fator importante de diferenciação foi o papel das Cruzadas na Europa e sua repercussão na Argentina e Brasil, pois as “grandes navegações” trouxeram para o continente americano a mentalidade bélica dessas Cruzadas. Exceções são as palavras

29 - O problema do mal é “um problema da inteligibilidade do mundo como um todo” (Neiman, 2003, p. 20). Ou seja, se Deus é o criador do mundo e se o mundo poderia ser melhor, então a responsabilidade seria de Deus. Esse pensamento era estranho à Igreja, mas comum entre os filósofos. A Igreja via os não católicos, filósofos, judeus, muçulmanos, depois os protestantes, como inimigos de Deus, portanto, deveriam ser evitados e depois combatidos. Quanto aos teólogos, deveriam combater os não católicos e estar de acordo com Tomas de Aquino: “Dios por sola su bondad produjo primeramente todas as criaturas iguales, y todas espirituales y racionales; las cuales, por su libre albedrío, se movieram de diversos modos, unas adhiriéndose a Dios más o menos, otras apartándose de El más o menos” (Aquino, 1947, vol 1, p. 510).

de Pero Vaz de Caminha escritas para o rei Dom Manuel, quando imaginava que aqui no Brasil seria possível construir a Pindorama, a terra sem males e sem derramamento de sangue, dizendo que o melhor fruto que se poderia tirar dessas terras é salvar essa gente (Bueno, 2003). Salvar essa gente, no entanto, significava cristianizar e isso queria dizer catequizar os seus nativos. A intransigência espanhola contrastava com a indiferença portuguesa durante o desenvolvimento do projeto de catequização. Enquanto a Espanha proibia que judeus, mouros e protestantes embarcassem para o Novo Continente, Portugal trazia os mesmos para o Brasil (Mir, 2007). Essas diferentes condutas contribuirão para a construção das culturas argentina e brasileira, culturas que teriam as suas peculiaridades durante a escravatura e os períodos de imigração (Amado, 2006), quais sejam, proporcionalmente, o maior número de imigrantes europeus na Argentina, enquanto o Brasil recebia maior contingente de escravos africanos.

A partir dessa relação entre políticas diferentes nos dois países da Europa, estudo as relações entre Igreja e Estado, no Brasil e na Argentina; entendendo que no continente americano se dê a continuidade das relações que já existiam entre ambos na Europa. Ao dizer continuidade, me refiro à transposição com especificidades. Uma delas é a influência da imigração européia para a América Latina no século XIX, que proporcionará maioria da população Argentina, cerca de 70% na época da sua independência, e perto de 38% no Brasil em 1872 (Fausto & Devoto, 2004, p. 45). Esse fator será um componente importante para a elaboração das Constituições do Estado Republicano. A igualdade se dá na vinda tanto para a Argentina quanto para o Brasil dos jesuítas espanhóis, haja vista o inexpressivo jesuitismo em Portugal.

Nas primeiras décadas do século XX, a ideologia católica seria retratada como regime “clerical-fascista” (Hobsbawm, 1995), apresentando, nesse momento, a ambigüidade em que se desenvolveria sua política para o século XX. Eric Hobsbawm infere que a Igreja viveu tal ambigüidade quando esteve aliada aos regimes totalitários contra a democracia e o liberalismo, dizendo que a era fascista teria sido marcante na vida da Igreja e a ela estaria identificada. Para ele, os representantes internacionais da Igreja no período são Hitler e Mussolini (p. 118). Diz ainda que “Quando o liberalismo caiu, a Igreja, com raras exceções, se rejubilou com sua queda” (p. 119). Nas palavras de Hobsbawm (1995, p. 118):

O que ligava a Igreja não só a reacionários anacrônicos mas aos fascistas era um ódio comum pelo Iluminismo do século XVIII, pela Revolução Francesa e por tudo o que na sua opinião dela derivava: democracia, liberalismo e, claro, mais marcadamente, o ‘comunismo ateu’.

Apesar dessa política ideológica da Igreja, como instituição supranacional, identifico as diferenças da ação política no catolicismo espanhol (que esteve em conflito desde o ano 711 com os muçulmanos invadindo a Espanha pelo estreito de Gibraltar e, especialmente, na região da Andaluzia, e que transferiu sua visão de mundo bélica para a Argentina), comparando-o com o catolicismo português (mais brando e menos intransigente, e que trouxe para o Brasil uma certa tolerância). Os teólogos que elaboraram a doutrina do “poder indireto” foram católicos da Espanha e não de Portugal, por isso essa doutrina ficou conhecida no meio acadêmico como “espanhola”. A espanhola tinha como base a Carta Encíclica de Bonifácio VIII - Unam Sanctam de 18/11/1302, onde o poder temporal deve estar subordinado ao poder espiritual da Igreja Católica, eis um trecho da referida Bula:

Por las palabras del Evangelio somos instruidos de que, en ésta y en su potestad, hay dos espadas: la espiritual y la temporal...Una y otra espada, pues, están en la potestad de la Iglesia, la espiritual y la material. Mas ésta ha de esgrimirse en favor de la Iglesia; aquella por la Iglesia misma. Una por mano del sacerdote, otra por mano del rey y de los soldados, si bien a indicación y consentimiento del sacerdote. Pero es menester que la espada esté bajo la espada y que la autoridad temporal se someta a la espiritual... Que la potestad espiritual aventaje en dignidad y nobleza a cualquier potestad terrena, hemos de confesarlo con tanta más claridad, cuanto aventaja lo espiritual a lo temporal... Porque, según atestigua la Verdad, la potestad espiritual tiene que instituir a la temporal, y juzgarla si no fuere buena... Luego si la potestad terrena se desvía, será juzgada por la potestad espiritual; si se desvía la espiritual menor, por su superior; mas si la suprema, por Dios solo, no por el hombre podrá ser juzgada. (Unam Sanctam).

A figura metafórica das duas espadas ilustra a teologia da Igreja. O ensino é que a Igreja tem poder para interferir no Estado, mas que o Estado não tem poder de interferir na Igreja, ou seja, se coloca acima dos poderes instituídos. A Igreja entende a união com o Estado desde que a sua espada eterna supere a espada temporal. A Igreja prefere estar unida ao Estado, mas o Estado não tem a mesma preferência. Essas são relações históricas que marcam a influência ora do Estado na Igreja e ora da Igreja no Estado.

O Estado, assim como a Igreja, se colocam como a organização perfeita para gerir a sociedade e suas instituições. Como entender o Estado ou a Igreja como sociedades perfeitas, mas antagônicas entre si? As Concordatas assinadas entre o Estado e a Igreja não são suficientes para explicar essa questão30. Enquanto que os Estados

30 - A Concordata significa o poder indireto da Igreja sobre o Estado, tem forte influência da cultura espanhola e quase nenhuma da cultura portuguesa a tal ponto que na doutrina católica é chamada de

espanhola. A popular espanhola, no Direito Canônico, tem origem nos escritos dos teólogos espanhóis Francisco Zumel, que no ano de 1606 edita o Defensio Iustificationes, e Suarez na Defensio Fidei, de

entre si assinam acordos, o que demonstram ser soberanias diferentes, em diferentes Estados, a Igreja, outrossim, assina Concordatas com os Estados. Dessa relação entre Igreja e Estado nasceu a conivência político-religiosa. Quando os Estados assinam as Concordatas – acordos firmados entre ambas as partes31, colocam um item democrático que nem sempre agrada à Igreja – a aceitação de outros tipos de cultos e de expressão de fé. As Concordatas são aceitas e firmadas na Argentina até os dias de hoje, mas não se

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