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Estudo da dependência russa no período 1998-

4 – Avaliação dos graus de dependência russa

Nesta fase do trabalho serão analisados os graus de dependência russa a vários níveis. Será então desenvolvida a fase que se inicia ainda em 1998 e se estende até 2015, fazendo para isso uso dos cinco tipos de imperialismo (e associada dependência) enunciados por Johan Galtung (1971, 91), tal como aplicando os pressupostos da Teoria da Dependência em geral acima referidos. A nossa análise será iniciada na dependência socioeconómica, onde se incluirão as dimensões económica e a parte infraestrutural da comunicativa, utilizando vários dos indicadores socioeconómicos recolhidos na literatura trabalhada e que mantêm hoje a sua pertinência, dado continuarem a ser elementos macroeconómicos trabalhados e quantificados na actualidade. Posteriormente iremos passar para a dependência sociopolítica e cultural, que engloba um tratamento mais aprofundado das elites na Rússia e onde incluiremos as dimensões associadas à dependência cultural (incluindo aqui as questões da comunicação social retiradas da dependência comunicativa) e política, onde também será testada a nossa hipótese sobre se a Rússia se encaixa no modelo B-A. Por fim, será analisada a capacidade da Rússia interagir no sistema-mundo, debruçando-nos primeiramente sobre a dependência militar e por fim sobre a política externa. No final desta análise espera-se obter uma visão

[Os Estados semi-periféricos] usam o poder do estado nas arenas interna e interestatal de forma bem consciente para aumentar o estatuto do seu estado enquanto produtor, enquanto acumulador de capital e enquanto força militar. A sua escolha é em última instância bem simples: ou eles têm sucesso em ascender na escada hierárquica (ou pelo menos manterem o seu lugar) ou eles serão empurrados para baixo. (Wallerstein 2006, 56-57)

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sistémica da Federação Russa, que nos permita ter uma melhor compreensão das suas capacidades em termos de política externa e como interage no sistema internacional.

Ao longo desta segunda parte do nosso trabalho espera-se também testar as nossas hipóteses iniciais e que importa por isso relembrar. Conjecturou-se inicialmente que a Rússia evidenciava características de país dependente dentro do sistema-mundo, encaixando, de forma mais específica, naquilo que designa por semi-periferia. Para que tal seja verdade, a Rússia necessita de evidenciar atributos de dependência face aos países do centro, integrando-se numa relação desigual face a estes. Afirmou-se também que, no entanto, a Rússia possui ainda um determinado grau de desenvolvimento e autonomia política, o que a faz situar-se num grau intermédio de importância dentro das dinâmicas em prática no sistema-mundo. Esta posição permite-lhe ocupar também uma relação de mediadora entre as nações totalmente Periféricas e as Centrais, dentro dos princípios destacados por GaltunР (1971, 89), desiРnados de “interacхões Пeudais”. Esta relação é desenvolvida não só em aspectos comerciais ou de processamento e de controlo de recursos, para posterior redistribuição no centro, mas também em aspectos militares, políticos, culturais e comunicacionais.

4.1 – Dependência socioeconómica

Nesta secção será desenvolvida uma análise comparativa através dos dados à disposição nas várias dimensões económicas que serão aqui abordadas. A escolha recai neste tipo de análise dada a necessidade de fazer comparações com os países considerados desenvolvidos, para assim se conseguir entender a sua própria posição dentro do sistema-mundo. De forma a melhor compreender essas dimensões aqui abordadas, os indicadores analisados serão separados em dois campos distintos. O primeiro será composto por indicadores directamente relacionados com as questões da dependência económica da Rússia, ou seja, os factores económicos que provocam a dependência. A selecção destes indicadores é feita tendo por base a literatura revista anteriormente, onde se destacam:

1. Os diferentes níveis de processamento (Galtung 1971, 86; Wallerstein 2011 [1974]);

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2. Dependência da exportação de matérias-primas (Galtung 1971, 85; Mahler 1980, 29-30);

3. Concentração numa limitada gama de produtos exportados (Galtung 1971, 90; Cardoso e Faletto 1977, 27; Mahler 1980, 29-30);

4. O tipo de importações (Prebisch 1962 [1949], 127);

5. Crescente importância do Investimento Directo Estrangeiro (Amaral 2012, 65; Santos 2011 [1978], 368; Mahler 1980, 31);

6. Deterioração dos termos de troca (Prebisch 1962 [1949], 81-86; Santos 2011 [1978], 372; Mahler 1980, 29-30);

7. Fraco desenvolvimento tecnológico (Cardoso e Faletto 1977, 5); 8. Fraco investimento público (Cardoso e Faletto 1977, 5);

9. Crescimento da dívida (Mahler 1980, 33; Santos 2011 [1978], 65-66); 10. “Ajudas” internacionais (Mahler 1980, 32).

O segundo campo será constituído pelos indicadores que expressam as consequências desta dependência económica na Rússia. Neste será reflectido o impacto que a dependência económica possui sobre a estrutura socioeconómica e as limitações que impõe, quer na sociedade quer no próprio Estado, procurando traçar algumas conclusões sobre o assunto em questão. Os indicadores utilizados serão, nomeadamente: a relação entre o preço do petróleo nos mercados globais e o crescimento económico russo; o PIB real e PIB real per capita; a evolução demográfica; a importância do consumo privado no PIB; rendimentos do top e dos últimos 20% da população; Índice GINI; Índice de Desenvolvimento Humano; esperança média de vida; mortalidade infantil; Índice de educação; e taxa de desemprego. Serão aqui também observadas as principais políticas económicas tomadas pelos governos russos desde 1998 até 2015, de forma a compreender quais as principais estratégias utilizadas durante este período. Outra dimensão que é directamente afectada pela dependência económica, e que iremos aqui inserir, trata-se daquilo que Johan GaltunР aПirma ser a пrea “comunicacional”. Apesar de GaltunР separar o “imperialismo comunicacional” num domínio prяprio, a íntima ligação de raíz material existente entre a questão infraestrutural, inserida neste, e as questões económicas permite-nos agregar ambas na mesma análise. Excluindo daqui, no entanto, a vertente que trata a comunicação de notícias e a forma como estas são processadas, parte que iremos incluir na análise sociopolítica da Rússia que será feita mais adiante.

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Os dados expostos nas tabelas apresentadas serão relativos à Rússia individualmente, à média representante do G7 e aos EUA individualmente. O G7 surge nestas tabelas dado representar o grupo de países mais desenvolvidos em termos socioeconómicos e político-militares no mundo. São estes países mais desenvolvidos que constituem o centro do sistema-mundo, como afirmado pelos vários autores (Chase- Dunn et al 2000, 79; Galtung 1971, 103-104). Os EUA surgem separadamente por representarem o país com maior produção de riqueza dentro do próprio G7 e do mundo. Estas tabelas também contam com as diferenças existentes nos diversos indicadores entre a Rússia e o G7, e a Rússia e os EUA, como forma de entender o que os distingue. Para se compreender melhor a evolução dos nossos objectos de análise, são colocados diferentes períodos, com curtos intervalos entre eles e que variam de acordo com a disponibilidade dos dados nas fontes utilizadas. Estes períodos estão compreendidos entre 1998 e 2015.

4.1.1 – Indicadores de dependência económica

Uma economia, para se considerar ser possuidora de avançadas relações de produção, necessita de possuir um elevado grau de processamento, quando comparada com as restantes economias do mundo. Como Galtung (1971, 87) afirma, a técnica de processamento baseia-se na capacidade de “impor Cultura sobre a Natureгa”. A imposição de cultura sobre a natureza é, no fundo, o mesmo que Marx (1975 [1891], 102) expunha na sua Teoria do Valor, quando falava da execução de trabalho sobre a matéria: “uma mercadoria tem um valor, porque é a cristaliгaхуo de trabalho social. A grandeza do seu valor, do seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessa substância social nela contida; isto é, da quantidade relativa de trabalho necessário para a sua produхуo”. E quando se Пala em elevados Рraus de processamento, Пala-se em acumulaхуo de trabalho numa mercadoria, ou seja, “ao calcularmos o valor de troca de uma mercadoria, temos que adicionar à quantidade de trabalho empregue em último lugar a quantidade de trabalho previamente incorporada na matéria-prima da mercadoria e o trabalho aplicado nas ferramentas, nos utensílios, máquinas e edifícios que serviram para esse trabalho” (Marб 1975 [1891], 104).

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Para alguns autores esta é exactamente a melhor forma de compreender o problema da deterioração dos termos de troca, pois a explicação encontra-se não no preço relativo dos produtos transacionados, mas sim na própria natureza e condições em que são produzidos (Mahler 1980, 30). De forma a observar este grau de processamento em concreto, usamos aqui o indicador de complexidade económica, um indicador que mede eбactamente o “quуo diversiПicado e compleбo é o cabaг de eбportaхões de um país”91, o que acaba por servir como “medida do conhecimento numa sociedade que se

traduг nos produtos que Пaг”92 (The Atlas of Economic Complexity, 2016b), ou seja, a

imposição de trabalho, de cultura, na natureza por uma dada sociedade e que é extraído tendo por base as exportações de cada país. É então de esperar que os países mais desenvolvidos possuam um cabaz de exportações mais complexo do que países menos desenvolvidos. Olhando para a Tabela 1 verificamos que de facto os países que compõem o G7 são todos países relativamente bem posicionados no ranking mundial, exceptuando o Canadá, ao passo que a Rússia se posiciona bem atrás.

Tabela 1: Ranking de Complexidade Económica em 2014.

Rússia Canadá França Alemanha Itália Japão Reino Unido EUA

50º 39º 17º 2º 15º 1º 10º 14º

Fonte: The Atlas of Economic Complexity (2016a).

De seguida, a Tabela 2 permite-nos concluir que a Rússia tem sofrido uma degradação da sua complexidade económica, contudo também os países que compõem o G7 têm visto regredir esse mesmo aspecto. Ainda assim, a regressão russa é superior àquela verificada pelo G7, como se pode observar no alargamento da diferença relativamente a este grupo.

Tabela 2: Indicador de Complexidade Económica.

Indicador de Complexidade Económica

Rússia EUA Média G7 Diferença com G7 Diferença com EUA 1998 0,70 1,97 1,98 -1,28 -1,27 2000 0,53 1,89 1,86 -1,33 -1,36 2005 0,62 1,73 1,76 -1,14 -1,11 2010 0,32 1,52 1,56 -1,24 -1,20 2014 0,05 1,36 1,44 -1,39 -1,31

Fonte: The Atlas of Economic Complexity (2016a).

91“ECI ranks hoа diversified and compleб a country’s eбport basket is.” – tradução própria.

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Analisemos então os factores que contribuem para uma baixa complexidade económica e para o degradar desse mesmo factor na economia russa. Se a complexidade económica é a imposição de trabalho ou cultura sobre a natureza, então uma economia com baixa complexidade económica possuirá uma destacada importância de elementos da natureza, com baixos graus de trabalho incorporados. Ou seja, será uma economia baseada essencialmente em recursos naturais. E um dos elementos que caracterizam uma economia dependente é exactamente a dependência da exportação de matérias- primas (Galtung 1971, 85; Mahler 1980, 29-30). Importa por isso ter em conta este aspecto considerado na Tabela 3, abaixo:

Tabela 3: Peso dos combustíveis nas exportações.

Combustíveis nas exportações (%)

Rússia EUA Média G7 Diferença com G7 Diferença com EUA 1998 39 2 2,6 36,4 37,0 2000 51 2 4,3 46,7 49,0 2005 62 3 6,3 55,7 59,0 2010 66 7 8,3 57,7 59,0 2015 63 8 6,9 56,1 55,0

Fonte: World Bank (2016a).

Obtém-se aqui uma das causas que explicam a constante diminuição da complexidade económica quer da Rússia, quer do próprio G7. Salienta-se que a dependência russa face às exportações de combustíveis é bastante acentuada, chegando em 2015 a contribuir com 63% do total de todas as exportações e tendo alcançado o seu máximo de dependência em 2013, quando as suas exportações dependiam em 71% dos combustíveis, tendo registado uma queda desde então (ver Figura 1). Da mesma forma, a diferença relativa ao G7 também aumentou ao longo do tempo, mesmo registando um ligeiro decréscimo em 2015 face a 2010.

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Figura 1: Evolução do peso dos combustíveis nas exportações russas.

Fonte: World Bank (2016a).

A Figura 1 demonstra-nos que a sua diversificação de exportações é relativamente baixa, concentrando-se numa limitada gama de produtos, como também é evidenciado pelo seu índice de diversificação de exportações, onde valores mais altos correspondem a uma menor diversificação, como se lê na Tabela 4.

Tabela 4: Índice de Diversificação de Exportações.

Índice de diversificação de exportações

Rússia EUA Média G7 Diferença com G7 Diferença com EUA 2000 2,879 1,644 1,770 1,109 1,235 2005 3,288 1,542 1,743 1,545 1,746 2010 3,543 1,484 1,718 1,825 2,059 Fonte: Knoema (2016).

Contudo, tomar somente estes dois aspectos em conta não reflecte de forma esclarecedora o estado de dependência da economia russa face aos combustíveis. É necessário ter em atenção qual a contribuição dos recursos naturais no PIB, de forma a compreendermos a evolução registada ao longo do tempo.

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