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2. Recomendações: política criminal e investigação criminológica

2.1. Política criminal

a) De entre os Estados-membros da União Europeia, Portugal é dos que apresenta para a figura do «homicídio qualificado», em regra, molduras penais abstratas mais reduzidas, em linha com uma longa tradição humanista nacional, e com as investigações criminológicas que não estabelecem qualquer relação direta entre a severidade da pena e a diminuição da incidência do crime. Na verdade, em cada vez mais países do nosso entorno cultural e jurídico – veja-se o recentíssimo exemplo espanhol que, com entrada em vigor em 1/7/2015, admite a prisão perpétua (eufemisticamente designadaprisión permanente revisable) para delitos mais graves, de entre os quais aquele que é objeto deste estudo –, a privação de liberdade correspondente ao nosso tipo «qualificado» é sancionado com prisão perpétua.

b) Ao invés, nos Estados da Lusofonia, a nossa tradição parece ter feito o seu percurso e, em geral, os valores das respetivas molduras penais abstratas não andam longe dos nossos. Na técnica legislativa usada, quer nestes países, quer nos da UE, duas grandes tendências se detetam: explicitação da existência de uma relação de intimidade entre agente e vítima como agravação do delito ou sua não previsão expressa. Dos ordenamentos jurídicos a que tivemos acesso, é mais frequente a não indicação expressis verbis do «conjugicídio» (em sentido lato), ao invés do nosso, sendo que o Brasil ocupa lugar de destaque na previsão do que designa por «feminicídio».

c) Apesar do que vem de dizer-se, concluímos já na anterior secção que os valores do homicídio conjugal no nosso país não são diversos dos que se observam nos Estados que nos são mais próximos, o que nos permite afirmar, com segurança, que inexiste evidência científica que suporte qualquer necessidade político-criminal de um punitive turn na moldura penal abstrata prevista para o homicídio conjugal.

d) Não se justifica, à semelhança do que ocorreu com a revisão de 2013 do art.º 152.º, que as relações de namoro atuais ou pretéritas, ao tempo da prática do delito, sejam expressamente inscritas no exemplo-padrão da al. b), do n.º 2, do art.º 132.º, sendo aliás muito discutível esta opção criminal em sede de homicídio qualificado aquando da revisão de 2007. A maior parte da doutrina – para além da lição de Direito Comparado, como acabámos de ver – tem-se pronunciado desfavoravelmente e esta pode bem

ser a marca de um «Direito Penal simbólico», para além de desvirtuar o modo de articulação entre a cláusula geral do n.º 1, do art.º 132.º e a técnica dos exemplos-padrão usada no número seguinte.

e) Do estrito prisma processual penal, em sede de medidas de coação, a gravidade intrínseca do homicídio conjugal importa, na maioria dos casos, a imposição ao/à arguido/a de uma medida privativa de liberdade que, sendo de ultima ratio no esquema do Código de Processo Penal, bem se compreende por referência ao bem jurídico «vida», o qual ocupa o lugar cimeiro na axiologia jurídico-constitucional-penal. Não se justifica, portanto, neste particular, qualquer alteração ao quadro legal vigente. f) O fenómeno conhecido por «homicídio conjugal» sugere, na análise da

amostra recolhida, uma espécie de um «efeito de escalada» em cerca de metade das decisões judiciais em que existia referência a eventos anteriores de violência exercida contra o/a ofendido/a. Assim, o combate ao fenómeno está intimamente relacionado com a melhoria das condições de prevenção e repressão da violência doméstica, sabendo-se que a morte surge, muitas vezes, como o final trágico de uma história de abusos anteriores, amiúde com duração de anos. A atenção do sistema de justiça, do sistema de saúde e das redes de apoio de vítimas de violência doméstica aos sinais revelados por estes dados, em múltiplas situações, é essencial em uma perspetiva de prevenção criminal. Acresce ainda referir-se a importância em motivar as vítimas e testemunhas para a apresentação de queixa/denúncia, ato que, como se referiu, é crucial para a prevenção do homicídio conjugal.

g) Apesar dos esforços legislativos quanto à redação do art.º 152.º e da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, a realidade prática denota a necessidade dos/as magistrados/as do MP e dos/as magistrados/as judiciais, bem como dos órgãos de polícia criminal, continuarem a desenvolver os esforços de acompanhamento dos processos denunciados, nomeadamente aplicando as medidas de coação processual de afastamento do/a agente em relação à vítima, protegendo as vítimas, fomentando a apresentação de queixa por parte de outras vítimas e, se necessário, promovendo o tratamento do/a agressor/a.

h) No pleno cumprimento doV Plano Nacional Contra a Violência Doméstica para a Igualdade de Género, Cidadania e Não-Discriminação (2014/2017), no eixo da prevenção, é urgente continuar com as ações de sensibilização da população em geral e, em especial, dos/as jovens para a problemática geral da violência nas relações de intimidade e, como seu corolário letal em várias hipóteses, do homicídio conjugal.

i) Será relevante destacar a existência relativamente recente de manuais de procedimentos amplamente divulgados pelos órgãos de polícia criminal e pelos/as magistrados/as, no sentido de, através de uma formulação simples e clara, do tipo de um protocolo, cada um dos sujeitos e intervenientes processuais saber perfeitamente o que fazer para avaliar e intervir sobre ofensores/as e vítimas em casos de violência doméstica (p. ex., Manual do Policiamento de Violência Doméstica do MAI).