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O ensino da LP vem sendo objeto de análises e estudos nas últimas décadas principalmente no que diz respeito ao nível da qualidade de ensino no país, mais precisamente quanto à aprendizagem da leitura e da escrita apresentada pelos discentes, o que acaba exigindo melhorias na educação e, consequentemente, no desenvolvimento do trabalho pedagógico e na formação do docente.

Os PCN priorizam como objetivo para o ensino da LP o desenvolvimento da competência discursiva do aluno e, consequentemente, os gêneros como objeto de estudo, pois acreditam que é através da linguagem que as pessoas realizam suas atividades cotidianas. É o meio pelo qual agem e interagem com o mundo, expressam suas ideias, sentimentos, influenciam o outro, enfim, realizam constantemente atividades discursivas, exercendo e garantindo, desse modo, a sua cidadania.

No entanto, essa mudança proposta pelos PCN não se traduz em algo tão simples. Essa concepção provoca inquietações àqueles que fazem o contexto educacional, pois envolve além de disposição para novas práticas pedagógicas, formação teórica e/ou continuada para os docentes, o que implica, dentre outros fatores, interesse pessoal pela busca de aperfeiçoamento e apoio (incentivo) governamental aos que buscam melhorar sua prática, oferecendo-lhes condições de trabalho (disponibilidade), ao mesmo tempo que estimula e favorece essa busca. Tudo para que efetivamente a mudança aconteça e que as novas concepções de ensino sejam propagadas e implementadas eficazmente no contexto educacional, trazendo como consequência melhorias no nível de aprendizagem dos discentes e, por conseguinte, na educação do país.

Em síntese, há dois aspectos relevantes que envolvem essa problemática. De um lado, existem professores que, arraigados às concepções tradicionais de ensino, insistem em lançar mão das unidades mínimas da língua como objeto de estudo nas aulas de LP, fragmentando a língua, simplificando sua significância às normas e convenções (ortográficas, gramaticais, dentre outros), dificultando, assim, a implementação das mudanças necessárias e emergentes que envolvem o processo de ensino/aprendizagem da LP.

Por outro lado, existem professores dispostos a se posicionarem de maneira diferente na prática docente, mas que se encontram, por vezes, impedidos pelas dificuldades com que se deparam, ou se sente inseguros e/ou incapazes de atuar, justamente porque lhes falta o primordial, que é a formação adequada às novas práticas.

A verdade é que importantes reflexões envolvendo o processo de ensino/aprendizagem vêm sendo divulgadas e, por sua vez, não podem ser ignoradas nem pelos educadores, nem por aqueles que estão direta ou indiretamente inseridos nesse processo. Em outras palavras, “ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” (FREIRE, 1996, p. 35), portanto, deve-se sempre buscar práticas que melhor efetivem esse processo.

Nesse contexto, “a unidade básica do ensino só pode ser o texto” (BRASIL, 2001, p. 23), o que torna inviável o ensino descontextualizado e fechado em análises da língua para a língua, isto é, aquele ensino pautado apenas na metalinguagem. Em decorrência disso, tem-se também a consolidação dos gêneros como objeto de ensino do processo ensino/aprendizagem, pois através deles as atividades discursivas são realizadas, o que justifica a urgência em estudá- los.

Além do mais, para o desenvolvimento da competência discursiva do indivíduo é relevante entender que a linguagem se faz presente em todas as atividades humanas e, por sua vez, os textos, dependendo do campo de comunicação, são organizados mediantes aspectos

característicos de cada esfera social. Isso significa dizer que, segundo Bakhtin (2011), os textos são constitutivos de aspectos temáticos, composicionais e estilísticos responsáveis por defini- los como pertencentes a este ou aquele gênero. Nessa direção, o autor afirma que:

[...] O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados* (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos ─ o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional ─ estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. (BAKHTIN, 2011, p. 261)

Isso significa que o uso da língua se realizada através de enunciados21 que estão presentes em cada interação social realizada pelo indivíduo e, por conseguinte, constitui-se como importante meio comunicativo, com propósitos próprios dessa interação, relacionando- se com o contexto e a esfera social em que ocorrem, o que também justifica a diversidade e a heterogeneidade dos gêneros discursivos.

Para Bakhtin (2011), cada enunciado é único, individual, no entanto é pronunciado por integrantes de um determinado campo de atividade humana, o qual elabora os seus tipos

relativamente estáveis, ou seja, os gêneros discursivos. Desse modo, os gêneros refletem as

condições específicas de cada esfera social e se caracterizam por serem diversos e heterogêneos, haja vista a infinidade de possibilidades de usos da língua nas diversas atividades humanas, as quais integram em seu meio o repertório específico desse contexto discursivo.

Além do mais, esses reflexos advindos das condições específicas de cada esfera da atividade humana e de sua finalidade são consolidados nos gêneros do discurso pelo seu

conteúdo temático, estilo e aspectos composicionais.

Em outras palavras, os gêneros discursivos estabelecem relação direta com os usos da linguagem nos mais diversos campos de interação discursiva, ou melhor, em todas as interações da linguagem. Quanto ao uso dos gêneros discursivos, destaca-se:

Assim, a construção do enunciado, apesar da vontade discursiva do falante, não pode ser considerada como uso e combinação absolutamente livres das formas da língua. Para além do domínio das formas de determinada língua (léxico, gramática), é necessário, para a interação, o domínio dos gêneros. (RODRIGUES, 2005, p. 167)

Nesse sentido, os gêneros englobam uma forma histórica e ao mesmo tempo nova. Isto é, a cada uso os gêneros se reconstituem mantendo a individualidade da enunciação, sua existência e evolução, pois se renova a cada situação de interação discursiva, uma vez que irá refletir as condições específicas desse contexto interacional. Ademais, segundo Rodrigues (2005), tanto a língua quanto as formas dos gêneros são necessárias à interação, sendo que, em comparação à língua, os gêneros são mais flexíveis às mudanças sociais.

Como mencionado, os gêneros, na teoria bakhtiniana, são constituídos por três elementos básicos que os definem. Primeiro, o conteúdo temático, que se refere ao seu objeto do discurso e sua finalidade discursiva, ou seja, o sentido específico presente naquela determinada interação entre os sujeitos. Segundo, o estilo, que corresponde à escolha de recursos da língua (léxico, gramática) a ser utilizado na construção do gênero. E, por último, os

aspectos composicionais, que dizem respeito à organização discursiva do gênero que envolve

aspectos como a disposição e o acabamento do discurso e os sujeitos dessa interação. Esse componente remete à heterogeneidade dos gêneros, resultante de sua ligação com os diversos campos de atividade humana.

Vale ressaltar que, quanto ao estilo dos gêneros, “[...] todo enunciado, por ser individual, pode absorver um estilo particular, mas nem todos os gêneros são capazes de absorvê-lo da mesma forma” (RODRIGUES, 2005, p. 168), ou seja, alguns gêneros pouco adquirem essa individualidade, devido à sua natureza genérica22.

Em se tratando da heterogeneidade, Bakhtin (2011) distingue os gêneros primários dos secundários. Os primários referem-se às situações de comunicação relacionadas às esferas sociais cotidianas (carta, diálogo, bilhete, etc.), enquanto que as dos secundários correspondem a outras esferas públicas e mais complexas. Para o autor, os gêneros secundários, em sua formação, incorporam os primários, os quais se transformam e adquirem um outro caráter, desvinculam-se da comunicação imediata e dos enunciados alheios.

Essa concepção de gêneros postulada por Bakhtin não é estática, pois, segundo Koch (2011), por ser um produto social, os gêneros estão sujeitos a mudanças decorrentes não apenas de transformações sociais, como também de novos procedimentos de organização, de acabamento da arquitetura verbal e de modificações do lugar atribuído ao ouvinte.

Conforme a autora, gêneros do discurso caracterizam-se por: a) serem tipos de enunciados relativamente estáveis ligados a uma determinada esfera social; b) apresentar um

22 Os gêneros mais propícios são os da esfera literária, enquanto que os menos produtivos serão aqueles de maior padronização e de rigor específico, por exemplo, os documentos oficiais (v. RODRIGUES, 2005, p. 168).

plano composicional, um conteúdo e um estilo; c) são entidades selecionadas de acordo com a esfera de necessidade, os participantes e a intenção do locutor.

Diante disso, o ensino da LP pautado no texto como unidade de ensino exige do educador um conhecimento teórico não apenas quanto à concepção de língua adotada em sua prática pedagógica, mas das teorias que envolvem o estudo dos gêneros. Contudo, reconhecendo a dimensão social dos gêneros, sua presença na sala de aula torna-se ainda mais necessária, pois denota uma forma concreta de potencializar a ação dos professores e, por conseguinte, de seus alunos. A competência discursiva envolve o reconhecimento do gênero adequado na interação e o uso e a desenvoltura com a língua em contextos e objetivos específicos.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS