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ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE O PASS-THROUGH CAMBIAL NO BRASIL

Existe uma extensa literatura sobre o grau de repasse cambial brasileiro, cuja análise foi feita através de diferentes abordagens. Por conta do uso de diferentes técnicas (especificações e variáveis escolhidas), há uma heterogeneidade de resultados encontrados para o caso brasileiro (COUTO; FRAGA, 2014).

Belaisch (2003), estima o pass-through brasileiro através de um modelo VAR recursivo, seguindo a especificação de McCarthy (1999), com dados de julho de 1999 a dezembro de 2002. A autora estima o pass-through para o IPCA, IGP-DI, IPA e para os componentes do IPCA (preços administrados, preços livres, tradables e non-tradables) individualmente. A dimensão do repasse é obtida através de funções impulso-resposta, em que o pass-through é obtido pela razão das variações acumuladas (do período 1 até o período T) da taxa de câmbio e do índice de preços, como mostra a equação 9:

𝑃𝑇𝑡,𝑡+𝑗=

∑𝑇𝑗=1∆𝑃𝑡,𝑡+𝑗

∑𝑇𝑗=1∆𝐸𝑡,𝑡+𝑗 (9) Sendo PT o pass-through cambial, ∆𝑃𝑡,𝑡+𝑗 é a variação acumulada do índice de preços

em j meses e ∆𝐸𝑡,𝑡+𝑗 é a variação da taxa de câmbio nominal acumulada durante o mesmo período.

Os resultados encontrados por Belaisch (2003) indicam um repasse cambial sobre o IPCA de 17% em um horizonte de 12 meses – ou seja, um choque de 10% na taxa de câmbio nominal aumenta a inflação em 1,7 p.p., um ano depois. Nos componentes do IPCA, o pass-

though obtido, foi de 15% para os preços livres e para os produtos tradables, 12% para os non- tradables e de 5% para os preços administrados. Neste mesmo horizonte de tempo, o pass- through para os preços no atacado (medidos pelo IPA) foi de 120% – com um intervalo de

confiança de 95%, o pass-through obtido foi de entre 93% e 124%, ou seja, variações na taxa de câmbio foram integralmente repassadas aos preços dos produtos em um ano após o choque cambial. Por fim, o grau de repasse obtido para o IGP-DI foi de 53%.

Belaisch (2003) também compara os resultados encontrados para o Brasil com outros países. Segundo a autora, o repasse cambial no Brasil é inferior ao registrado na América Latina (cujo repasse no índice de preços foi de 69%, no horizonte de 12 meses) e maior do que nos países do G-7 (cujo repasse foi estimado em 11%).

Uma série de outros autores estimou o pass-through cambial brasileiro com base no trabalho de Belaisch (2003), dentre os quais se destacam Squeff (2009), Araújo e Modenesi (2010), Souza e Alves (2011), Nogueira et al. (2012) e Miguel (2016). Ainda, uma série de outros autores utilizou modelos VAR com especificações diferentes, como Nogueira (2006), Correa e Minella (2010) e Couto e Fraga (2014) (MODENESI et al., 2017).

Squeff (2009) estima o grau de repasse cambial no Brasil, entre janeiro de 1999 e dezembro de 2007. O autor analisa o pass-through para o período completo e também para dois subperíodos: um compreendido entre janeiro de 1999 até junho de 2003 (amostra 1) e outro de julho de 2003 até dezembro de 2007 (amostra 2). Entre os principais resultados encontrados, destaca-se que o grau de repasse cambial, na amostra cheia, foi de 11,6% em um horizonte de 12 meses e de 17,3% em 24 meses. Além disso, o grau de repasse cambial na amostra 2 foi menor do que o registrado na amostra 1: de 8,5% contra 18,3% em um horizonte de um ano e de 22,5% contra 32,4% no horizonte de 24 meses.

Souza e Alves (2010), analisam o pass-through cambial brasileiro no período entre janeiro de 1999 até dezembro de 2009. Assim como Squeff (2009), os autores dividem a amostra em dois subperíodos, o primeiro entre janeiro de 1999 até dezembro de 2002 e o segundo entre janeiro de 2003 até dezembro de 2009. Na primeira parte da amostra, foi estimado um modelo de vetor de correção de erros (VEC) e o grau de pass-through obtido foi de 3,35%

no horizonte de um trimestre e de 13,57% em seis trimestres. No segundo período, foi utilizado um modelo VAR Estrutural (SVAR) e os autores obtiveram um grau de repasse de 1,29% e de 1,78% em um horizonte de um e seis trimestres, respectivamente.

De acordo com Souza e Alves (2010), o grau de repasse cambial foi expressivamente menor na segunda amostra por conta da maior estabilidade macroeconômica em relação ao primeiro período. Isto porque, no segundo período, se verifica uma tendência contínua de apreciação cambial – decorrente de um período de taxas de juros domésticas elevadas –, além de uma maior estabilidade de preços; por outro lado, a primeira parte da amostra apresenta maior instabilidade econômica, proveniente tanto de fatores locais (eleições de 2002, apagão de 2001 etc.) quanto internacionais (crise na Argentina, ataque ao World Trade Center etc.).

Araújo e Modenesi (2010) também utilizam um modelo VAR Estrutural para estimar o pass-through cambial, entre 1999 e 2010. Assim como Belaisch (2003), os autores estimam o repasse sobre o IPCA e seus componentes. Considerando um horizonte de 12 meses, o pass-

through encontrado foi de 7,1% para o IPCA, 7,9% para os preços livres, 11,9% para os preços

administrados, 3,4% para non-tradables e 9,3% para tradables. Desta forma, os autores encontraram um grau de repasse maior sobre os preços administrados do que sobre os preços livres, ao contrário do que indicava o trabalho de Belaisch (2003).

Segundo Araújo e Modenesi (2010), os preços administrados são mais sensíveis ao câmbio do que os preços livres pelo fato de que alguns itens do grupo são diretamente afetados pelo câmbio, como é o caso dos combustíveis, que dependem do preço do petróleo (cotados em dólares), e das tarifas de energia elétrica residencial e de telefonia. No caso das tarifas, os reajustes são aplicados com base no IGP (Índice Geral de Preços), cuja composição atribui 60% aos preços no atacado (IPA), que são mais sensíveis ao câmbio. Assim, uma desvalorização cambial impacta inicialmente o IGP e depois afeta os preços administrados através dos reajustes destes itens.

Carneiro et al. (2004) estima o pass-through cambial através de uma curva de Phillips

backward-looking, com uma especificação não-linear sobre o coeficiente de repasse, durante o

período compreendido entre o terceiro trimestre de 1994 até o último trimestre de 2001. Ao atribuir a especificação não-linear, os autores tornam o coeficiente de pass-through função de variáveis que afetam o grau de repasse (como o nível de atividade econômica e o câmbio real). A partir desta especificação não-linear, foi obtido um grau de repasse de 5,6% em 1999, 6% em 2000 e de 7,7% em 2001.

Correa e Minella (2010) também investigam a presença de não-linearidades no coeficiente de repasse cambial da curva de Phillips brasileira, com dados trimestrais que compreendem o período entre o primeiro trimestre de 1995 e quarto trimestre de 2004. Os autores utilizam modelos TAR (Threshold Autoregressive) – onde a amostra é dividida em classes, baseadas nos valores observados de uma determinada variável (se ultrapassam algum limiar definido) – para obter a estimativa do pass-through no horizonte de um trimestre. É feita a estimação com três especificações para a curva de Phillips, cada qual com uma variável usada como limiar (threshold): hiato do produto, variação da taxa de câmbio nominal e volatilidade da taxa de câmbio.

Os resultados obtidos por Correa e Minella (2010) indicam que o coeficiente de repasse cambial não é estatisticamente diferente de zero quando o hiato do produto está abaixo do limiar (estimado em 1,89% abaixo do produto potencial), mas quando a economia está acima deste limiar é de cerca de 9%. O segundo modelo estimado (que considera como limiar depreciações cambiais maiores ou iguais a 2,10%) apresentou um coeficiente de repasse de 2% para valores abaixo do limiar e de 11% para valores acima – ou seja, repasse cambial é expressivamente maior nas depreciações de maior magnitude.

Por fim, o terceiro modelo estimado por Correa e Minella (2010) atribui como

threshold uma volatilidade maior ou igual a 0,07% (desvio-padrão da variação diária da taxa

de câmbio em cada trimestre); com isso, os autores chegam a um grau maior de pass-through em um ambiente de volatilidade cambial mais baixa (80%, ante 7% nas observações acima do limiar) – no entanto, esta conclusão é limitada pois o coeficiente abaixo do limiar não é significante. Assim, o trabalho indica que o repasse de variações cambiais para os preços é maior quando a economia está se expandindo, quando a depreciação da taxa de câmbio é maior e quando a taxa de câmbio é menos volátil.

Marodin e Portugal (2018) analisam o grau de repasse cambial brasileiro através de uma Curva de Phillips, em um modelo de mudança de regime Markov-switching (MS), com dados entre 2000 e 2015. Modelos MS se “caracterizam por assumirem explicitamente a possibilidade de que, a cada momento, um número finito (e geralmente pequeno) de “regimes” ou “estados” pode ocorrer, sem que se saiba ao certo qual deles está sendo observado”. (SACHSIDA et al., 2009, p. 14).

Entre os resultados alcançados por Marodin e Portugal (2018), destaca-se que os autores identificam dois regimes distintos para o comportamento do coeficiente de repasse cambial, denominados “ciclo de crise” (entre 2000 e 2003 e em 2015) e “ciclo normal” (entre 2003 e 2014). Durante o ciclo normal, o coeficiente de pass-through obtido foi próximo a zero – um choque de 1% na taxa de câmbio aumenta a inflação em 0,00057 p.p. No ciclo de crise, o valor obtido foi significativamente mais alto – um choque de 1% na taxa de câmbio provocaria uma elevação de 0,10 p.p. sobre a inflação.

Simões (2010), também estima o grau de repasse cambial como coeficiente de uma curva de Phillips, mas o autor utiliza o método de rolling regressions para fazer a estimação por meio de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). Com isso, o autor contorna a estabilidade dos coeficientes e captura o comportamento temporal do coeficiente de pass-through.

Tombini e Alves (2006), Tejada e Silva (2010) e Souza et al. (2010) entre outros autores estimam o pass-through brasileiro através de modelos espaço-estado, de modo a obter a estimativa do coeficiente como um parâmetro variando no tempo.

Tombini e Alves (2006) aplicam o método de filtro de Kalman para estimar uma Curva de Phillips híbrida com coeficientes variáveis, a partir de uma amostra com dados mensais entre janeiro de 1996 e janeiro de 2006. Entre os resultados encontrados, destaca-se uma queda expressiva do grau de repasse cambial a partir da mudança de regime cambial (de Crawling peg para flutuante), em 1999. Os autores identificam ainda que, desde a metade de 2002 o coeficiente de pass-through apresenta uma tendência de alta. Esta tendência estaria relacionada à percepção dos agentes sobre a possível ocorrência de um evento que poderia trazer uma ruptura política (eleições de 2002); o aumento da incerteza teria desencadeado uma mudança no modo pelo qual as firmas e as famílias costumavam se comportar em suas decisões de consumo e definição de preços.

Souza et al. (2010) também utilizam o filtro de Kalman para estimar o pass-through, com dados mensais de agosto de 1999 até agosto de 2008. Segundo os autores, o pass-through de curto e de longo prazo apresentaram tendência de queda ao longo do tempo; no caso do coeficiente de curto prazo, o grau de repasse se aproximou de 100% próximo às eleições de 2002 e, passado o evento, seguiu em tendência de queda até se estabilizar em 2008.

Tejada e Silva (2010) utilizam o Filtro de Kalman para estimar o impacto das variações cambiais sobre os preços dos 14 principais segmentos de produtos exportados pelo Brasil (que representaram aproximadamente 65% dos produtos exportados, no ano de 2004) além das exportações totais. De modo geral, observou-se que os coeficientes de repasse cambial dos

setores analisados são, em média, baixos. Com isso, os autores concluem que as desvalorizações cambiais não produziriam ganhos significativos de competitividade para as mercadorias brasileiras, uma vez que não se reduz de maneira significativa os preços das exportações em dólares.

Uma estimação mais recente do pass-through cambial brasileiro foi apresentada pelo Banco Central (BCB), em um box do Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de setembro de 2018. Para a estimação, utiliza-se um modelo semiestrutural agregado de pequeno porte, com o intuito de avaliar os fatores responsáveis pela magnitude do grau de repasse cambial sobre a inflação de preços livres. Para isso, foram definidos como determinantes do pass-through: hiato do produto, ancoragem das expectativas de inflação, dimensão da depreciação cambial e a margem operacional das empresas.

A Figura 1 apresenta, para cada trimestre (de 2003.1 até 2018.3), a contribuição de cada fator determinante para a dimensão do repasse cambial – onde valores positivos (negativos) indicam se o determinante contribuiu para aumentar (diminuir) a magnitude do repasse –, com valores normalizados para que a soma das contribuições fosse igual a 1 no primeiro trimestre de 2003.

É possível perceber que a partir do segundo trimestre de 2011 se inicia uma tendência de alta na magnitude do repasse, por conta da influência positiva e crescente da desancoragem das expectativas de inflação. A partir do terceiro trimestre de 2013 até o primeiro trimestre de 2015 se observa estabilidade. No segundo trimestre de 2015, se inicia uma tendência de queda o grau de repasse, que se deveu à preponderância do hiato do produto negativo (BCB, 2018).

Figura 1 – Contribuição dos fatores que afetam a magnitude do repasse cambial, trimestral (2003.1:2018.3)

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