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Estudo de Precisão da Técnica Forense do Perfil Criminal Objetivo

Dadas as implicações teóricas e empíricas dos aspetos relacionados com a validade na elaboração dos perfis criminais, foi desenvolvido um estudo de precisão do Questionário para Investigação do Agressor Violento – Versão para o Crime de Homicídio (QIPAV-H; ISPJCC, 2006), com o objetivo de testar a fiabilidade do mesmo, já que alguns estudos referem algumas limitações relativamente à aplicação da técnica dos perfis criminais, principalmente em crimes (e.g. crimes violentos sem motivação aparente e crimes em série) que não constituem o contexto usual da aplicabilidade da técnica (e.g. Holmes, & Holmes, 1996). Dado que a presente tese de dissertação é pioneira na elaboração de perfis criminais do crime de femicídio em Portugal, é importante reforçar a precisão do questionário. Para além disso, tal como verificado nos estudos mencionados no capítulo teórico anterior (e.g. Kocsis, 2003a; Kocsis, 2004), a elaboração de perfis criminais deve ser efetuada por psicólogos com conhecimentos científicos sobre o comportamento criminal e competências ao nível dos processos de pensamento lógico e objetivo. Espera-se que seja possível validar o questionário a partir do teste da sua precisão. Em seguida, será apresentado o estudo de precisão da técnica forense dos perfis criminais.

Método Amostra

Com o objetivo de operacionalizar o primeiro objetivo da presente investigação, foram estudados 25 casos de femicídio investigados pela Secção de Homicídios da Polícia Judiciária da Diretoria do Centro (Coimbra – 56%), da Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo (24%) e da Diretoria do Norte (Porto – 20%).

Instrumento

A recolha dos dados efetuou-se a partir do preenchimento do Questionário para Investigação do Agressor Violento – Versão para o Crime de Homicídio (QIPAV-H; ISPJCC, 2006). Este questionário é uma grelha de informação sistematizada que foi originalmente construída pela Unidade de Ciências Comportamentais do FBI para a construção do perfil de homicidas e violadores em série. Garrido (2007) adequou-o à realidade criminal espanhola, sendo que, posteriormente, o Gabinete de Psicologia e Seleção do Instituto Superior da Policia Judiciária e Ciências Criminais (presentemente com a designação de Escola de Polícia Judiciária) adotou a sua utilização no âmbito do Projeto “Construção de uma Base de Dados

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para a Elaboração de Perfis Criminais – Estudo Piloto para o Crime de Homicídio”, a partir do estudo piloto sobre homicidas no contexto das relações íntimas (Almeida & Soeiro, 2006). O referido questionário é constituído por três partes distintas (Tabela 2). A primeira parte detalha informação sobre o momento em que se descobre o ato criminoso, i.e. cena do crime (e.g. tipo de homicídio, hora do ato delituoso, dia da semana, local do delito, local onde foi encontrada a vítima, posição do corpo da vítima, tipo de lesões que a vítima apresenta, zona das lesões tipo de arma utilizada, motivação do crime, premeditação, outros participantes). A segunda parte refere-se aos dados da vítima (e.g. história de vida, idade, profissão, relação entre a vítima e o agressor, processo de separação, história de violência conjugal, filhos de relacionamentos anteriores, ameaças de morte). A última e terceira parte refere-se aos dados a recolher no interrogatório policial ao presumível agressor (e.g. idade, profissão, antecedentes criminais, tipo de antecedentes criminais, abuso de substâncias, antecedentes psiquiátricos e tipo de diagnóstico, negação do ato criminal).

Tabela 2

Dados recolhidos a partir do Questionário para Investigação do Agressor Violento – Versão para o Crime de Homicídio (QIPAV-H; ISPJCC, 2006)

Variáveis Parte I.

Comportamento Criminal

1. Atos delituosos (e.g. tentativa ou efetiva perpetração de homicídio, suicídio, violação, abuso sexual)

2. Tempo de duração da agressão 3. Hora

4. Dia da semana

5. Hora em que a vítima foi encontrada

6. Hora desde a ocorrência até a vítima ser encontrada 7. Crime ritualizado

8. Posição do corpo 9. Local do delito

10. Local onde foi encontrada a vítima 11. Tipo de lesões

12. Arma utilizada 13. Motivação

14. Objetos esquecidos pelo agressor 15. Premeditação

16. Comportamentos que ocorreram durante o crime 17. Comportamentos da vítima antes da agressão 18. Ocorrências antes da agressão

19. Ocorrências após a agressão 20. Defesa da vítima

57 Parte II. Dados

recolhidos sobre a vítima 1. Idade 2. Sexo 3. Profissão 4. Estado Civil 5. Raça/Etnia 6. Nacionalidade 7. Habilitações literárias

8. A vítima conhecia o agressor 9. Grau de relação vítima/agressor 10. Local de residência

11. Condições de habitabilidade 12. Forma de vida da vítima 13. Filhos

14. História de violência conjugal 15. Processo de separação

16. Ameaças ou perseguição 17. Relações sexuais forçadas Parte III. Dados

recolhidos sobre o agressor 1. Idade 2. Sexo 3. Profissão 4. Estado Civil 5. Raça/Etnia 6. Nacionalidade 7. Habilitações literárias 8. Local de residência 9. Condições de habitabilidade 10. Forma de vida 11. Antecedentes criminais 12. Antecedentes psiquiátricos 13. Consumo/abuso de substâncias 14. Roupas do agressor 15. Características do agressor 16. Infância do agressor 17. Motivação

18. Opinião do agressor em relação à vítima 19. Autor do crime

20. Confissão do crime 21. Ameaças de suicídio 22. Acesso a armas de fogo Opinião dos Investigadores

Dados a recolher em caso de violação/agressão sexual

Procedimento

O preenchimento do instrumento de medida efetuou-se em três fases distintas. Numa primeira fase, efetuou-se uma leitura do processo associado a cada caso de femicídio, com o objetivo de recolha de informação. Numa segunda fase, preencheu-se o referido instrumento de medida com base na informação disponível sobre o comportamento criminal, as

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características do agressor e da vítima. E, numa última fase, realizou-se uma entrevista com os Inspetores que tiveram a seu cargo a investigação de cada caso, com o objetivo de recolher informação que não constava do processo e que se revelava essencial para a compreensão deste tipo de crime.

Para o estudo de validação foram selecionados 25 casos de femicídio com níveis de complexidade distintos ao nível da investigação, casos em que o presumível agressor era conhecido inicialmente, casos em que o presumível agressor era inicialmente desconhecido mas que confessou passadas algumas horas e finalmente casos mais complexos, nos quais o presumível agressor era inicialmente desconhecido e que nunca confessou o crime.

Após a seleção dos casos, numa primeira fase efetuou-se uma leitura dos processos por dois avaliadores distintos (um psicólogo com experiência e um estudante de psicologia), numa segunda fase, cada avaliador preencheu o instrumento de medida e numa última fase, cada avaliador realizou uma entrevista aos Inspetores que tiveram a seu cargo a investigação de cada caso.

Resultados do Estudo de Precisão

A partir da análise dos dados verificou-se uma concordância entre os dois avaliadores de 100% relativamente ao tipo de femicídio (femicídio, femicídio seguido de suicídio, femicídio seguido de tentativa de suicídio), ao período do dia em que ocorreu o crime (manhã, tarde, noite, madrugada), ao dia da semana, ao local do delito (domicílio vítima-agressor, via pública, viatura, domicílio dos pais), ao local onde a vítima foi encontrada (domicílio vítima- agressor, via pública, viatura, domicílio dos pais), à posição do corpo (decúbito dorsal, ventral, sentada), ao tipo de lesões que a vítima apresentava (várias lesões, feridas incisas, feridas provocadas por projétil), ao tipo de arma utilizada (força física, arma branca, arma de fogo, gasolina), à premeditação ou planeamento do crime, à existência de mais participantes no cometimento do crime, à idade da vítima, à profissão da vítima, à relação entre a vítima e o agressor (cônjuge, ex-cônjuge, companheiro, ex-companheiro, namorado, amante), ao facto da vítima e o agressor se encontrarem ou não em processo de separação, à história de violência nas relações íntimas, à existência de filhos de relações anteriores, à idade do agressor e à profissão do agressor.

No que diz respeito à variável motivação (e.g. agressão/discussão, ciúme, poder/controlo, problemas de abuso de substâncias/problemas de saúde, outras motivações como vingança), verificou-se uma concordância entre os dois avaliadores de 96%. Num dos casos de maior complexidade para a investigação criminal, no qual o presumível agressor era

59 inicialmente desconhecido e que nunca confessou o crime, não houve concordância relativamente à motivação do crime (primeira parte do questionário), um dos avaliadores considerou que o motivo era o ciúme e o outro avaliador considerou que o motivo era a vingança, já que a vítima tinha um relacionamento extraconjugal.

Quanto às variáveis abuso de substâncias e antecedentes psiquiátricos (terceira parte do questionário - dados do agressor), um dos avaliadores teve alguma dificuldade em perceber se o presumível agressor estava sob o efeito de substâncias aquando do ato delituoso e se tinha ou não antecedentes psiquiátricos, optando por omitir essa informação no preenchimento do questionário.

Analisando detalhadamente as três partes que constituem a grelha de recolha de informação (Tabela 3), verificou-se uma concordância de 96% para a primeira parte do questionário, 100% para a segunda parte e 96% para a terceira parte.

Tabela 3

Percentagem de concordância interavaliadores

Concordância

Parte I. Comportamento Criminal 96%

Parte II. Dados recolhidos sobre a vítima 100%

Parte III. Dados recolhidos sobre o agressor 96%

A partir da análise destes casos verifica-se uma concordância interavaliadores de 94.4%, que nos permitiu validar o instrumento através do teste da sua precisão.

Discussão dos Resultados do Estudo de Precisão

O presente estudo não pretende ser um estudo de validade da técnica dos perfis criminais, mas sim um estudo de precisão da grelha de recolha de informação sistematizada que foi originalmente construída pelo FBI para a construção do perfil criminal do crime de homicídio e posteriormente adaptada para a realidade espanhola (Garrido, 2007) e portuguesa (Almeida & Soeiro, 2006), a partir do estudo piloto sobre homicidas no contexto das relações íntimas.

Os dados obtidos, através da realização deste estudo de precisão, permitem-nos extrair algumas conclusões, nomeadamente que o questionário (QIPAV-H; ISPJCC, 2006) pode ser utilizado na construção e elaboração dos perfis criminais para a realidade portuguesa, quer no contexto dos homicídios resolvidos, quer no contexto mais específico do crime de femicídio, apesar destes crimes não constituírem o contexto usual da aplicabilidade da técnica (e.g.

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Holmes, & Holmes, 1996). No entanto, tal como refere Soeiro (2009) a elaboração de tipologias desenvolvidas a partir de procedimentos estatísticos, permite a aplicação da técnica dos perfis criminais ao estudo de determinados crimes mais violentos, nomeadamente o homicídio, para diferenciar grupos de agressores com motivações objetivas daqueles sem motivação aparente, permitindo, assim, uma melhor gestão da técnica face às necessidades da polícia de investigação criminal na compreensão do próprio fenómeno criminal.

Quanto a algumas competências associadas à elaboração dos perfis criminais (e.g. conhecimentos científicos sobre o comportamento criminal e capacidade para uma análise objetiva e lógica) foi possível verificar uma concordância interavaliadores que permite concluir que os perfis devem ser elaborados por psicólogos com este tipo de competências (e.g. Kocsis, 2003a; Kocsis, 2004). Para além disso, foi possível demonstrar a precisão do instrumento na sua globalidade, permitindo assim a elaboração de perfis criminais para o crime de femicídio.

O Questionário para Investigação do Agressor Violento – Versão para o Crime de Homicídio (QIPAV-H; ISPJCC, 2006) apresenta a capacidade de recolher informação relevante para a construção e elaboração de perfis criminais. Assim, através da recolha de informação das variáveis do comportamento criminal (e.g. motivação, tipo de arma utilizada, relação entre a vítima e o agressor, premeditação, características da cena do crime), dos dados recolhidos sobre a vítima (e.g. filhos de relacionamentos anteriores) e dos dados recolhidos sobre o agressor (e.g. história criminal, abuso de substâncias) é possível analisar quais são as mais relevantes e com maior capacidade preditiva para a definição dos perfis criminais. Só assim se poderá proceder à inferência de características de agressores de modo a auxiliar a polícia de investigação criminal na prevenção e intervenção neste tipo de criminalidade. Ademais, este questionário pode ser utilizado como uma ferramenta de trabalho pelos próprios polícias, como um modo sistemático de recolha de informação.

Conclusão

Os perfis criminais representam um sistema no qual os comportamentos e/ou ações manifestadas num crime são avaliados e interpretados, a fim de prever as características do presumível agressor, cujo objetivo é auxiliar a investigação criminal da identificação e detenção dos agressores, principalmente em crimes violentos (Holmes & Holmes, 1996; Kocsis, 2006a,b). Como tal, o papel do profissional que desenvolve os perfis criminais torna- se fulcral, não apenas na sua conceção, mas também numa fase posterior, nomeadamente, na definição de estratégias de comunicação com o agressor que podem ser utilizadas no âmbito

61 do interrogatório. Assim, a sua aplicabilidade compreende um conjunto de valências que podem ir para além da fase da investigação criminal (Soeiro, 2009).

Através deste capítulo foi possível constatar que existem diferentes abordagens ou metodologias que caracterizam a fase científica da elaboração dos perfis criminais. A relação estabelecida entre o conhecimento da psicologia, da psiquiatria e da experiência clínica com a técnica dos perfis criminais foi concedida a partir da abordagem clínica e de diagnóstico, utilizada ainda hoje por algumas forças policiais, representa o modo mais comum e mais acessível de elaboração dos perfis criminais. Esta abordagem representa a origem histórica dos perfis e serviu de inspiração para o desenvolvimento da abordagem da cena do crime desenvolvida pelo FBI, uma metodologia criada especificamente para as necessidades do trabalho de polícia na investigação de crimes mais violentos. Esta abordagem representa o ponto de partida para o desenvolvimento desta técnica de trabalho, uma vez que apresenta uma orientação estatística e uma análise dedutiva da cena do crime. As limitações associadas a esta abordagem levaram ao desenvolvimento da psicologia investigativa que introduziu uma série de práticas de investigação comuns às ciências sociais e humanas, nomeadamente os perfis criminais concebidos a partir desta abordagem assentam em modelos teóricos da psicologia, segundo Canter, a técnica dos perfis criminais é uma disciplina específica de psicologia, cujo objetivo é estabelecer uma relação entre as caraterísticas do agressor e os aspetos que caracterizam a cena do crime. Esta abordagem, por oposição à anterior, fomentou uma linha de trabalho de natureza indutiva (Soeiro, 2009).

Posteriormente, os trabalhos desenvolvidos por Kocsis e os seus colaboradores sobre a validade da técnica dos perfis criminais, foram impulsionadores do desenvolvimento de uma outra abordagem designada de perfil da ação criminal, a partir da qual os perfis são vistos como uma técnica baseada nos conhecimentos da psicologia forense. Ao contrário de Canter que vê os perfis criminais como uma disciplina da psicologia, Kocsis vê os perfis criminais como uma técnica de investigação do domínio da psicologia forense. A partir desta perspetiva defendida por Kocsis é possível identificar um conjunto de trabalhos científicos sobre a técnica dos perfis criminais, embora esta ainda necessite de ser submetida a um complexo processo de validação, como o objetivo de definir qual a sua capacidade preditiva, tendo presente as diversas abordagens. A partir destas duas últimas abordagens é possível estabelecer uma relação entre os conhecimentos da psicologia e os processos de elaboração do perfil criminal.

O conjunto de trabalhos científicos desenvolvidos nos últimos anos tem demonstrado que existe uma dissemelhança entre a sua aplicação e a escassez de suporte científico para a

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sua utilização, no entanto, a sua aceitação por parte de muitas forças policiais, psicólogos e o público em geral está em desacordo com a ausência de evidências científicas para confirmar a sua validade (Snook, et al., 2008). Os estudos desenvolvidos no âmbito da validade da técnica dos perfis criminais têm apresentado de um modo geral algumas limitações, nomeadamente: o facto da dimensão das amostras ser reduzida; o procedimento de recolha de dados; e as incongruências nos resultados obtidos (Bennell, et al., 2006). Sendo possível identificar um conjunto de trabalhos científicos e as limitações que se encontram associadas aos mesmos, verifica-se que ainda há um longo caminho a percorrer na validação deste tipo técnica, principalmente na sua capacidade preditiva.

Tal como referido anteriormente, o estudo de precisão desenvolvido no âmbito deste capítulo não pretende ser um estudo de validação da técnica, mas tal como a própria designação indica um estudo de precisão do questionário, contudo, ao longo do desenvolvimento do mesmo, foi possível verificar a necessidade deste tipo de trabalhos na elaboração de perfis criminais na caracterização deste tipo de criminalidade violenta, uma vez que permite orientar os profissionais que lidam com esta realidade criminal no seu dia a dia.

Apesar dos resultados obtidos, estamos conscientes de que este estudo apresenta algumas limitações, nomeadamente a dimensão do número de casos ser reduzida, a morosidade deste tipo de estudos, a falta de informação detalhada nos processos da polícia (e.g. informação sobre a variável habilitações literárias raramente consta no processo), o tempo que passou desde a ocorrência do crime até ao estudo de precisão (quando já se passaram alguns anos, é difícil a recordação de determinados detalhes importantes para o preenchimento da grelha) associadas às implicações práticas no contexto profissional dos polícias de investigação criminal, i.e., o facto de estes profissionais terem de despender o seu tempo na análise do mesmo caso em dois momentos diferentes, respondendo às mesmas questões efetuadas por dois avaliadores distintos. No entanto, pensamos ter contribuído, em termos teóricos e práticos, para uma análise mais aprofundada da grelha de recolha de informação, que pode ser, futuramente, utilizada em outros estudos e em outro tipo de crimes. Para finalizar, recomenda-se que, no futuro, este questionário possa ser uma ferramenta de trabalho no dia a dia dos polícias, que eles próprios possam recolher a informação e efetuar o seu preenchimento aquando da ocorrência do crime, promovendo, assim, o desenvolvimento futuro de outros estudos de precisão, colmatando, assim, as limitações referidas

anteriormente, i.e., amostras mais representativas, menor morosidade e maior capacidade de recordação de detalhes, uma vez que o questionário pode ser preenchido no momento de ocorrência do crime.

CAPÍTULO 2

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