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JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: UMA REVISÃO TEÓRICA

3. APROFUNDAMENTOS ACERCA DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E UM ESTUDO DO CASO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NOS TRIBUNAIS

3.1. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: UMA REVISÃO TEÓRICA

Os tribunais brasileiros têm merecido crescente atenção daqueles que estudam os fenômenos sociais. É notório que em um Estado Democrático de Direito tanto o Estado quanto o indivíduo estejam submetidos à possibilidade de controle judicial. Diversos trabalhos acadêmicos têm se preocupado com a temática da judicialização da saúde e, mais especificamente, do acesso à assistência farmacêutica, estando, porém, longe de esgotar a análise do tema.

Segundo Débora Alves Maciela e Andrei Koerner34, a expressão “judicialização” passou a compor o léxico das ciências políticas na metade da década de 90, formulada em linhas de análise pelo projeto de Tate e Vallinder. Este trabalho aborda a judicialização política em uma dimensão essencialmente ativista, lendo-o como método típico da decisão judicial na resolução de questões e demandas políticas. A ideia de judicialização envolveria tanto o precedimento (uso do formato judicial nas outras esferas de poder, como as Comissões Parlamentares de Inquérito ou os juízes administrativos), como o envolvimento do judiciário em decisões afirmativas. Ariosto Teixeira (1997) e Marcus Faro de Castro (1997) forma os primeiros a utilizar o termo no Brasil em suas análises de ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. O professor Luis Roberto Barroso35 entende a “judicialização” como sendo a transferência de poder para os juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, argumentação e na forma de participação da sociedade. Desta forma, o uso do meio jurídico exerceria um papel decisivo na democratização da sociedade. Já Rogério Arantes36 utiliza a idéia de judicialização da política como sinônimo do

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TATE, C. Neal e VALLINDER, Torbjorn. 1995. The Global Expansion of Judicial Power. New York University Press, 1995 apud MACIELA, Débora Alves e KOERNER, Andrei. “Sentidos da judicialização da política: duas análises”. LUA NOVA Nº 57— 2002, Pág. 113 – 134.

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BARROSO, Luís Eduardo. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista eletrônica de Direito do Estado. n.18, abr./mai/jun./2009 Disponível em:

http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-18-ABRIL-2009-LUIS%20BARROSO.pdf. Acesso em: 11 março 2011.

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ARANTES, Rogério Bastos. Ministério Público e política no Brasil. São Paulo. Editora Sumaré, 2002.

ativismo do Ministério Público e suas conseqüências negativas para a integridade dos três poderes e da instituição do Ministério Público.

Para Luiz Werneck Viana a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais foi o responsável pela democratização do acesso à justiça no Brasil passando a ser “responsáveis pela exposição do Poder Judiciário, sem qualquer tipo de mediação social ou política, às expectativas por direito e cidadania de setores socialmente emergentes.37” O uso a ser feito do termo, neste trabalho, acompanha o entendimento do professor Luis Roberto Barroso, uma vez que “judicialização da saúde” pressupõe um uso institucional da justiça como forma de garantir um direito constitucional. A “judicialização” da saúde tem sido recorrentemente utilizada em litígios individuais e coletivos para maior acesso à assistência farmacêutica do sistema público de saúde. Direito líquido e certo de atendimento público de qualidade na saúde e acesso aos mais diversos medicamentos são reconhecidos diariamente nos tribunais da cidade, porém nem sempre com a celeridade e tutela necessárias.

Danielle da Costa Leite Borges trabalha em sua dissertação com as ações individuais para o fornecimento de medicamento propostas por usuários do SUS contra o Estado do Rio de Janeiro em 2005 e com a intervenção do judiciário nas políticas públicas. Para a autora, as “decisões judiciais indicam um novo formato de judicialização, no qual o Poder Judiciário se substitui ao Executivo na escolha de fornecer este ou aquele medicamento, neste caso sob o fundamento de assegurar a efetivação do direito à saúde, previsto constitucionalmente38”. A substituição do Executivo pelo Judiciário afronta outro princípio constitucional, que é a separação dos poderes.

As consequências para o orçamento da saúde por decisões judiciais também são observadas por Danielle da Costa Leite Borges, entretanto sem aprofundar as vedações expressas existentes nos incisos do art. 167 da Constituição Federal. A autora questiona também o limite da obrigação do Estado no atendimento às solicitações de medicamentos, uma vez que o Ministério da Saúde estabelece um critério no

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VIANNA, Luiz Jorge Werneck et al. “A judicialização da política e das relações sociais no Brasil”. Rio de Janeiro: Revan, 1999, pág.155.

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BORGES, Danielle. “Uma análise das ações judiciais para o fornecimento de medicamentos no âmbito do SUS: o caso do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2005”. RJ: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/FIOCRUZ, dissertação, 2007, pág. 12.

fornecimento de medicamentos. Aprofundando a questão, Danielle Borges aborda o princípio da reserva do possível e o conceito do mínimo existencial para balizar o exigível ao Estado quanto aos direitos sociais. Tecendo críticas no que se refere à forma como o judiciário tem deferido as demandas individuais, sem respaldo técnico ou previsão orçamentária, a autora destaca o papel do judiciário como “instrumento da cidadania”, possuindo legitimidade para intervir no Executivo e na máquina pública administrativa, mesmo apontando para possíveis extrapolações de competência por parte deste.

Ramiro Nóbrega Sant’ana em sua dissertação sobre a saúde aos cuidados do judiciário no Distrito Federal não aprofunda a análise do conceito de judicialização da política, restringindo sua definição sendo “a tendência de direcionamento ao judiciário de demandas por implementação e controle das políticas do Estado39”. Criticando a dualidade entre sistema público e privado de saúde e a valorização do segundo em detrimento do primeiro, o autor deixa transparecer seu posicionamento em relação às práticas que denomina de “privatizantes” da saúde. Ramiro Sant'ana observa que as decisões do TJDFT possuem uma postura “estatizante.40

Carolina Alves Vestena41 em sua dissertação de mestrado estudou os impactos das audiências públicas no Supremo Tribunal Federal realizadas até 2010. Dentre as cinco audiências públicas realizadas desde a promulgação das leis 9.868 e 9.882 de 1999, o STF realizou audiência específica em matéria de Sistema Único de Saúde, objetivando esclarecer quesitos42 técnicos, administrativos, políticos, econômicos e jurídicos.

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SANT'ANA, Ramiro Nóbrega. Op. cit, pág. 09.

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Expressão utilizada por NOGUEIRA (2008) e se refere à atribuição para o Estado da responsabilidade de oferecer um número crescente de serviços de saúde apud SANT'ANA, Ramiro Nóbrega. Op. Cit. pág 11

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VESTENA, Carolina Alves. “Participação ou formalismo? O impacto das audiências publicas no Supremo Federal Brasileiro”. Rio de Janeiro: FGV, 2010, dissertação.

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Os quesitos definidos 1) Responsabilidade dos entes da federação em matéria de direito à saúde; 2) Obrigação do Estado de fornecer prestação de saúde prescrita por médico não pertencente ao quadro do SUS ou sem que o pedido tenha sido feito previamente à Administração Pública; 3) Obrigação do Estado de custear prestações de saúde não abrangidas pelas políticas públicas existentes; 4) Obrigação do Estado de disponibilizar medicamentos ou tratamentos experimentais não registrados na ANVISA ou não aconselhados pelos Protocolos Clínicos do SUS; 5) Obrigação do Estado de fornecer medicamento não licitado e não previsto nas listas do SUS; e 6) Fraudes ao Sistema Único de Saúde.

Segundo Vestena, a audiência a respeito do SUS dispôs os participantes em lados opostos, exercendo o contraditório, sem grande participação dos ministros e com utilização dos pronunciamentos para reforçar pontos previamente defendidos:

“A audiência transformou-se em um grande evento de pronunciamentos de caráter científico, jurídico e político a respeito do tema conduzidos na forma de palestras, sem referência específica aos processos que motivaram sua convocação. Sendo assim, o fato de o único parâmetro para seleção ser a inquestionável autoridade e experiência sobre o tema em questão significa, em última instância, a inexistência de critérios para a seleção dos participantes, ainda que se tenha estabelecido um procedimento para tanto. Dessa forma, as audiências foram organizadas sem padrão algum em relação às características determinantes para a seleção.

Outro ponto relevante que demonstra a falta de critérios para a realização das audiências é a própria abertura da norma que confere tal prerrogativa aos ministros. Os parâmetros “necessidade de esclarecimentos” e “notória insuficiência das informações existentes nos autos” conferem ao relator a discricionariedade total para decidir sobre a pertinência da chamada da audiência, sem que tenha de justificar suas razões43”.

A utilização das audiências públicas no STF não atenderia a função proposta, uma vez que não há ampla participação, os critérios de seleção dos agentes habilitados a oferecer esclarecimentos são obscuros e há, geralmente, a perpetuação do discurso de elite nos temas propostos. A estrutura de apresentação de argumentos postos de formas antagônicas / dicotômicas também corrobora com o empobrecimento das audiências públicas.

Dessa forma, ainda que o egrégio tribunal tenha proposto a realização de uma audiência pública para aprofundar a discussão a respeito do acesso à saúde e da obrigação do Estado dessa assistência, perpetuou-se naquele contexto a limitação da análise do tema e a permanência das opiniões dos ministros. A audiência pública estimulou a criação do Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde instituído, em 03 agosto de 2010, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)44. Os principais objetivo desse Fórum são: a elaboração de estudos, a proposição de medidas e normas para o aperfeiçoamento de procedimentos e a prevenção de novos conflitos judiciais na área da saúde.

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VESTENA, Carolina Alves. Op. Cit. pág. 85.

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Conselho Nacional de Justiça, resolução nº 107 de 06 de abril de 2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_107.pdf. Acesso em: 18 de julho de 2011.

É certo que a temática da saúde pública e de sua assistência pelo Estado nunca esteve tão em voga no judiciário como na última década. Audiências públicas, criação de Fórum permanente sobre o tema no Conselho Nacional de Justiça e recomendação de secretarias técnicas de apoio aos magistrados dão o tom dessa nova postura do judiciário e do reflexo que as ações propostas tem ocasionado.

Para o presente trabalho, resta saber qual o papel que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) está desempenhando no atendimento à saúde da população do Rio de Janeiro e se este está limitante às soluções paliativas ou temporárias? Uma possível resposta a essas questões poderá ocorrer através do estudo dos acórdãos do referido tribunal a respeito da assistência farmacêutica.

Além dos acórdãos, o TJ-RJ possui em seu endereço eletrônico um link denominado “banco de conhecimento”, que, além de outras opções, disponibiliza a “correlação dos verbetes sumulares do TJERJ – STJ – STF e dos enunciados do PJERJ”, com indicação de atualização e separados por tema para “facilitar a realização das atividades jurídico-administrativas da Instituição45”.

Sob a nomenclatura classificativa de “direito à saúde” e atualizado em 25/11/2010, o documento seleciona sobre o tema: súmula nº65 do TJ que trata da responsabilidade solidária dos entes federados como garantia do direito à saúde e à tutela antecipada; súmula nº115 do TJ que trata da economia e celeridade processual, uma vez que a solidariedade dos entes federados não implica no chamamento ao processo; súmula nº116 do TJ que trata que a substituição do medicamento pedido e o concedido pelo ente federativo não fere o princípio da correlação, desde que relativa à mesma moléstia; Enunciado – aviso TJ nº 94 que trata de diversos temas a respeito do direito à saúde, destacando a possibilidade de apreensão e entrega de recursos públicos do ente devedor suficientes para aquisição do medicamento ao necessitado, com posterior prestação de contas e em caso de ineficácia de outro meio coercitivo, assim como a previsão de fornecimento de medicamentos não padronizados na listagem do SUS, mas reconhecidos pela ANVISA e receitados por médico não afronta o princípio da reserva do possível; Enunciado – aviso TJ nº 67, que informa que não estão sujeitos ao duplo grau de jurisdição as ações que versem sobre fornecimento de medicamentos;

Enunciado – aviso TJ nº 51, que ordena as providências em caso de descumprimento de ordem judicial de entrega de medicamentos.

A seleção de enunciados e súmulas buscam uma forma de uniformização no entendimento a respeito do tema, inclusive quanto à aplicação de princípios constitucionais. Além de questões principiológicas, os magistrados são obrigados a decidir sobre questões técnicas, que muitas vezes, não possuem domínio, assim como basilar formas discricionárias de cumprimento de liminares e decisões definitivas.

Nota-se um entendimento de caráter “legislativo” quando o enunciado do Tribunal afasta o duplo grau de jurisdição para as ações que versem sobre fornecimento de medicamentos. Dessa forma, ainda que uma grande quantidade de ações chegue aos tribunais para julgamento, é possível que em alguns casos o ente público sucumbente deixe de oferecer recurso contra decisões que os obrigam ao fornecimento de medicamentos.

O duplo grau obrigatório de jurisdição, previsto no art. 475 do Código de Processo Civil, vincula o julgador a, de ofício, remeter o processo julgado à análise do tribunal, quando a sentença é proferida contra a União, Estado, município, Distrito Federal, autarquias e fundações de direito público. Esse instituto tem como finalidade a proteção ao interesse público, uma vez que caberia ao colegiado a avaliação de sentenças desfavoráveis ao erário. Vale destacar que o reexame necessário só é aplicado às condenações superiores a 60 (sessenta) salários mínimos ou quando a sentença não estiver fundada em jurisprudência ou súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal superior competente.

A Fazenda Pública possui garantias processuais que visam proteger o interesse coletivo e, portanto, o enunciado do Tribunal que afasta o duplo grau obrigatório estaria em desacordo com a legislação vigente, uma vez que este só pode ocorrer nos casos previstos no referido artigo46. Entretanto, como grande parte dos processos referentes ao fornecimento de medicamentos está abaixo do limite de 60 (sessenta) salários mínimos, a celeridade processual é garantida, assim como a finalidade desse tipo de ação.

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Disponível em http://www.tjrj.jus.br/consultas/banco_conhecimento/banco_conhecimento.jsp. Acesso em 19 de julho de 2011.

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Para uma melhor análise das garantias processuais da Fazenda Pública e do reexame necessário ver: Welsch, Gisele Mazzoni. “O Reexame Necessário e a Efetividade da Tutela Jurisdicional”. Livraria do advogado:, 2010.

3.2. ESTUDO DE CASO: ACÓRDÃOS, DECISÕES MONOCRÁTICAS,

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