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Estudo das decisões judiciais no homicídio em contexto conjugal

1. Revisão da literatura sobre sentencing

1.3. Estudo das decisões judiciais no homicídio em contexto conjugal

Grande parte da investigação sobre sentencing apresentada até ao momento refere-se ao crime em geral, seguindo, aliás, a tendência da literatura. Este facto acarreta uma possível limitação de interpretação dos resultados e da sua extensibilidade para o caso concreto do crime de homicídio e, em particular, pode alterar a importância que os diversos fatores legais e extralegais assumem na determinação da espécie e da medida punitiva.

Apesar de escassos, os estudos sobre sentenças em casos de homicídio já não são muito recentes. De entre os mais importantes, alguns datam do início do último quartel do século XX. Assim, Farrell e Swigert (1978, 1986, cit. in Johnson et al., 2010), numa amostra de mais de quatrocentos homicídios, identificaram que o género e o estatuto ocupacional, tanto da vítima como do/a condenado/a, apareciam associados à severidade da pena. Em concreto, a condenados masculinos e de baixo estatuto social que tinham vitimizado mulheres tendiam a ser aplicadas penas mais gravosas. Para além disso, a severidade sancionatória crescia também com o histórico de contacto com o sistema de justiça. A raça não se revelou significativa nas dispa- ridades decisórias, ao contrário do que ocorre em grande parte dos estudos já referidos anteriormente e que diziam respeito ao crime em geral.

Auerhahn (2007a), numa amostra de 524 homens condenados por crime de homicídio, verificou que o preditor mais importante na medida da pena de prisão tinha sido a severidade do delito cometido, além de combinações de certos fatores extralegais (idade, raça, prisão preventiva) também terem revelado produzir efeitos significativos. Evidência empírica adicional sobre decisões de homicídio foi encontrada num estudo empírico de Baumer, Messner e Felson (2000), os quais verificaram que as sentenças

tendem a ser mais brandas quando as vítimas integram grupos não tão respeitados da sociedade, resultado convergente com a evidência geral de sanções menos severas aplicadas em situações em que as vítimas são de baixo estatuto social e de raça não branca. No que respeita ao género, as penas tendem a ser mais severas quando o acusado é um homem que assassinou uma mulher, tal como já se referiu atrás (p. ex., Curryet al., 2004).

Grant (2010) analisou as condenações de homens autores de homicídio contra mulheres com quem viviam numa relação conjugal, com uma amostra de 252 casos relativos ao período compreendido entre 1990 e 2008 no Canadá, tendo concluído que o nível de severidade das penas aumentou significativamente ao longo do período estudado. Também a respeito do Canadá, Dawson (2012) com uma amostra de 1324 homicídios, com julgamentos ocorridos em Toronto e em Ontário, entre 1974 e 2002, obteve vários resultados empíricos, dos quais se destaca um aspeto não tratado em outros estudos e que tem que ver com a premeditação do delito, o qual se assume como um fator preditor importante da atribuição da gravidade ao crime cometido.

Auerhahn (2007b), num estudo único, distinguiu os homicídios conjugais dos homicídios fora desse contexto e obteve um resultado convergente com muitos outros estudos já referidos: em contexto conjugal, os ofensores homens tendem a ser mais severamente punidos quando matam mulheres do que na situação em que os géneros se invertem nos papéis de ofensor/a e vítima. Mas, um outro resultado revelou-se também significativo: a severidade das penas sobre eles é mais elevada no caso de homicídios conjugais do que em homicídios fora desse contexto. Trata-se de um resultado contrário ao obtido por Dawson (2004) que, com uma amostra também relativa ao Canadá, sustentou que os/as condenados/as que tinham assassinado os/as seus/suas parceiros/as conjugais eram provavelmente menos sentenciados/as por crime de maior gravidade e mais provavelmente lhes eram aplicadas penas menos severas. Também no caso de crime de homicídio em contexto conjugal, e de modo convergente com a generalidade dos outros contributos que têm alimentado a literatura no domínio, Franklin & Fearn (2008) identificaram que aos ofensores masculinos que tinham assassinado mulheres cabiam as penas mais longas, embora a variável género apenas tenha conseguido explicar cerca de 15% da variância na duração das sanções.

Apesar de se ter deslocado a atenção para estudos sobre homicídio e em contexto conjugal, o foco de atenção permaneceu no espaço geográfico da América do Norte. Por isso, nos resultados até ao momento reportados, as diferenças que existem geograficamente em muitos dos fatores legais e extralegais, assim como nas próprias estruturas de funcionamento e nos ordenamentos jurídicos nacionais, não puderam ser pesadas nos estudos do papel de distintas variáveis/fatores na explicação de disparidades identificadas nas sentenças. Talvez se trate de uma importante limitação de uma grande parte dos estudos desentencing.

Assim, uma atenção acrescida deve ser prestada a estudos que se desloquem do contexto norte-americano. Tal é o caso de um trabalho, focado sobre a Holanda, de Johnson, Wingerden & Nieubeerta (2010).

Johnson et al. (2010) estudaram uma amostra de processos relativos a 1911 condenados/as holandeses/as por crimes de homicídio praticados entre 1993 e 2004. Desse estudo resultou um importante conjunto de conclusões. Um dos primeiros resultados foi o de que tanto os/as procuradores/as como os/as juízes/juízas recomendaram ou decidiram penas proporcionais à severidade do delito, mas o registo criminal apareceu com uma influência muito reduzida quer na espécie de pena sugerida pelo/a procurador/a quer na pena determinada em julgamento. Nos casos em que as vítimas eram mulheres, as penas foram, em média, superiores em quase um ano aos casos em que as vítimas eram homens. Quando as vítimas apresentavam idade inferior a 12 anos, as penas eram mais longas em cerca de dois anos.

No estudo de Johnsonet al. (2010), o local do crime emergiu como explicativo da severidade da pena: menor na situação de residência privada do que na situação de lugar público. O modus operandi também revelou diferenças significativas. Aos homicídios cometidos com uso de arma de fogo foram aplicadas penas mais severas (em um ano mais) do que os cometidos com o uso de facas e de outros objetos cortantes. Distinguindo entre homicídios conjugais e homicídios entre outros membros da família, os primeiros são os mais punidos, sobretudo, quando envolvem agressões sexuais. Na medida em que a amostra utilizada no estudo foi bastante larga, foi possível aos autores explorarem a questão da nacionalidade dos/as ofensores/as e das vítimas, tendo verificado empiricamente que aos/às ofensores/as holandeses/as foram fixadas penas menos severas do que aos/às estrangeiros/as.

A dispersão de estudos aqui apresentada revela uma significativa convergência no que respeita a alguns resultados empíricos. Por exemplo, a severidade sancionatória é significativamente maior quando aplicada a autores do sexo masculino e tanto maior quanto a gravidade dos crimes cometidos.

No entanto, existem lacunas a dois níveis. Primeiro, identifica-se alguma insuficiência de validade externa dos resultados empíricos, na medida em que algumas conclusões são específicas ao contexto norte-americano, designadamente o efeito da raça e da etnia na determinação da medida da pena. Em segundo lugar, na micro-comunidade do domínio, ainda não existe consenso sobre um modelo explicativo de forte poder heurístico.