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ESTUDO DE CASO: ACÓRDÃOS, DECISÕES MONOCRÁTICAS, METODOLOGIA E RESULTADOS

3. APROFUNDAMENTOS ACERCA DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E UM ESTUDO DO CASO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NOS TRIBUNAIS

3.2. ESTUDO DE CASO: ACÓRDÃOS, DECISÕES MONOCRÁTICAS, METODOLOGIA E RESULTADOS

O endereço eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro disponibiliza aos seus usuários diversas formas de pesquisa, seja nos processos de 1ª instância como nas Câmaras. A consulta a jurisprudência do Tribunal ocorre pela combinação de pelo menos duas chaves, sendo sempre com no mínimo uma palavra ou número de processo no assunto a ser consultado. Os cruzamentos de ano, órgão julgador ou desembargador refinam a busca, que possui o limite de 300 ocorrências por pesquisa. Para o presente trabalho, a pesquisa foi realizada inicialmente cruzando a palavra “medicamento”, com os anos, tendo inicio em 1991. Observamos, através de pesquisas aleatórias com outros termos47, que o termo “medicamento” estava na quase totalidade dos julgamentos a respeito do tema.

Esse método de pesquisa se comprovou até o ano de 2001, uma vez que nenhum resultado ficou superior a 300 ocorrências. A partir de 2002, as ocorrências passaram a serem superiores ao limite do site e, conseqüentemente, a pesquisa teve que ser realizada acrescentando o filtro “órgão julgador”. Apesar de algumas câmaras terem tido mais de 300 ocorrências com o termo “medicamento”, essa variável não foi computada no resultado total dos acórdãos.

No período compreendido entre os anos de 1991 e 2010, ocorreram aproximadamente 21.130 (vinte e um mil, cento e trinta) julgados com o termo “medicamento”, considerando acórdãos e decisões monocráticas de desembargadores. Vale destacar que esse número não representa a quantidade de ações sobre a temática, mas sim ocorrências com o termo “medicamento” na pesquisa. Uma mesma ação pode ter mais de uma ocorrência, caso esta tenha mais de uma decisão monocrática ou acórdão com o termo pesquisado.

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Utilizamos os termos: remédio; droga; insumos; doença; SUS, Sistema Único de Saúde. Apesar de termos observado a prevalência do termo nos julgamentos de fornecimento de medicamentos no SUS, outros temas também continuam o termo em seus julgamentos, principalmente em questões de direito de família e trabalhista.

Em decorrência do excessivo número da pesquisa, selecionamos 25 (vinte e cinco) ocorrências para efetuar a análise qualitativa dos julgados, distribuídas proporcionalmente ao observado anualmente no levantamento geral48.

Para a análise qualitativa dos resultados, elaboramos um questionário para determinamos um padrão analítico de busca no conteúdo dos julgamentos e de padrão temporal. A quantidade numérica de ocorrências por câmaras não foi nossa preocupação, uma vez que, segundo o regimento interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro49, a distribuição ocorre de forma obrigatoriamente alternada, mediante sorteio computadorizado ou justificadamente em caso de impossibilidade deste.

Uma dificuldade enfrentada na pesquisa empírica foi a indisponibilidade de todos os atos processuais quando o processo estava arquivado temporariamente ou permanentemente. Apesar do acórdão ou decisão monocrática permanecer no sistema eletrônico, a publicação eletrônica da sentença, das decisões interlocutórias e dos despachos não permanece disponível. Desta forma, principalmente nos processos posteriores a 2008, o conteúdo cognitivo da primeira instância foi analisado, quando possível, a partir dos relatórios das decisões monocráticas, acórdãos e recursos aos tribunais superiores.

Os pedidos de tutela antecipada e gratuidade de justiça são recorrentes nas ações pesquisadas. Isso se dá pela própria natureza do direito a ser tutelado, uma vez que comprovada a necessidade do pólo ativo ( fumus boni iuris ), o receio de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), quando se trata de medicamentos e insumos, é de prova mais simples. Considerando que, de uma forma geral, o ingresso de uma ação judicial não é a primeira opção do cidadão médio50,

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A respeito de seleção aleatória e sua aplicação em análise estatísticas ver Bolfarine, Heleno e Bussab, Wilton de Oliveira “Elementos de Amostragem”. SP: Editora: Edgar Blucher, 2005.

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Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, atualizado em 01/02/2011. Disponível em http://www.tjrj.jus.br/consultas/codrj_regimento_tjrj/regitjrj.pdf. Último acesso em 20/07/2011.

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Em sentido contrário, encontra-se Ramiro Nóbrega Sant’Ana que defende em sua dissertação que no Distrito Federal “o altíssimo sucesso que estas demandas obtiveram no decorrer dos anos, provou, além do efeito multiplicador, uma fuga dos procedimentos administrativos do SUS. Muitos usuários do sistema público deixaram de percorrer os procedimentos administrativos ordinários para a obtenção de medicamentos e buscaram diretamente a tutela judicial” IN SANT’ANA, Ramiro Nóbrega op. cit. pág. 101. Entendemos que o judiciário não deve e não pode ser afastado no que se refere a sua apreciação de lesões do direito e que a prova de que não houve ameaça ou lesão cabe ao Ente público.

quando ocorre a postulação o direito a ser tutelado já está esgarçado, seja por irregularidade na prestação pelo serviço público, seja pela negativa de sua prestação ou até mesmo o agravamento da doença.

Ainda que existentes, os advogados particulares pouco patrocinaram esses tipos de ações. De certo que a Defensoria Pública (DP) é a maior responsável por esta prestação jurisdicional. Desta forma, em meio transverso, a hipossuficiência do pólo ativo compõe um dos fundamentos para o deferimento do pleito. Os entes federativos teriam por obrigação constitucional garantir o direito à saúde, sendo que em alguns julgados o fato gerador dessa obrigação seria a incapacidade do autor postulante de custear o próprio tratamento.

Apesar de ser direito de todos e dever do Estado, entende-se que somente os hipossuficientes seriam os tutelados por essa garantia. O assento constitucional que assegura assistência jurídica integral e gratuita àqueles que não tiverem condições de arcar, artigo que recepcionou a lei 1.060 de 1950, dá suporte à concessão de fornecimentos de medicamentos e insumos ao litigante.

Do universo pesquisado, aproximadamente 70% dos processos tiveram a solicitação de gratuidade deferida, enquanto que os demais não estão mais com as decisões interlocutórias disponíveis eletronicamente. Apesar do expressivo percentual e com base no art. 7, IV da lei 8.080 de 1990, um dos princípios que norteiam o SUS é o da “igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie51”, agasalha-se também os litigantes com possibilidade de arcar com um processo judicial, mas não com um tratamento prolongado e dependente de medicamentos dispendiosos.

Por assemelhado motivo e muitas vezes rebatendo matéria de defesa, faz-se presente a citação de que a prescrição médica do remédio foi realizada por médico conveniado do SUS. Entretanto, ser o medicamento receitado por médico particular não é sinônimo de indeferimento do pedido. Conforme podemos observar no voto do desembargador relator José de Samuel Marques da 13º Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em um recurso:

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Apesar de que esse artigo nunca ter sido citado em nenhum acórdão ou decisão monocrática analisado. Porém, estendemos como sendo o “espírito” da lei do SUS.

“Não se pode também obrigar à AUTORA que se submeta ao tratamento junto à rede pública para fazer jus ao fornecimento gratuito dos medicamentos, e isto porque a Constituição, em seu art. 196, não faz qualquer ressalva ao direito à saúde daqueles que não se utilizam do SUS”. (TJRJ – AP nº 2006 001 38396 – 13º Câmara Civil – Relator Des. José Samuel Marques, 18/10/2006. Grifo do original).

Em contrapartida, decisões recentes do Tribunal Justiça do Rio de Janeiro, após a criação do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde, têm condicionado o fornecimento de medicamentos a uma avaliação de médico conveniado do SUS, principalmente quando este for de alto custo.

“Desta maneira e em se considerando que a agravada vem sendo acompanhada não por médico do Estado ou ostentando receituário do SUS, senão da Fundação Municipal de Saúde do Município de Niterói, condiciona-se o comando judicial ao Estado a estes dois pressupostos, a saber, (a) a apresentação da interessada ao órgão do SUS competente para avaliação e (b) o esgotamento do tratamento acima indicado ou, alternativamente, a apresentação de informação, medicamente válida e ao SUS, de que o mesmo já foi tentado e quais foram os resultados obtidos”. (TJRJ - Agravo de Instrumento no. 0050801-66.2010.8.19.0000 - 6a Câmara Cível - Relator: Desembargador Pedro Raguenet, 16/12/2010).

Nesse sentido e apesar de garantir a possibilidade do medicamento ser receitado por médico particular, seria o órgão do SUS o responsável por referendar e avaliar a prescrição pleiteada. Da mesma forma que, uma vez atendidos esses requisitos, seria o Estado obrigado ao fornecimento do remédio, independentemente do alto custo. Ao mesmo tempo, a possibilidade dos autos serem instruídos com receituário de médico particular é referendado pela precária situação do sistema público de saúde e como uma forma de desonerá-lo.

Luiz Carlos Romero, em estudo desenvolvido para a Consultoria Legislativa do Senado Federal denominado “Judicialização das políticas de assistência farmacêutica: o caso do Distrito Federal”, pontua, após apresentar um estudo de O’Harrow e Angell, em relação ao crescimento de ações judiciais:

“São relatadas, entre outras, a atuação inescrupulosa de pessoas, representantes de laboratórios farmacêuticos e advogados, que se consorciam para criar mercados para seus produtos ou simplesmente apropriar-se de recursos públicos. O patrocínio de grupos de defesa de pacientes por grandes corporações farmacêuticas – sob o disfarce da constituição de redes de apoio e de programas de informação e educação – tem sido objeto de denúncia no exterior. (O’HARROW, 200; ANGELL, 2007).

Em nosso meio, os resultados de um estudo, realizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde em dezembro de 2003, dos fatores causadores de demandas judiciais para fornecimento de medicamentos excepcionais nas secretarias estaduais de saúde que evidenciou que, respectivamente em 55,6% e 14,8% dos casos, o medicamento envolvido ou não estava em consonância com os protocolos clínico-terapêuticos vigentes ou não estavam disponíveis no mercado nacional (CONASS, 2004, b) podem ser um indicativo da ocorrência desse fato também no Brasil”52.

Segundo Luiz Carlos Romero, além da possibilidade de ingerência de interesses privados nas ações para fornecimento de medicamentos, um grande problema constatado era o alto impacto das sentenças e decisões no erário dos entes federativos, apesar de não existir um controle da verba gasta com o cumprimento destes. Como afirma o autor em sua conclusão, “é possível verificar que as conseqüências econômicas e distributivas das decisões em ações de medicamentos não são preocupação do TJDF que sempre entendeu que esses argumentos não são aceitáveis quando se trata de direito constitucional à saúde”53.

A condenação ao fornecimento de remédios futuros que viessem a ser necessários figurou em diversas sentenças, sem com isso ser considerada como extra petita ou condenação incerta ou genérica. Em sede de 2ª instância e como forma de controle dessa contraprestação judicial, os desembargadores têm indicado a necessidade de apresentação periódica de receituário para a obtenção do medicamento. Apesar de ser um possível ganho para o planejamento do ente federativo, ainda não há uniformidade nesse entendimento.

Outra matéria de defesa freqüentemente suscitada pelos entes federativos é a tentativa de limitação à concessão dos medicamentos à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). Pleito este não acatado pelo Tribunal e rebatido com o argumento de que a listagem é exemplificativa e que o ente público não pode limitar a sua prestação constitucional com base em uma relação de medicamentos produzida pelo poder público, além de que esta limitação seria contrária a assistência farmacêutica integral prevista na lei do SUS. À luz desse argumento, todo e qualquer medicamento poderia ser deferido em sede de jurisdicional. Ainda que conste

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ROMERO, Op. cit. pág. 11. 53

timidamente nas decisões, os magistrados caminham para o entendimento de que o medicamento solicitado na inicial pode ser substituído por outro similar.

No que se refere ao patrocínio da Defensoria Pública nas ações para fornecimento de medicamentos, consagrou-se que o município sucumbente deveria custas à DP. O mesmo não ocorre com o Estado, uma vez que esta é integrante da sua administração pública direta e, portanto, confunde-se com sua estrutura e orçamento. Ainda que o Estado tenha sido condenado ao pagamento de sucumbência em primeira instância em alguns casos, esta não era confirmada em 2ª instância.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro com o intuito de uniformização da jurisprudência predominante, editou a súmula nº 65 a respeito da responsabilidade solidária dos entes federativos no que concerne à saúde:

“Deriva-se dos mandamentos dos artigos 6. e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei n. 6.080/90, a responsabilidade solidaria da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito a saúde e consequente antecipação da respectiva tutela”(Súmula nº65, publicada DORJ-III, S-I 180 (6) – 23/09/2003).

A referida súmula é citada em todos os julgados quando se alega ilegitimidade passiva de uma das partes ou o chamamento do processo de outro ente federativo. O tribunal entende que os entes públicos são solidários por força constitucional e por artigo da lei de criação do SUS. Caberia ao ente sucumbente reivindicar o respectivo repasse de verbas, conforme a divisão de complexidade da obrigação.

Sob o argumento do princípio de separação dos poderes, os patronos dos Entes federativos buscam uma limitação às sentenças no que se refere ao fornecimento de medicamentos e às políticas públicas na área de saúde. O judiciário estaria ingressando em área reservada ao executivo e ao legislativo, sendo que o primeiro estaria sendo usurpado de seu poder diretivo de forma mais veemente.

Maurício Caldas Lopes sintetiza os três principais argumentos dos entes federativos para a não prestação dos direitos sociais, previstos constitucionalmente:

“E é nesse plano, o da suficiência das providências que prioritariamente lhe incumbiria fazer atuar, sindicável a partir da respectiva eficiência no enfrentamento dos males que diferenciadamente acometem as pessoas, que toda a controvérsia se põe, na medida em que o Poder Público, sistematicamente, se recusa ao custeio do tratamento ou ao fornecimento do medicamento reclamado, sempre sob os mesmos e repisados argumentos: separação

de poderes, inexistência ou escassez de recursos, ou, ainda, ausência de previsão em seus regulamentos, do tratamento ou fármaco reivindicado.”54

Todos os acórdãos analisados versam sobre pelo menos um deses pilares de defesa. Seja pelo princípio da reserva do possível, princípio da separação dos poderes ou até mesmo princípio do processo licitatório, todos são postos frente ao princípio da dignidade humana e ao direito à saúde. Por serem princípios constitucionais, os magistrados exercem a ponderação entre estes, sem os anularem.

Como bem coloca José Reinaldo de Lima em seu estudo a respeito dos direitos sociais e a interpretação das leis pelos magistrados para sua efetivação:

“Saber o que exatamente diz a regra do direito constitucional, em cada caso, é uma tarefa ao mesmo tempo de aplicação da regra já existente (a constituição) e de formulação de uma nova regra, pois, em caso de dúvida, a interpretação equivale à criação da regra.”55

O poder judiciário tem como garantia constitucional a responsabilidade e o dever de julgar. Entretanto, a não ser pelo deferimento da tutela judicial para o fornecimento de medicamentos, não há uma padronização efetiva das decisões. Tanto o medicamento pode ter sido obrigatoriamente receitado por médico integrante do SUS, como pode ainda não ter sua venda autorizada pela ANVISA. Ainda que o Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde esteja dando um suporte aos julgadores, ele é um núcleo consultivo e não vincula à decisões dos magistrados. Observa-se uma crescente demanda pela prestação individual dessa tutela e, consequentemente, um crescente envolvimento da estrutura do Estado nessa prestação, ultrapassando, inclusive, o judiciário.

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Lopes. Maurício Caldas. op. Cit. p. 48.

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LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2006, pág. 134.

4. CONCLUSÃO:

A tutela jurisdicional dos direitos sociais tem, ao longo da década de 90, sido paulatinamente concretizada nos tribunais brasileiros. A sensação de proteção desses direitos por parte do judiciário retroalimenta a crescente demanda social por esta tutela.

Porém, existem alguns aspectos que devem ser considerados quando se trata da judicialização da saúde no Brasil. A estrutura do Sistema Único de Saúde, regional e hierarquizada, envolve uma complexidade administrativa entre os entes federativos. Todos são responsáveis pela prestação do direito à vida, porém de forma sistematizada e dividida em níveis de complexidade.

Como visto, o governo federal e os governos estaduais possuem programas de atendimento farmacológico, porém são os municípios os responsáveis pela maior capilarização do sistema. Seja pelo repasse de verba ou pela estrutura física e humana despendida, o SUS cada vez mais demanda uma melhor gestão à administração pública. Especificamente no que se refere à distribuição de medicamentos, a percepção dos entrevistados classificou como “bom / muito bom” em mais de 70% no Sistema de Indicadores de Percepção Social do IPEA. Desta forma, é possível perceber um reconhecimento de alguns aspectos do sistema público de saúde, principalmente no que se refere à fuga do senso comum de que o sistema público de saúde é completamente ruim.

A intervenção do judiciário nas ações para o fornecimento de medicamentos ocasiona problemas múltiplos, apesar de justificável em alguns casos concretos. A definição de critérios para o deferimento do pleito e o auxílio do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde têm possibilitado uma melhoria na prestação jurisdicional no Rio de Janeiro, porém o quadro ainda está longe de ser o ideal.

A administração pública da saúde assim como as políticas públicas, quando submetidos à judicialização excessiva perdem seu caráter universal de atendimento para a lide julgada. É de conhecimento de todos que os recursos orçamentários são limitados e que os poderes executivo e legislativo são os escolhidos democraticamente para sua gestão.

Em contraposição ao entendimento sumulado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro nº65, a solidariedade dos entes federativos não pode representar uma superposição de funções, uma vez que isso representaria mais custos à máquina estatal e uma ineficiência de gestão. Considerando que os remédios essenciais ficam a cargo dos municípios, obrigar a União ou o Estado ao seu fornecimento, inevitavelmente, acarretaria onerosidade excessiva e desperdício financeiro.

Seria possível, em um mesmo caso fático de doença, haver um indivíduo tutelado pelo judiciário e outro limitado em seu direito de recebimento de medicamentos pelo deferimento ao primeiro. Ou seja, há casos de cidadãos que deixam de receber medicamentos que já recebiam regularmente, para que o ente federativo possa atender à determinação judicial pelo seu caráter coercitivo. Deveria então esse segundo cidadão ingressar em juízo para garantir um direito que já lhe era assistido? Não seria uma distorção da finalidade tutelada? Teria o judiciário capacidade de avaliação do quadro geral do fornecimento de medicamentos?

Não se defende com isso uma ilegitimidade do judiciário no julgamento de lides, mas sim que este, ao proferir sentenças e acórdãos, faça de modo a garantir uma menor interferência nos demais poderes republicanos. Cabe também ao ente público uma maior organização e melhoria na gestão do sistema público de saúde, para que não cheguem às portas do judiciário questões que poderiam ter sido resolvidas com o regular funcionamento da estrutura pública.

Diversos são os males de saúde e outros tantos os tratamentos56. A discussão não é entre o mínimo existencial, pois este é a base da dignidade humana, mas sim a respeito

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Um caso emblemático de política pública de saúde foi a promulgação da lei 9.313 de 1996, que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. A esse tempo, grande parte das ações judiciais para o fornecimento de medicamentos versavam sobre fornecimento de coquetéis para soro-positivos. A AIDS já era uma realidade alarmante no mundo e também no Brasil, quando por uma política pública de saúde do poder Executivo e do poder Legislativo, optou-se pelo fornecimento gratuito de medicamentos que possibilitariam uma melhor qualidade de vida aos portadores da doença, já que a cura até hoje ainda não foi descoberta. A referida lei abrange a completude do tratamento e obriga a revisão constantes da padronização de terapias adotadas pelo poder público. A indústria farmacêutica, que investe constantemente no aprimoramento de remédios e resultados, evidentemente repassa esse custo ao consumidor final e, em alguns casos, torna a terapia excessivamente onerosa. Por ser uma política pública de saúde e por ser bem gerida pelo Departamento de

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