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Após as discussões anteriores, nas quais situamos o movimento feminista tanto em relação a diferentes perspectivas que marcaram essas discussões quanto aos caminhos percorridos pelo feminismo na América Latina à luz da perspectiva pós-colonialista, a seguir retomamos o conceito de gênero social e, em seguida, tecemos breves considerações acerca do corpo na construção da identidade28 feminina.

Knoll (2007) explica que, nos movimentos feministas, há uma unidade central nas reivindicações apresentadas, que consiste na “proposta política de discussão da condição feminina e, sobretudo, a contestação ao patriarcalismo” (KNOLL, 2007, p. 48). Esse questionamento das instituições sociais se trata da busca pela desconstrução da identidade feminina e deslocamento do poder para si. Além dessa demanda em comum, há diversas outras reivindicações que, mesmo não sendo totalmente atendidas, representam êxitos em relação à conquista dos direitos das mulheres, maior participação em diferentes setores da sociedade e problematizações de questões já naturalizadas. No que se refere ao último movimento, Knoll (2007) explica que esse

estranhamento foi possibilitado pela apropriação da noção de gênero (gênero social) enquanto categoria de análise das disparidades sociais.

A noção de gênero social é introduzida a partir das teorias e dos movimentos feministas (cf. seção anterior). Tamanini-Adames (2010) explica que o termo gênero começou a ser utilizado pelas feministas ao se remeterem à organização social da relação entre os sexos, uma vez que possibilita a compreensão da relação entre o masculino e o feminino como construções sociais, e não entidades naturais, pois “como as identidades são socialmente elaboradas, falamos em identidade de gênero, e não em identidade de sexo, o qual corresponde à condição biológica, natural do ser humano” (KNOLL, 2007, p. 50). A categoria de gênero surgiu, assim, como viabilização dos fatores sociais da discussão em torno da subversão feminina e como possibilidade de ruptura com o determinismo biológico. Para Tamanini-Adames (2010), o emprego do conceito de gênero provocou rupturas no olhar biológico que atravessa o termo “sexo” e oferece uma noção social.

Knoll (2007) afirma ainda que, embora a discussão em torno do gênero tenha iniciado nos movimentos feministas, isso não determina a exclusão do masculino nas discussões desenvolvidas. Alguns grupos feministas mais radicais se contrapõem às contribuições de homens para os estudos sobre gênero e nos próprios movimentos feministas, sendo essa recusa uma tentativa de demarcação de terreno de pesquisa essencialmente feminina. No entanto, Knoll (2007) propõe que essa negação da participação dos homens pode acarretar em uma negligência da compreensão do gênero enquanto relação. A esse respeito, Tamanini- Adames (2010) explica que o termo gênero pode ser empregado sugerindo que as considerações sobre as mulheres são necessariamente também informações a respeito dos homens, ou seja, que não seria possível falar a respeito da mulher sem se remeter ao homem e vice- versa. A partir das discussões de Scott (1995), o gênero é destacado como categoria relacional, e dá conta, portanto, das relações sociais entre o feminino e o masculino, e não da evidência de um em detrimento do outro29.

29 Além da discussão em torno dos diferentes movimentos feministas e das

discussões que se colocam contra ou a favor da inclusão de teorias assinadas por homens, há controvérsias no que se refere à questão da metodologia na pesquisa feminista, especialmente na existência, ou não, de métodos feministas. Harding (1998), por exemplo, afirma, a priori, que não existe um método feminista. No entanto, após certo período de discussões, retoma a afirmação e diz que, na verdade, existe sim um método feminista de pesquisa em termos

Assim sendo, o gênero evidencia, a partir de relações sociais, o que se entende por ser homem ou mulher em diferentes sociedades, pois os discursos que circulam reforçam os papeis e os status atribuídos a ambos. Knoll (2007), nesse escopo, discute que a noção de gênero problematiza a ideologia do determinismo biológico, quando as crianças são classificadas como homens ou mulheres desde o nascimento. Isso não significa que as mulheres e os homens não possam fugir dessas construções sociais e das expectativas projetadas, que não possam problematizar esses discursos naturalizados, já que nas discussões em torno da questão da identidade há enfrentamos de discursos distintos, tanto dizeres hegemônicos quanto renovadores, ou seja, atuam forças centralizadoras e descentralizadoras do discurso hegemônico. Ademais, ao mesmo tempo em que há a possibilidade de rompimento com o tradicional, por outro lado, o discurso hegemônico exerce significativa pressão negativa ao que é entendido como “desvio” da estrutura social, ao que não segue a ordem existente.

Além disso, a construção social de identidades não está alheia às relações de poder. Knoll (2007) explica que as relações entre o “mesmo” e o “outro” determinam o que somos a partir do que não somos. Nessa perspectiva, entende que as assimetrias de poder nas relações de gênero se projetam na medida em que a construção de identidades se dá necessariamente pela alteridade. Identificar implica classificar, agrupar, categorizar, atividades estas que não se realizam sob uma perspectiva neutra, já que atribuem características aos grupos em questão com base em normalizações e, por consequência, o que se considera “diferente” é entendido como desvio dessas normas. Se uma identidade é tida como parâmetro de comparação, prevalecerá sobre outras, já que se torna referência.

A determinação do que são homens e mulheres, em outras palavras, o estabelecimento do que se enquadra em uma categoria ou outra, se dá no contexto de um corpo social estratificado, em que

epistemológicos e considerando os contrastes entre esse método de pesquisa no feminismo e técnicas tradicionais. Castañeda Salgado (2008, p. 14) ratifica o posicionamento da autora e afirma que “La investigación feminista es, entonces, una manera particular de conocer y de producir conocimientos, caracterizada por su interés en que éstos contribuyan a erradicar la desigualdad de género que marca las relaciones y las posiciones de las mujeres respecto a los hombres. En ese sentido, está orientada por un interés claramente emancipatorio en el que se pretende realizar la investigación de, con y para las mujeres.”

o poder não é distribuído entre classes e grupos de maneira igualitária, pelo contrário, as disputas pelo poder resultam em assimetrias. (KNOLL, 2007, p. 56).

Na presente seção, discutimos como emerge a noção de gênero, suas implicações nos movimentos e reivindicações feministas, assim como o movimento que problematiza o determinismo biológico e propõe a construção das identidades nas relações sociais, e não a partir da noção de sexo. Entendemos a pertinência do conceito de gênero e como as discussões acerca do feminismo dialogam com essa noção, pois reconhecemos que há, de fato, um embate de discursos que retomam tanto o tradicional quanto o novo e, se nosso objetivo consiste na compreensão da discursivização da(s) imagem(ns) de mulher em revistas direcionadas ao público feminino, julgamos relevante compreender como as questões sobre identidade, gênero e sexo atravessam o(s) discurso(s) das revistas potencialmente direcionadas para as mulheres.

Após as considerações em torno dos estudos feministas, expomos, a seguir, os pressupostos metodológicos que subsidiam o estudo em tela.

4 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E APRESENTAÇÃO